segunda-feira, 15 de julho de 2019

Alex Ribeiro: O ajuste fino na política monetária

- Valor Econômico

Tamanho do estímulo dependerá das projeções de inflação

Os movimentos e palavras do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estão sendo vigiados com atenção redobrada pelo mercado financeiro depois que ele cumpriu o período inicial de afirmação de sua credibilidade e começou a indicar a retomada dos cortes na taxa básica de juros.

Para alguns, ele passará a agir com maior liberdade na condução da política monetária, valendo-se mais de sua experiência de operador do mercado financeiro e ficando menos preso ao roteiro teórico mais convencional do regime de metas de inflação. Uma visão popular é que os juros são o único instrumento disponível no governo Bolsonaro para dar um impulso na economia. Sem uma reação mais forte da atividade, o apoio às reformas econômicas liberais deverá se reduzir.

Se essa mudança vai de fato ocorrer, só o tempo dirá, mas por enquanto todos os movimentos de Campos seguem os passos de seu antecessor, Ilan Goldfajn, inclusive quanto à possibilidade de cortes na taxa básica de juros.

Mais para o começo do ano, Ilan disse algumas vezes que considerava que, com a Selic em 6,5% ao ano com taxas reais "ex-ante" perto de 3% ao ano, a política monetária estava no campo estimulativo. Segundo ele, mais adiante, depois de observar a economia por algum tempo, poderia se discutir se o grau de estímulo era suficiente ou não.

Campos vem mantendo um discurso semelhante desde a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC de junho, que manteve os juros em 6,5% ao ano e indicou pela primeira vez que as projeções de inflação comportam estímulos monetários adicionais, uma vez superado o que o colegiado chama de risco "dominante" da aprovação das reformas fiscais.

Ele tem enfatizado a sequência na definição dos juros pelo colegiado. Primeiro, o Copom checa se os juros nos patamares atuais são estimulativos ou não; segundo, verifica se o grau de estímulo é adequado; terceiro, avalia se o balanço de riscos para a inflação permite cortes na taxa básica de juros.

Sobre o primeiro ponto - se os juros são estimulativos -, o Copom e seu presidente vêm repetindo o entendimento de que, de fato, são, com a ressalva de que essa é uma avaliação sujeita a reavaliação contínua.

A tese do Copom é que, se a economia não está crescendo, não é porque os juros não foram reduzidos para abaixo da taxa estrutural. O fraco desempenho reflete a sequência de choques e incertezas que atingiram a economia desde o ano passado, a começar pela greve dos caminhoneiros. À medida que esses efeitos se dissipam, a força dos estímulos monetários aparece.

Campos, na entrevista coletiva do Relatório de Inflação de junho, lembrou que a situação dos países desenvolvidos - onde caiu a taxa de juros estrutural - é diferente da brasileira. Por lá, pesam fatores como mudanças demográficas e novas tecnologias, enquanto que aqui a situação tem as suas próprias peculiaridades. "Temos uma situação bastante diferenciada, uma parte demográfica que não está exatamente no mesmo nível."

O Banco Central tem sustentado, desde a gestão Ilan, que fatores como o prêmio de risco da economia brasileira têm peso muito importante na taxa estrutural. Mas os ganhos obtidos com as reformas, em boa medida, já foram incorporados nas estimativas para a taxa estrutural, já que uma das premissas adotadas nos modelos de projeção do Copom é que as medidas de ajuste fiscal sejam aprovadas.

Alguns analistas econômicos acham, por outro lado, que Campos poderá encontrar espaço para cortar mais os juros se mudar a avaliação do Copom sobre a conjuntura econômica. Se, por exemplo, o colegiado incorporar um cenário de atividade mais fraca, em tese o grau de estímulo deve ser ainda maior do que sugerem as projeções do Banco Central.

A esse respeito, um trecho da ata do Copom de junho tem chamado muito a atenção de alguns dos analistas: "Diante das evidências de desaceleração econômica em vários países, alguns membros do Copom ponderaram que o ambiente global pode ser fator mais relevante para a dinâmica da atividade econômica do que o antevisto".

Alguns especialistas viram, nesse trecho da ata, um ponto de discordância entre os membros do Copom que, nas próximas reuniões do colegiado, poderia levar a mais cortes de juros. Em um pronunciamento em Zurique, Campos citou esse risco internacional sem atribuí-lo a membros do colegiado, o que para muitos é um sinal de que ele é o dono dessa visão minoritária.

Presidentes do Banco Central já usaram, no passado, mudanças no cenário internacional para justificar juros menos apertados - mas hoje é menos provável que isso ocorra.

A citação incompleta da ata do Copom parece mais ser um descuido sem maiores repercussões. Campos manteve toda a linha analítica que vinha sendo adotada pelo Copom quando Ilan deixou o colegiado, incluindo o cenário básico, balanço de riscos e certa atitude de cautela na sinalização dos juros. Ele tem afirmado que a política monetária deu certo nos últimos anos e que, portanto, não vê motivos para mudanças.

O Copom, como colegiado, se fortaleceu desde a gestão Ilan, depois que as comunicação de política monetária se tornou mais transparente e, sobretudo, institucional, o que amarra mais os seus passos. Hoje, ele é formado por mais especialistas em política monetária. Isso faz com que teses individuais e isoladas do presidente do BC sejam mais difíceis de prosperar.

Campos começou a formar a sua própria equipe, mas, até agora, os nomes escolhidos não desfazem esse predomínio mais técnico do colegiado. A indicação de Fernanda Nechio para substituir Tiago Berriel na diretoria de Assuntos Internacionais é um forte sinal de continuidade. Ela é contemporânea do diretor de Política Econômica, Carlos Viana de Carvalho, nos bancos da Universidade de Princeton, com quem produziu pelo menos 12 trabalhos acadêmicos.

O que pode se esperar, portanto, são decisões dentro do arcabouço já comunicado. As projeções de inflação mostravam, em junho, que os juros podem cair a 5,75% ao ano sem colocar em risco as metas de inflação. Podem até cair mais, num ajuste fino da política monetária, mas para tanto são necessárias melhoras no quadro inflacionário sem descontinuidade da narrativa que até agora foi adotada pelo Copom.

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