quinta-feira, 4 de julho de 2019

Luiz Carlos Azedo: Primeiro os teus!

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Bolsonaro não suportou as pressões de sua própria base eleitoral, depois de ser chamado de traidor por policiais na Esplanada e, principalmente, ter recebido vaias de torcedores no Mineirão”

A expressão “Mateus, primeiro os teus” tem origem bíblica, mas é uma derivação popular, segundo o mestre Luís Câmara Cascudo, muito citada por causa da rima. Não tem muito a ver com o texto original dos conselhos de Jesus ao discípulo, que era cobrador de impostos em Cafarnaum, na Judeia. Pelo fato de ser judeu e servir aos romanos, Mateus sofria muita hostilidade. A passagem da Bíblia é a seguinte: “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás ver com clareza para tirar o cisco do olho de teu irmão”.

A citação vem ao caso por causa da interferência do presidente Jair Bolsonaro na apresentação do relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) sobre a reforma da Previdência, lido ontem na comissão especial da Câmara. Na manhã de ontem, o presidente da República despachou o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, para uma reunião na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com objetivo de incluir na reforma certas “percepções” sobre as reivindicações de policiais civis e militares e outros segmentos da área de segurança pública.

Bolsonaro não suportou as pressões de sua própria base eleitoral, depois de ser chamado de traidor por policiais que se manifestaram na Esplanada dos Ministérios na terça-feira e, principalmente, ter recebido vaias de torcedores no Mineirão, ao testar mais uma vez a popularidade num jogo da Seleção Brasileira. Foi o bastante para o presidente da República sugerir mudanças no texto que seria apresentado pelo relator, cujo verdadeiro teor, porém, não foi revelado pelo porta-voz da Presidência, general Rego Barros, na coletiva na qual explicou a posição do governo, ou melhor, “percepções”, no final da tarde, no Palácio do Planalto.

O governo também aproveitou a reunião de líderes para negociar a liberação de emendas parlamentares, demanda dos deputados para votar a reforma. Por mais que se diga que não, é uma espécie de toma lá dá cá: o governo libera verbas para as bancadas e Bolsonaro negocia mudanças no relatório de Samuel Moreira para evitar que sua base se volte contra o governo. A terceira versão do relatório deve excluir qualquer medida que possa atingir estados e municípios, como a que permitiria o aumento da contribuição previdenciária de servidores pelos governadores e prefeitos.

Com isso, a aprovação do relatório da Previdência antes do recesso subiu no telhado. Hoje, haverá nova tentativa de concluir a aprovação do texto na comissão especial. Será preciso muito esforço dos líderes da Casa e do próprio governo para que isso ocorra. Voltando ao texto bíblico, como no dito popular de viés egoísta, Bolsonaro quer proteger sua base eleitoral na área de segurança pública, que pleiteia tratamento privilegiado, como tiveram os militares das Forças Armadas. Com apoio de Maia, o relator não flexiblizou as regras propostas para os policiais, que já têm regime especial. Se houver mudança, será em plenário.

A analogia com a versão original vale mais para os deputados, porque o cisco no olho é a inclusão do aumento das contribuições previdenciárias de estados e municípios na reforma, como queriam os governadores. Os deputados federais querem dividir a conta da reforma da Previdência com governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores. Não querem queimar o filme com servidores estaduais e municipais, que poderiam dar o troco nas próximas eleições, votando contra a reeleição dos deputados federais que aprovassem a reforma e elegendo deputados estaduais e prefeitos para as vagas na Câmara. Citam, como exemplo, o que aconteceu em relação à reforma trabalhista nas eleições passadas.

Convocação
A Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados ontem decidiu convocar o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, para dar esclarecimentos sobre a política de preços de óleo diesel e o Cartão Caminhoneiro, criado em maio passado para estabilizar o preço do combustível por períodos de 30 dias. Assim como o pessoal da área de segurança, os caminhoneiros fazem parte da base mais aguerrida de Bolsonaro.

Em outras comissões, mais cinco ministros foram convidados a comparecer à Câmara, o que não representa um gesto de hostilidade, como a convocação: Tereza Cristina (Agricultura); Luiz Henrique Mandetta (Saúde); Augusto Heleno (Segurança Institucional); Fernando Azevedo (Defesa); e Abraham Weintraub (Educação).

Tereza Cristina e Mandetta foram convidados para falar na Comissão de Defesa do Consumidor sobre a liberação de 42 novos agrotóxicos neste ano. A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional convidou os generais Augusto Heleno e Fernando Azevedo e Silva para prestar esclarecimentos sobre a apreensão de 39 quilos de cocaína em um avião presidencial da Força Aérea Brasileira (FAB), na semana passada. Abraham Weintraub vai à Comissão de Trabalho, de Administração e de Serviço Público supostamente por ferir o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal.

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