terça-feira, 25 de junho de 2019

Míriam Leitão: PIB prisioneiro do ponto morto

- O Globo

O governo ainda não divulgou um programa convincente contra a hibernação da economia brasileira

A previsão do PIB de 2019 murcha a cada semana e ontem ficou em 0,87%. Mais do que mostrar que o ano está perdido, o que está claro é que mudou o padrão de reação da economia brasileira a um período recessivo. Tanto na crise do começo dos anos 1980 quanto na do início de 1990, a recuperação depois da queda foi rápida. Desta vez a economia do Brasil não reage, entrou em ponto morto.

O ministro Paulo Guedes costuma dizer que o Brasil está prisioneiro da “armadilha de baixo crescimento”. É pior. O que os dados vão desenhando é o quadro de um país preso ao “não crescimento”. Essa década é a pior já registrada nas estatísticas do Brasil, desde o início do século passado. É gravíssimo. Se for confirmado o 2,2% em 2020, que está na previsão de ontem do Focus, o PIB do país terá crescido apenas 0,76% na década de 2011 a 2020, segundo o economista Marcel Balassiano, do Ibre/FGV.

— Em quatro décadas, a economia terá “perdido” duas. De 1980 a 2018, o PIB per capita cresceu apenas 0,9% ao ano em média. O avanço da produtividade é ainda mais lento, 0,5%. De 2011 para cá, 90% dos países cresceram mais do que o Brasil — diz Balassiano.

Os números informam que o país está numa grande encrenca. Caiu, levantou uma parte do corpo, mas não ficou de pé. Nem sabe quando conseguirá. A crise na qual a economia entrou no fim de 2014 e que levou à recessão de 2015-2016, foi encerrada oficialmente em 2017, quando estatisticamente o país saiu do negativo. Contudo, a atividade permanece em clima recessivo e a expressão mais aguda disso é o desemprego. A atividade continua fraca após dois anos de 1% de alta no PIB e a projeção que agora nos visita é de que este ano ficará abaixo de 1%. A cada semana, a estimativa cai um pouco mais. Diante desses dados eloquentes é preciso encontrar o caminho para aumentar o ritmo da atividade.

Há economistas defendendo a ideia de que é preciso reduzir o nível da taxa de juros para estimular a economia. É possível que seja reduzido se a reforma da Previdência for aprovada, pelo menos é isso que está implícito na ata do Copom. O mistério a desvendar é por que a política monetária não tem estimulado a economia, apesar de a Selic estar no mais baixo nível da sua história. Se olharmos para o IPCA, os juros podem cair, porque depois da alta da inflação em 12 meses, provocada pela greve dos caminhoneiros no ano passado, ela ficará em um nível abaixo de 4%. O IPCA-15 de junho, que sai hoje, ficará próximo de zero e a taxa do mês pode ser até negativa, diz o professor Luiz Roberto Cunha. O Focus prevê uma inflação de 3,82% esse ano, menor do que a meta de 4,25% para 2019.

Uma economia gelada acompanhada de uma inflação abaixo da meta. Então, evidentemente os juros podem cair. Por que não caem? Porque há no BC uma ideia de que é preciso esperar a reforma. Há debates entre os economistas se essa é a posição certa. Sem a reforma, a trajetória de crescimento da dívida fica assustadora, de fato. Mas se ela não for aprovada, não serão esses 6,5% da Selic que evitarão a onda de venda de ativos ligados à dívida pública. A reforma não desatará o crescimento, mas sem ela a conjuntura piora muito.

O governo ainda não divulgou um programa convincente contra a hibernação da economia brasileira. O Brasil já sabe o que não dá certo. A elevação dos subsídios, como houve no chamado programa de sustentação de investimento, do governo petista, não sustentou o crescimento e deixou uma herança pesada. A desoneração da folha salarial não elevou a oferta de emprego e agravou o déficit previdenciário. A reforma trabalhista aprovada no governo Temer não criou os empregos que se esperava que criasse. O país tem uma sucessão de não eventos, ou de decisões às quais a economia ficou indiferente.

O governo prepara agora o que a equipe econômica batizou de “choque de energia barata”. Eu expliquei no sábado o que o governo tem pensado em fazer e ontem foi aprovada a resolução para a abertura do mercado de gás a mais operadores. Mesmo se der certo, não terá efeito imediato. A própria equipe fala que o bom resultado a esperar é uma redução do preço do gás em um ano e meio a dois. Há muitos pontos do plano que parecem nebulosos ou inconsistentes pelos especialistas. A verificar na divulgação do plano, que está prometido para as próximas semanas. Diante dos sintomas de uma crise tão persistente, a resposta do governo precisaria ser mais ampla, mais inovadora, mais coerente.

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