terça-feira, 30 de julho de 2019

Daniela Chiaretti: Dano ambiental no Brasil já está em curso

- Valor Econômico

No país, nasce uma semente de resistência à agenda do governo

O Nobel de Economia Joseph E. Stiglitz disse em junho, em artigo no britânico "The Guardian", que a emergência climática é a "nossa Terceira Guerra Mundial." O professor da Universidade de Columbia foi claríssimo: "Nossas vidas, e a civilização como a conhecemos, estão em jogo". Nos últimos dois anos, os Estados Unidos perderam quase 2% do PIB em desastres relacionados ao clima - secas, inundações e incêndios florestais - e o custo para a saúde será de dezenas de bilhões de dólares, sem contar as mortes. O ex-economista-chefe do Banco Mundial se interessa pelo debate sobre como organizar recursos para o que muitos chamam de "Green New Deal", o grande esforço para enfrentar a mudança do clima que empresta o termo do programa que reergueu a economia americana depois da crise de 1929.

No Brasil, o governo Jair Bolsonaro está alheio a tudo isso. Corrigindo: desde antes da posse o presidente procura bloquear qualquer iniciativa nesse rumo, a menos que os interesses comerciais mandem dar verniz verde ao discurso. Talvez por isso não tenha anunciado a saída do Acordo de Paris, como ameaçou na campanha, ou a extinção do Ministério do Meio Ambiente (MMA), fundido com o da Agricultura, como no plano inicial. Mas, na prática, o dano está em curso.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem se dedicado a liberar a pesca de sardinha em Fernando de Noronha, visitar madeireiros em Rondônia e pensar se é viável criar mais gado e talvez plantar café no Acre. Nenhum pio sobre a liberação de agrotóxicos em ritmo alucinante, a pavimentação de estradas na Amazônia ou a integridade dos dados oficiais sobre o desmatamento feitos há décadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe. O Brasil sob Bolsonaro parece ter dois ministros da Agricultura e nenhum do Meio Ambiente.

Os núcleos que tratavam da mudança do clima nos ministérios ou foram extintos ou estão quase lá. Não se fala mais em adaptação à mudança do clima, embora o Brasil tenha um plano há anos, discutido com vários setores da sociedade e agora embolorando em alguma gaveta do MMA. O mesmo silêncio recai sobre as metas climáticas de reflorestar milhões de hectares e ampliar a matriz energética com energias renováveis e maior eficiência. Salles assumiu dizendo que essa agenda não era a dele. Só a cita quando repete que, se os outros países querem que o Brasil preserve, têm que pagar por isso.

Tereza Cristina disse em entrevista recente à "Folha de S.Paulo" que não acredita em "sustentabilidade e preservação ambiental com miséria". Ninguém acredita, ministra. É precisamente por isso que, há muitos anos, nas conferências climáticas internacionais criaram-se mecanismos para ajudar os países que precisam. Um dos mais bem-sucedidos é justamente o Fundo Amazônia, que opera com dinheiro doado (não é empréstimo, é doação) de contribuintes noruegueses e alemães. Funcionou muito bem até Salles anunciar, em março, um pente-fino nos recursos e na governança do Fundo. Está tudo em suspenso desde então.

Enquanto o Brasil segue desenfreado na direção errada, a crise do clima continua acelerada. Tornou-se "emergência climática" para pesquisadores, ambientalistas e governos que atuam com seriedade em seu enfrentamento e em adaptar suas sociedades.

No início de julho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou um relatório que indica o quanto o aumento da temperatura pode afetar negativamente o mercado de trabalho e a produtividade das empresas. O estudo trabalha com a previsão conservadora de uma alta de apenas 1,5 °C no aquecimento global até 2030. Nesse cenário, o mundo deverá lidar com uma perda de horas de trabalho de 2,2%. No sul da Ásia e nos países da África Ocidental, mais afetados pela conjunção entre aquecimento e pobreza, isso pode significar até 5% de perda nas horas trabalhadas. Os números de "Working in a Warmer Planet" são brutais: ameaça 80 milhões de empregos e US$ 2,4 trilhões de prejuízos econômicos globais.

O estudo da OIT trata do estresse térmico, conceito que define os limites do corpo à alta de calor antes de colapsar. O excesso de calor durante o trabalho é risco sério para a saúde ocupacional. "Quando a temperatura corporal chega a 39 graus há perda de produtividade e pode-se chegar à morte", diz o consultor Paulo Muçouçah, coordenador de empregos verdes da OIT no Brasil até 2018. "É por isso que ocorreram muitas mortes no interior de São Paulo entre cortadores de cana. Os trabalhadores davam mais de mil golpes de facão por dia, a temperatura era muito alta. Morriam pelo calor."

A atividade mais atingida, segundo a OIT, será a agricultura, sobretudo nos países tropicais onde o calor é maior, e a agricultura, menos mecanizada. A perda de horas de trabalho pode chegar a 40%. A construção civil é outro setor em risco, com potencial de 19% de perda, diz o estudo da agência mais antiga da ONU. Mas Bolsonaro nunca escondeu o desdém pelas Nações Unidas e costuma reduzir desafios dessa magnitude à "psicose ambientalista". Em pouco mais de 200 dias de seu governo, a lista de retrocessos é deprimente.

Há, contudo, uma semente de resistência que se esboça na articulação em torno da Conferência Brasileira de Mudança do Clima, que acontecerá em outubro, no Recife. O evento foi pensado quando Bolsonaro retirou a candidatura brasileira para que o Brasil sediasse a próxima conferência do clima da ONU, a CoP 25.

Um dos objetivos do encontro a ser realizado no Brasil é mostrar que sociedade, setor produtivo e alguns governos locais se mantêm firmes no Acordo de Paris e que a agenda de clima, florestas e desenvolvimento sustentável tem grandes oportunidades para o Brasil. "Esse é um tema que interfere na estratégia de negócios", reconhece Luiz Carlos Xavier, coordenador da área da Braskem. "É assunto que precisa ficar em alta", concorda Tomás Carmona, superintendente de sustentabilidade da SulAmérica.

Longe de ter algo parecido à Califórnia ou à oposição articulada do Partido Democrata à agenda antiambientalista de Donald Trump, o ainda tímido movimento de algumas ONGs e empresas em torno da conferência brasileira tem potencial para ganhar ressonância e montar uma delegação paralela à CoP que o Chile sediará no fim do ano.

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