segunda-feira, 29 de julho de 2019

Demétrio Magnoli: Muito além de Noronha

- O Globo

Jair Bolsonaro errou o alvo quando insurgiu-se contra o valor da taxa de ingresso no Parque Marinho de Fernando de Noronha. O erro tem, para usar o mantra do governo, “viés ideológico”: evidencia um programa de destruição das políticas de preservação ambiental.

O arquipélago de Noronha está administrativamente bipartido. A Área de Proteção Ambiental (APA) abrange 30% da extensão da ilha principal, inclusive a Vila dos Remédios. Na APA são permitidas atividades econômicas, que se sujeitam a certas restrições ambientais. Nela, encontram-se hotéis, restaurantes, comércio, escolas, residências etc. Já o Parque Marinho (Parnamar-FN), que ocupa 70% da ilha principal e todas as ilhas menores, funciona como santuário natural. Nele, são vetadas a construção e as atividades econômicas.

O visitante de Noronha paga duas taxas: uma perfeitamente legal, outra inconstitucional. A primeira é a “taxa do parque”, cobrada pelo ingresso no Parnamar. Para brasileiros, custa R$ 106,00 (cerca de US$ 28) por dez dias. No parque de Yosemite, nos EUA, um carro paga US$ 35 por sete dias e um visitante de bicicleta, US$ 20 pelo mesmo período. No Kruger (África do Sul), um sul-africano paga US$ 47 por sete dias. Bolsonaro quer cortar o valor de uma taxa razoável porque odeia a noção de proteção ambiental.

A segunda é a “taxa da ilha”, cobrada pelo estado de Pernambuco e cinicamente batizada como Taxa de Proteção Ambiental (TPA). Sem o pagamento, não se passa pela “imigração” no aeroporto da ilha. É inconstitucional, pois restringe o acesso a uma APA, que é parte normal do território brasileiro. O “argumento” para a cobrança concentra-se nos custos logísticos do provimento de serviços públicos no arquipélago. Sob argumento similar, centenas de municípios afastados das principais artérias rodoviárias poderiam cobrar taxas de visitação de suas APAs.

Pernambuco beneficia-se fortemente dos impostos arrecadados pelo negócio do turismo em Noronha. Mas, não contente, assalta os turistas brasileiros, impondo a cada um deles o pagamento ilegal de R$ 467,59 (cerca de US$ 124!!!) por sete dias de estadia. Por que Bolsonaro não contesta a taxa abusiva cobrada por um governo desinteressado em controlar a urbanização irregular ou evitar a proliferação de lixo na APA de Noronha?

O presidente associou a “taxa do parque” ao baixo fluxo de turismo no Brasil. Mas, de fato, o turismo no arquipélago cresce em ritmo ambientalmente insustentável, ultrapassou a marca de 100 mil visitantes/ano, e só poderia ser contido por severas limitações no número de voos semanais.

Tudo indica que Bolsonaro quer aumentar ainda mais a visitação. Nisso, alinha-se com o desejo do governo pernambucano, que já arrecada mais de R$ 35 milhões/ano só pela cobrança da TPA.

O presidente acertaria um alvo crucial se girasse a mira para a visitação do conjunto de nossos parques nacionais. Nos EUA, em 2017, os parques nacionais receberam 331 milhões de visitantes. No Brasil faltam estatísticas decentes, mas estima-se grosseiramente que foram 10,7 milhões. Na África do Sul, que tem um quarto de nossa população, foram 6,7 milhões. O fracasso tem causas facilmente identificáveis — mas nenhuma delas mantém relação com o valor das taxas de ingresso.

As taxas de ingresso de nossos parques são bastante baixas, quando existem. Parques icônicos como a Chapada Diamantina, a Chapada dos Guimarães, os Lençóis Maranhenses e os Aparados da Serra nada cobram —e, exceto suas belezas naturais, quase nada oferecem aos visitantes. Inúmeros parques brasileiros não dispõem de portaria, centro de visitantes ou infraestruturas básicas. São áreas tão hostis ao turismo quanto acolhedoras a madeireiros, palmiteiros, caçadores e pescadores ilegais. São monumentos ao primitivismo ideológico de fundamentalistas do ICMBio que contrapõem, genericamente, a visitação pública à preservação ambiental.

Bolsonaro e seu ministro do Turismo, triste figura cravada num laranjal, não enxergam nenhum problema nisso. Eles pretendem apenas demolir os raros parques que funcionam tão bem como seus similares nos EUA ou na África do Sul.

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