segunda-feira, 10 de junho de 2019

Sergio Lamucci: Muito além da política monetária

- Valor Econômico

Superar crescimento baixo exige estímulo à produtividade

Com inflação baixa e sob controle, atividade econômica fraquíssima e gastos públicos contidos, crescem as apostas de que o Banco Central (BC) cortará os juros básicos neste ano. A redução pode ocorrer na primeira reunião do segundo semestre, em julho, a não ser que haja um revés na tramitação da reforma da Previdência no Congresso. Num momento em que a economia não consegue acelerar a recuperação cíclica iniciada em 2017, novos estímulos monetários serão bem-vindos. Há analistas que defendem a redução imediata da Selic, dada a ociosidade na economia e a insuficiência de demanda, mas o BC tende a manter a taxa neste mês - a instituição deve esperar alguma revisão para baixo das projeções da inflação para 2020 e a avaliar o andamento das reformas.

Esse provável novo ciclo de baixa da Selic, contudo, não deverá fazer a economia engatar um ritmo de crescimento dos mais expressivos. Primeiro, o espaço para a queda da taxa, hoje em 6,5% ao ano, não é dos maiores. O Safra projeta Selic a 5,5% no fim do ano, enquanto o Bradesco prevê o juro a 5,75% e o Banco Fator, a 5,25%. Mais do que isso, não é a política monetária que fará o Brasil sair do quadro de baixíssimo crescimento em que se encontra, ainda que reduções da Selic pareçam hoje de fato oportunas e necessárias.

O país precisa enfrentar o desequilíbrio fiscal, o que requer a aprovação de uma reforma da Previdência razoável, além da contenção de gastos com o funcionalismo e da mudança na regra de reajuste do salário mínimo, para tentar abrir algum espaço para o investimento público. Também é crucial uma ampla agenda de reformas para melhorar a produtividade, o que obviamente não é da alçada do BC.

O problema mais urgente é eliminar as dúvidas quanto à sustentabilidade das contas públicas no longo prazo. A dívida bruta aumentou de 51,5% do PIB no fim de 2013 para 78,4% do PIB em abril deste ano - e só não é maior por causa das devoluções de recursos do BNDES ao Tesouro. As projeções que apontam a estabilização do indicador um pouco acima de 80% do PIB em alguns anos, seguida de queda, pressupõem a aprovação de uma reforma da Previdência relativamente robusta - sem isso, a trajetória será explosiva. Para comparar, a média da dívida bruta dos emergentes em 2019 deve ficar em 53,4% do PIB, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Com uma boa reforma, será resolvida uma incerteza relevante na economia. O setor privado tende a desengavetar alguns projetos de investimento, o BC terá mais segurança para cortar os juros e mantê-los baixos por mais tempo e o ambiente melhora para o programa de concessões em infraestrutura deslanchar.

Há, porém, uma série de outros obstáculos ao crescimento. Em relatório, os economistas Alberto Ramos e Gabriel Fritsch, do Goldman Sachs, tratam de problemas estruturais que, para eles, ajudam a explicar a fraqueza da atual recuperação cíclica.

Além da incerteza sobre a política econômica desde 2014, Ramos e Fritsch apontam outros quatro fatores: o estoque de capital mais baixo; a perda de habilidades dos trabalhadores devido ao longo período de desemprego; os níveis mais elevados de endividamento, especialmente do governo e de famílias; e a alta carga tributária num quadro de grave crise fiscal.

Os economistas do Goldman Sachs observam que o péssimo desempenho do investimento desde a recessão levou a um declínio do já baixo estoque de capital na economia. Ramos e Fritsch lembram ainda outro aspecto preocupante -parte do investimento feito em anos recentes foi para projetos altamente improdutivos e que se depreciam rapidamente - é o caso das despesas com os caríssimos estádios construídos para a Copa de 2014 e com a infraestrutura para a Olímpiada de 2016, no Rio. Além disso, houve grande desperdício de recursos em obras como as do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco.

Outro problema que atrapalha a retomada decorre do desemprego de longo prazo. Isso acarreta perda de habilidades dos trabalhadores e consequente dificuldade para retornar ao mercado de trabalho. Há mais de 3 milhões de pessoas buscando emprego há mais de dois anos.

Ramos e Fritsch também veem como um obstáculo à recuperação o endividamento do governo e das famílias nos últimos 15 anos. O setor público passa por um processo de ajuste fiscal que deverá durar vários anos, devido à dinâmica insustentável da dívida, o que afeta a sua capacidade de investimento, ao mesmo tempo em que o setor privado ainda não está em posição de bancar a retomada. Os bancos públicos também têm jogado na retranca. Para os dois economistas, a situação dos consumidores tampouco é confortável. O endividamento das famílias, que em 2005 equivalia a menos de 20% da renda acumulada em 12 meses, bateu na máxima de quase 47% em abril de 2015. O número caiu para a casa de 41% na virada de 2017 para 2018, mas voltou a subir lentamente - estava em 43,4% em março deste ano. Na visão de Ramos e Fritsch, é possível que o comportamento do consumidor brasileiro tenha mudado de padrão com a crise, passando a poupar mais, num quadro de fraqueza de mercado de trabalho e nível elevado de endividamento.

Por fim, há o problema tributário e da gravidade da crise fiscal. A carga de impostos subiu com força desde o começo dos anos 1990 até 2008, permanecendo alta desde então, acima de 32% do PIB, lembram Ramos e Fritsch. Para piorar, o sistema se tornou muito complexo e custoso, reduzindo a competitividade da economia e afetando a produtividade das empresas. Essa carga tributária torna mais difícil para o governo fazer o ajuste fiscal, segundo eles. Aumentar impostos, além de politicamente delicado, tem custos sociais e econômicos. Simplificar o sistema tributário, com isso, é crucial para melhorar a eficiência da economia.

Em 2018, terminou o bônus demográfico, período em que o ritmo de alta da população em idade de trabalhar é superior ao da população total, notam ainda Ramos e Fritsch. Fechou-se a janela mais favorável ao crescimento em termos demográficos. O avanço futuro do PIB vai depender basicamente da produtividade, o que exige investimentos pesados em infraestrutura e em capital humano, com uma estratégia de menor atuação do Estado e de maior abertura comercial, avaliam.

A saída da armadilha do baixo crescimento não ocorrerá a golpes de política monetária, ainda que faça todo sentido cortar os juros neste ano.

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