terça-feira, 23 de julho de 2019

Filipe Lage de Sousa*: Quem dá emprego?

- Valor Econômico

Políticas horizontais, como melhoria do acesso ao crédito e simplificação tributária, têm efeitos positivos no setor privado

Segundo os dados da última pesquisa do IBGE, há atualmente 13 milhões de desempregados no Brasil. Diante desse cenário, todos se perguntam que empresas poderiam oferecer emprego a essas pessoas? Grande parte dos economistas listaria o setor de serviços e/ou o segmento de MPMEs como os principais grupos do setor privado capazes de absorver esse contingente de desempregados, já que concentram a maior parte dos empregos formais. No entanto, esses grupos são formados a partir de uma fotografia da empresa ao longo da sua existência, seja pela atividade ou pelo seu tamanho. Recentemente, a disponibilidade de séries históricas de dados das empresas tornou possível analisar a sua dinâmica ao longo do tempo e, assim, identificar aquelas que apresentaram aumento na contratação de trabalhadores.

Publicado este ano pelo Banco Mundial, o livro "Empresas de Crescimento Rápido (ECR): Fatos, Mitos e Opções de Política para Países Emergentes" 1 aborda a dinâmica de empresas de onze países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. A publicação busca analisar o comportamento de firmas que obtiveram um crescimento diferenciado, bem como investigar como elas contribuíram para o desenvolvimento econômico. De uma forma geral, ECRs são definidas como empresas que alcançaram um crescimento de ao menos 20% a.a. em três anos consecutivos, partindo de um número de pelo menos dez empregados.

As ECRs representam em geral uma parcela pequena do total de empresas em uma economia. Nos EUA, Reino Unido e Espanha, elas correspondem a 6% do total de companhias. Já nos países em desenvolvimento, esse grupo de empresas costuma ser um pouco mais representativo (ver gráfico).

A participação delas nos países emergentes é, em média, mais que o dobro daquela encontrada em países desenvolvidos. Contudo, há também uma heterogeneidade significativa entre os países emergentes, com o percentual de ECRs variando de 4% no México até 21% na Turquia. No caso do Brasil, uma em cada cinco empresas brasileiras é classificada como ECR.

Cabe perguntar se, quando detém uma participação minoritária, as ECRs conseguem também contribuir substancialmente para o crescimento da economia? As evidências indicam que sim, já que a contribuição delas para a criação de postos de trabalho nos países selecionados é de cerca de 60% na média e o Brasil não foge à regra. Em outras palavras, essas empresas tem um papel substancial para o crescimento do emprego, pois empregam três de cada cinco novos trabalhadores na economia.

Quando se menciona o conceito de ECR, a primeira ideia que vem à cabeça são start-ups focadas no desenvolvimento de produtos e serviços intensivos em tecnologia, tais como foram Microsoft, Apple e Facebook em seu início, por exemplo. Entretanto, a análise não apenas da publicação do Banco Mundial como também de diversos outros artigos acadêmicos sobre o tema mostra que essa visão não corresponde à realidade dos fatos. O livro traz algumas considerações sobre esses mitos e fatos das ECRs.

Em primeiro lugar, as ECRs realmente costumam ser mais jovens que a média das empresas em uma economia, porém a grande maioria delas leva um tempo razoável no mercado até iniciar uma trajetória de crescimento acelerado. Elas também não são necessariamente pequenas: muitas já possuem um tamanho razoável, em alguns casos superando o tamanho médio da economia, quando começam a se comportar como ECRs. Outra constatação é que não há um padrão setorial para esse grupo de empresas nos países analisados, desfazendo a percepção de que são mais comuns nos setores de alta tecnologia. Por último, elas operam em regiões completamente heterogêneas, muito embora a proximidade com infraestrutura tenha um papel relevante para seu alto desempenho.

O estudo mostra ainda que crescer vertiginosamente por um período não garante um bom desempenho futuro. Uma evidência encontrada é que 50% das ECRs tendem a sair do mercado entre três e seis anos depois de atingir seu melhor desempenho e apenas 15% delas conseguem manter a velocidade de crescimento. Vale esclarecer que essa "saída" do mercado pode ocorrer tanto pela falência e o encerramento das atividades da empresa, como por sua incorporação por outra companhia. Incorporações e fusões fazem parte do ambiente de negócios. De toda forma, políticas públicas direcionadas para apoiar ECRs não parecem ser nem adequadas e muito menos aconselháveis.

O que fazer, então? Não é de hoje que governos procuram adotar políticas públicas para incentivar o setor privado e promover um crescimento acelerado de empresas como as ECRs, gerando empregos e desenvolvimento. A publicação do Banco Mundial traz diversas propostas que dão conta desse problema, com foco em políticas horizontais como melhoria do acesso ao crédito ou simplificação tributária. Há evidências de que, no caso do Brasil, esse tipo de política também produz efeitos positivos no setor privado, a exemplo dos resultados obtidos pela Lei de Falências e o Simples.

A análise da dinâmica das empresas mostra que as ECRs serão essenciais para a recuperação dos empregos na economia brasileira. Muito embora a reforma da Previdência seja vital para o controle dos gastos públicos e, consequentemente, para o crescimento do PIB, sabemos que ela não será uma "bala de prata" capaz de dinamizar a economia brasileira de uma hora para outra. O atual governo sabe disso e entende, corretamente, que o setor privado é a mola mestre da geração de valor em qualquer economia. A equipe econômica desse governo é altamente técnica e ciente dos erros do passado. Portanto, dos 13 milhões de brasileiros ainda fora do mercado de trabalho, a maior parte acabará sendo empregada por essas empresas dinâmicas, que necessitarão das reformas microeconômicas para deslancharem.

1. Goswami, Arti;, Denis; Medvedev, and Ellen Olafsen. 2019. High-Growth Firms: Facts, Fiction, and Policy Options for Emerging Economies. World Bank

*Filipe Lage de Sousa é professor de Economia da UFF, PhD pela London School of Economics e economista do Departamento de Pesquisa do BNDES

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