sábado, 13 de julho de 2019

Como sair do buraco

Economistas dão receitas para o Brasil voltar a crescer após a reforma da Previdência

Por Denise Neumann | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

SÃO PAULO - O Brasil, que não conseguiu se recuperar da recessão, tem 13,3 milhões de desempregados, dos quais um em cada quatro está procurando emprego há mais de dois anos. Nas fábricas, 25% da capacidade instalada está ociosa, 210 mil empresas do comércio fecharam as portas em quatro anos e 6 mil companhias pediram recuperação judicial. Os efeitos negativos da depressão de 2014-2016 sobre a economia brasileira foram mais fortes e se prolongaram muito além do esperado.

Em março de 2018, as projeções medianas do mercado financeiro apontavam que o país encerraria o ano com um Produto Interno Bruto (PIB) 2,9% maior, crescimento que seria repetido em 2019. Naquele momento, já não se esperava que a reforma da Previdência fosse aprovada por um Congresso em busca de reeleição, mas, mesmo assim, a expectativa era de que a recuperação cíclica prevaleceria. Afinal, após as recessões dos inícios dos anos 80 e 90, o PIB brasileiro precisou de menos de dois anos para se recuperar das perdas causadas pela retração econômica. No atual ciclo, isso não ocorreu. No ano passado, a economia cresceu 1,1% e para este ano as apostas já estão abaixo de 0,9%.

Olhando para 2018 e 2019, os economistas conseguem elencar o que veio diferente do esperado. Entre outros eventos "que não estavam combinados", a economia mundial cresceu menos afetada pela guerra comercial que os Estados Unidos travam com o mundo, a crise argentina foi mais forte, a greve dos caminhoneiros parou o país e a inflação do início do ano tirou um pouco de renda disponível para o consumo. Tudo isso, porém, explica, mas não convence. E agora que a reforma da Previdência caminha para ser aprovada, o discurso de que ela tudo resolveria está se refazendo. A proposta que permitirá ao setor público economizar perto de R$ 1 trilhão em dez anos não é mais vendida como "a bala de prata" capaz de devolver, sozinha, o Brasil à rota do crescimento.

Pós-aprovação da reforma da Previdência, alguns economistas avaliam que a saída pró-crescimento está em medidas que estimulem a demanda, cujo instrumento principal é a queda da taxa básica de juros. Para outros, juros farão cócegas na economia e só resta ao país ter paciência para que mais medidas a favor da oferta (reforma tributária, reorganização das carreiras do setor público, privatização, concessões, redução da burocracia etc.) sejam adotadas e façam efeito.

Na prática, contudo, o debate oferta X demanda é quase um falso dilema, como a própria equipe econômica sinaliza no pacote que está discutindo e que mistura medidas estruturais, de estímulo à demanda e microeconômicas. Quem defende a necessidade de um corte expressivo da taxa básica de juros e medidas adicionais que deem impulso à demanda (como uma liberação adicional de recursos do FGTS ou mesmo algum compulsório) não é contrário a mais reformas, como a tributária, ou a privatizações e concessões, que reduzam o espaço do setor público na economia e abram espaço para o setor privado. Timing e ênfase diferenciam a dosagem de cada receita, que por sua vez está ancorada na leitura das causas do não crescimento.

Quatro economistas ouvidos pelo Valor dão diferentes respostas à pergunta sobre por que o Brasil não voltou a crescer após a brutal recessão dos anos 2014-2016, que tirou quase 8% do PIB do país. Para José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), a questão é estrutural e se arrasta há 40 anos.

"Nas últimas quatro décadas, houve falta de atenção a questões relevantes para o aprimoramento do capital humano (você aumentou a escolaridade, mas não a qualidade da educação), a infraestrutura se deteriorou (viadutos simplesmente caem na maior cidade do país) e hoje o setor público não investe nem o mínimo para apenas manter o estoque de capital", diz ele, lembrando que o país também não reduziu o nível de burocracia do sistema econômico, a carga tributária segue muito pesada e, nos últimos 20 anos, o gasto público cresceu 6% ao ano em termos reais. "Para dar conta desses gastos, a sociedade foi sendo mais e mais tributada, o que contribuiu para a nossa ineficiência econômica."

Nos últimos 40 anos, o PIB per capita brasileiro cresceu apenas 0,9% e a produtividade, 0,5% ao ano, enquanto nos 30 anos anteriores a 1980, a alta anual do PIB per capita foi de 4,3%. "O problema foi mascarado por algumas fases e movimentos positivos, como o boom de commodities, o bônus demográfico, o próprio aumento do gasto público, que puxou algumas atividades, mas vivemos um esgotamento do nosso modelo", afirma Senna, para quem a saída sustentada da crise será bastante demorada porque vai depender de ganhos de produtividade.

Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), olha para um período um pouco mais curto e conclui que a estagnação atual é o preço que a sociedade está pagando pelos erros de política econômica dos últimos anos, especialmente pela era em que o país foi comandado por Dilma Rousseff (PT).

Em 2009 e 2010, na sequência da crise financeira mundial, avalia, a reação brasileira de curto prazo foi positiva, e a economia brasileira reagiu. "Só que passamos a utilizar políticas de reativação de curto prazo como políticas de estímulo de longo prazo e intensificamos o uso da política fiscal para alavancar o crescimento da economia. Esse foi o grande equívoco da política econômica", diz Castelo Branco. Para ele, não há espaço para o uso de qualquer política fiscal nessa retomada. Mais reformas, menos juros e mais crédito (especialmente para pequenas e médias empresas) compõem sua receita para voltar a crescer.

O pesquisador-associado do Ibre Bráulio Borges avalia que uma parte importante da frustração com a atividade econômica "se deve a um excesso de cautela da política monetária". "Não é coincidência a inflação estar correndo sistematicamente abaixo da meta e termos, do outro lado, a retomada atipicamente lenta da atividade econômica", argumenta. Nas suas contas, já em meados de 2018, a taxa Selic deveria estar em torno de 5,5% ao ano (desde àquela época ela está estacionada em 6,5%). Como o BC tem parte da culpa, também ao BC cabe parte expressiva da solução, segundo seu ponto de vista. O primeiro impulso à atividade, defende, virá quando o Banco Central baixar fortemente a taxa básica de juros. E se ela voltar a subir em 2020 depois de cair até o fim deste ano - como preveem os economistas ouvidos pelo Banco Central -, o crescimento pode ser, novamente, contido, avalia.

Na busca de uma explicação para a estagnação que ninguém previu, o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato Barbosa, e sua equipe, passaram a considerar uma tese nova. Além de choques tradicionais que vieram diferentes do esperado (como o menor crescimento mundial, a crise argentina, a greve dos caminhoneiros no ano passado, entre outras), eles dizem acreditar que a presença do setor público na economia se estendia muito além dos 20% calculados no PIB. Programas como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), entre outros, ampliaram o tamanho da relação entre o setor público e o privado nos anos anteriores à recessão.

"Quando você corta o gasto público com o teto de gastos, em 2016, uma parte da economia que vivia do setor público para de crescer. Não estou dizendo que isso é o culpado pela desaceleração, o caminho é esse e está correto. Mas esperávamos que, quando o governo saísse de cena, o setor privado seria o protagonista do crescimento, e ele não tem sido. É aqui que está a frustração, e não propriamente com a saída do governo", avalia Honorato, que concorda com Borges quanto ao papel que o corte da taxa básica de juros e mais algumas medidas adicionais e temporárias de estímulo à demanda (como uma nova rodada de liberação de recursos do FGTS) podem ter para tirar o país da estagnação.

Embora tenham leituras diferentes do que está impedindo o Brasil de crescer, os quatro economistas concordam que a combinação de dois anos de profunda recessão e três anos de estagnação econômica pode atravancar a retomada da economia brasileira quando ela finalmente começar. O que já era difícil, vai ficar ainda mais complicado, dizem. A teoria econômica chama isso de histerese. Na prática, por trás desse nome grego que significa retardo, estão os 13 milhões de desempregados, dos quais 56% são pessoas com média e alta qualificação, e também o atraso tecnológico do país, que possui 10 robôs para cada 10 mil trabalhadores, percentual muito abaixo da média mundial de 74 a cada 10 mil, segundo dados da Federação Internacional de Robótica.

"Os principais danos da crise prolongada têm a ver com a perda de capital humano, quando você fica desempregado muito tempo - porque quando uma pessoa está trabalhando bem ou mal ela tem treinamento regular, está engajada em tarefas que vão sendo atualizadas, então seu capital é preservado -, e a perda de capital físico, que deprecia quando você não tem investimento", pondera o economista-chefe do Bradesco.

Um terceiro problema, acrescenta, é o atraso tecnológico, que se aprofundou neste período. "O país está discutindo de novo como voltar a crescer e as reformas, mas nesse tempo você viu inovações avançando no mundo todo e aqui, porque as empresas não estão investindo, elas não chegam na velocidade que seria necessária. Isso é um ônus importante de longo prazo para o país", diz Honorato.

O economista-chefe do Bradesco também aponta a queda da taxa básica de juros como o principal instrumento para ajudar o país a voltar a crescer, uma medida de curto prazo que precisa vir acompanhada de mais reformas estruturais, que incentivem o setor privado a ocupar o espaço que foi deixado pela saída do setor público da economia.

"No cíclico você tem queda de juros e você pode induzir alguma demanda via privatizações, que é vender ativos já existentes. Isso gera alguma confiança, algum investimento do novo dono, e gera um ciclo positivo. E o governo tem falado em liberar parte do Fundo de Garantia, que num governo liberal é uma solução razoável. Mas tudo isso são soluções de curto prazo", pondera.

No longo prazo, diz, "o caminho mais objetivo é infraestrutura, saneamento, rodovias, portos, mas a preferência é que o setor privado seja o indutor desse processo. Mas por que o setor privado ainda não é protagonista desse processo? Porque ele tem incertezas, dúvidas sobre a reforma da Previdência, sobre qual será a regra tributária daqui para frente", acrescenta.

Para o economista-chefe do Bradesco, o marco novo do saneamento e o de óleo e gás, a abertura das áreas, a MP da Liberdade Econômica, a regulamentação das agências reguladoras, são iniciativas que vão ajudar o ambiente de negócios e vão fazer o setor privado investir. "Mas isso demora", avisa, insistindo que no curto prazo a queda dos juros terão um papel importante para a retomada do crescimento.

Senna, ao contrário, é bastante cético sobre a capacidade de uma redução adicional da taxa básica de juros ajudar a economia brasileira. Ele ancora sua avaliação na já expressiva queda dos juros formados no mercado. "Estímulos de demanda não vão produzir efeitos expressivos. Não podemos acionar o instrumento fiscal quando o governo precisa reduzir seus gastos. Talvez possamos ter uma redução modesta dos juros, mas a atividade não responde só a juros, como a zona do euro nos ensina. Além disso, o mercado financeiro já fez o afrouxamento monetário. Os juros mais longos, formados no mercado, já caíram ao longo deste ano, e não vimos nenhuma euforia das empresas para tomar crédito. Esse é um grande sinal de que o estímulo monetário não é a solução", diz ele.

Borges insiste que, como a política monetária tem parte expressiva da "culpa", a ela também cabe a "solução". "Muitas dessas reformas que estão sendo discutidas e são necessárias, e eu encaixo a própria reforma da Previdência nesse grupo, têm muito mais impacto no crescimento potencial da economia, que é àquele de médio e longo prazos, do que no curto prazo. No curto prazo, como estamos muito aquém do pleno emprego, precisamos de medidas que estimulem a demanda, e não a oferta", diz ele. "Um empresário, por exemplo, mesmo que as reformas previdenciária e tributária sejam aprovadas, não tem muito estímulo para investir porque ele tem um estoque de capital muito ocioso. É preciso primeiro preencher esse excesso de ociosidade para então fazer investimentos, especialmente investimentos grandes, de construção de novas plantas."

Castelo Branco considera que a reforma da Previdência, uma vez aprovada, sinaliza um horizonte de 20 a 30 anos de maior estabilidade fiscal e por isso já pode ter efeitos também no curto prazo. "Quando na economia você faz isso, muitos agentes econômicos antecipam e começam a agir considerando esse horizonte de equilíbrio fiscal. Mas aí precisamos atacar com a mesma, ou até com mais ênfase, as agendas que afetam a produtividade e o ambiente de negócios. Nossa expectativa é que, passada a reforma da Previdência na Câmara, ela comece a discutir a reforma tributária com a mesma intensidade e mesmo vigor", pondera.

Honorato, do Bradesco, diz acreditar que o horizonte fiscal que será aberto com a reforma da Previdência vai ter efeito positivo sobre a confiança dos agentes e abrirá espaço para o investimento privado na infraestrutura, que ajudará o ciclo econômico.

"Quem vai investir é justamente a infraestrutura. Onde nós temos gargalo não é na indústria manufatureira, porque essa tem ociosidade. Cortar o juro de 14% para 6,5% melhorou muito o balanço das empresas. Aliás, esse é outro canal de transmissão do qual se fala pouco. Não teve efeito direto nas vendas, mas o balanço financeiro das empresas melhorou muito e elas se rearranjaram, alongaram prazos, reduziram custos, elas estão prontas para crescer. Isso tem um efeito que não está no PIB, mas vai aparecer um dia", afirma.

Se o investimento não voltar, entretanto, o risco é que efeitos recessivos da reforma da Previdência podem prevalecer. Quatro pesquisadores do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Nemea-Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostram, em detalhado estudo sobre impactos na redução dos benefícios previdenciários sobre a renda das famílias e, consequentemente, sobre o consumo e o crescimento, que se a reforma da Previdência não for acompanhada por um concomitante incremento do investimento, seu potencial regressivo sobre a economia será exarcebado, com aumento da desigualdade.

Eles revelam que os benefícios, especialmente os pagos pelo INSS, têm peso relevante para o orçamento das famílias com até cinco salários mínimos de renda mensal. Depois, testam diferentes hipóteses e a conclusão mais simples é que "para uma economia de R$ 800 bilhões para os cofres públicos, o impacto sobre o PIB pode variar de cerca de -1% a + 2%, com média de 0,6%, sendo o resultado negativo o obtido na hipótese padrão do modelo (sem elevação exógena na taxa de retorno do investimento)".

Por isso eles concluem que "na ausência de um incremento no nível de investimento do país, a reforma da Previdência tende a ser recessiva. Assim, o apoio na expectativa de que apenas a reforma da Previdência ampliará a confiança dos agentes privados a ponto de gerar incremento relevante no nível de investimento da economia é arriscada, podendo aprofundar o cenário de estagnação econômica da atual conjuntura brasileira", dizem eles.

Castelo Branco destaca que a agenda da infraestrutura tem um duplo efeito positivo. "Primeiro, ela é caótica, e isso implica custos. Além disso, os grandes projetos, como saneamento básico, pelos impactos na saúde, ou transporte público, pela redução do tempo de deslocamento dentro das cidades, empregam muitas pessoas e colocam toda uma cadeia de fornecedores em movimento antes de gerarem resultados."

Mesmo considerando que a saída é pelo setor privado, o gerente da CNI pondera que "o setor público não pode olhar e dizer 'só vou trabalhar no longo prazo'. Após dois anos de recessão e dois anos de crescimento per capita zero, entrando no terceiro, cria-se a necessidade de alguma política mais ativa de estímulo na economia".

Além de alguma redução de juros, ele considera importante alguma atuação do setor público no mercado de crédito. "Sem querer recriar o passado", ele defende que o BNDES continue ativo, mas com um papel catalisador no sistema de garantias para facilitar o acesso de pequenas e médias empresas a um crédito mais barato, situação que as grandes empresas podem resolver no mercado de capitais.

Para os quatro economistas, medidas que permitam ao Brasil ganhar produtividade são fundamentais. Senna, contudo, reconhece ser difícil saber quando elas terão efeito, pois, ao contrário da política monetária, é complicado medir empiricamente seu tempo de resposta. "As reformas pelo lado da oferta são raras e, por isso, é difícil estimar em quanto tempo elas farão a economia voltar a crescer. Mas sabemos que elas demandam tempo."

O tempo também pode ser prolongado pela política. Ainda que a tramitação da reforma da Previdência esteja ocorrendo em uma velocidade superior à esperada, os economistas ainda temem o tempo da política, seja pelos sinais dados pelo flerte do presidente Jair Bolsonaro (PSL) com regras mais benéficas para os policiais, que deixou clara diferenças de opinião entre o Planalto e a equipe econômica, como pela própria convicção dos parlamentares com relação a outras reformas, especialmente a tributária, que envolverá a revisão do atual pacto federativo. Não foi à toa que Estados e municípios já ficaram fora de parte da reforma da Previdência.

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