segunda-feira, 24 de junho de 2019

*Luiz Roberto Nascimento Silva: Salvar o Rio, bairro a bairro

- O Globo

Em fevereiro deste ano tivemos um temporal gigantesco. A cidade sofreu interdições, alagamentos, falta de energia elétrica, parte da Ciclovia Tim Maia desabou. Ao todo, morreram sete pessoas numa noite. Publiquei neste espaço um artigo sobre isso. Com tristeza volto ao tema, só que agora agravado pela reincidência.

Na ocasião, o prefeito Crivella argumentou que aquelas chuvas de fevereiro eram excepcionais e que ninguém teria como prevê-las e evitar suas consequências. Como veremos, as coisas agora ficaram mais graves. O GLOBO publicou longa matéria na qual fica claro que a prefeitura cancelou obras em cinco túneis, entre eles o Túnel Acústico, na Gávea, que desabou recentemente. Editais foram publicados e depois cancelados. Não há como atribuir a causas naturais o que tem a digital humana.

A natureza não reclama, se vinga. Toda a trajetória do homo sapiens sobre a Terra foi uma luta incessante para se impor sobre a natureza. Um esforço de dominar um mundo que lhe era hostil e inóspito. A domesticação do fogo permitiu que ele se alimentasse melhor. A construção de armas possibilitou que lutasse contra os predadores e as ferramentas, que moldasse utensílios em seu benefício.

A evolução das sociedades realizou-se por saltos cognitivos e tecnológicos que expandiram o campo de ação e o domínio do homem sobre o mundo. O homem aprendeu a arar, plantar, domesticar animais, inventando a agricultura. Singrou mares e desvendou os céus. Antecipou-se aos acontecimentos. O domínio tecnológico não impede que catástrofes climáticas ocorram, é claro, mas reduz prejuízos humanos e materiais.

O Rio de Janeiro, além de suas mazelas econômicas, tem sido sacudido por catástrofes que se transformam em tragédias. As chuvas castigam a cidade impiedosamente. Bairros famosos e valorizados, como o Jardim Botânico, são palco de cenas dantescas com ruas transformadas em rios, casas destruídas e moradores sitiados. A Avenida Niemeyer é interditada dia sim, dia não. Desde o início do ano, incluindo as vítimas da Muzema, foram 41 mortes. É muita coisa para uma cidade icônica como a nossa em pleno século XXI.

Como o subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos, não podemos responsabilizar apenas o prefeito Crivella. Todavia, ele comanda a cidade. O exercício do poder político é cruel, sempre criando vencedores e vencidos. O poder pune todo aquele que o tendo, não o sabe exercer.

A última intervenção nas vias importantes da cidade foi o Rio Cidade, implantado no primeiro mandato do prefeito Cesar Maia, de 1993 a 1996. Como não adianta ficar apenas reclamando, que tal pensarmos em ações concretas? Os bueiros da cidade só foram limpos nesse programa. Por que não realizar coisas simples como essa: limpar os bueiros? Bairro a bairro, em função da gravidade da situação subterrânea.

Píndaro já nos aconselhava a não aspirar à vida imortal, mas esgotar o campo do possível. Fica aqui essa modesta sugestão ao prefeito. Penso que a ação em etapas feita pelo critério de bairro a bairro possa mobilizar, como no voto distrital, corações e mentes.

Por razões que não importa aqui explicar, resido no Rio, mas tenho estado presente em duas outras cidades, capitais de seus estados. É visível que a crise econômica assola o país em todos, mas no Rio a intensidade de seus efeitos é muito maior. Precisamos fazer algo com urgência para que a única saída não seja o aeroporto.

*Luiz Roberto Nascimento Silva é advogado e foi ministro da Cultura

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