terça-feira, 4 de junho de 2019

Míriam Leitão: Sem os estados não haverá ajuste

- O Globo

Uma reforma da Previdência sem os governos regionais não salvará o país do naufrágio porque estados e municípios estão em situação fiscal crítica

A questão de ter os estados e municípios na reforma tem a seguinte complexidade: na conta da redução dos gastos —R$ 1,2 trilhão — isso não está incluído, mas se eles não entrarem o Brasil terá feito uma mudança para salvar a União, enquanto o resto do país naufraga. Há uma outra complicação. Alguns governadores falam com o governo que querem que a reforma seja estendida aos estados, mas publicamente criticam a proposta. Os deputados então se retraem porque não querem pagar sozinhos o custo de apoiar uma medida impopular.

O relator da proposta, deputado Samuel Moreira, já disse mais de uma vez que a reforma tem que ser para todos os entes da federação, mas ele precisa ouvir os outros deputados, tentar convencê-los. Pode fazer um relatório apenas com suas convicções, mas se não conseguir convencer os parlamentares não vai adiantar. Deputados de vários estados começaram a propor que a reforma tirasse a aplicação automática nos estados e municípios, dado que alguns governadores não queriam brigar publicamente por ela. Ela só valeria após uma lei ordinária aprovada em cada Assembleia Legislativa ou Câmara de Vereadores. Basta ter a maioria dos votos dos presentes depois de garantido o quorum. Mas de qualquer maneira isso iria atrasar e abrir nova frente de pressão.

O assunto foi então levado à área econômica para estudos, o que não significa que será incluído no relatório. De qualquer maneira, a informação de que isso estava sendo analisado produziu o efeito de fazer com que governadores a favor da inclusão automática dos estados se mobilizassem. Prefeitos das cidades com maiores desequilíbrios estão também procurando o governo para tratar do assunto.

Na área econômica o que se diz é que aquele valor de R$ 1,2 trilhão não seria alterado, mas toda a lógica de um ajuste fiscal no custo das aposentadorias e pensões seria atingida. Como disse o secretário Mansueto Almeida na entrevista que me concedeu na semana passada, dois terços das aposentadorias dos estados foram concedidos para pessoas com uma média de 49 anos de idade. Ele acha, como repetiu ontem na “CBN”, que se permanecer assim será impossível haver ajuste fiscal no Brasil. De qualquer maneira, no Congresso o que se diz é que o ministro Paulo Guedes teria dado sinal de que pode ceder neste ponto. Se for isso será um desastre.

O que mais pesa nos estados são as aposentadorias especiais de professores e policiais. O levantamento da Consultoria Legislativa mostra que, nas 277 emendas, houve mais propostas para aumentar o tratamento diferenciado de determinadas categorias, incluindo-as nas já existentes, do que para mudar os pontos polêmicos que atingem os mais pobres. Foram 38 propostas para estender aposentadoria especial, 17 para preservar a dos professores. As emendas vão no sentido oposto ao desejado pela reforma. A questão do BPC, que tanto debate causou, recebeu nove emendas. Ontem na votação da MP do combate à fraude, houve acordo com o governo para dar mais tempo para a alteração na aposentadoria rural.

O déficit da Previdência dos estados se aproximou dos R$ 90 bilhões em 2018. Em 2014, pelos dados do economista Raul Velloso revelados pelo GLOBO, o rombo era de R$ 47,4 bi. O problema os sufoca. São eles os responsáveis por serviços básicos como segurança, saúde e educação. Outro levantamento de Velloso revelou que em dez anos a despesa com a Previdência dos estados com servidores inativos dobrou. O ritmo é mais forte do que o registrado pela União, que viu o gasto com os aposentados do serviço público acelerar 46%.

A reforma tem que valer para a União e governos regionais. Isso é claro para quem acompanha a deterioração das contas públicas. É difícil o trabalho de dar sustentabilidade a um sistema de pensões e aposentadorias que ficou desequilibrado demais antes do tempo. Por isso esse tema é tão difícil. As pressões vêm de todos os lados, claro, mas esta é a hora do diálogo para o convencimento. A democracia exige a construção de alianças, como disse ontem, neste jornal, o deputado Rodrigo Maia. Se a equipe econômica aceitar a retirada dos estados só porque não está na conta do que será poupado, estará cometendo um erro enorme.

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