domingo, 21 de julho de 2019

Merval Pereira: As lições da consolidação da democracia

- O Globo

Em tempos de democracia relativa e radicalização de posições políticas faz bem à saúde institucional do país a publicação de um livro como “Transições democráticas — Ensinamentos dos líderes políticos”

Em tempos de democracia relativa e radicalização de posições políticas, faz bem à saúde institucional do país a publicação de um livro como “Transições democráticas —Ensinamentos dos líderes políticos”, seleção de entrevistas e análises de nove dirigentes de seis países, responsáveis pela consolidação da democracia em lugares chave na geopolítica internacional como Brasil, Chile, México, Polônia, Espanha e África do Sul.

O livro originalmente foi publicado em inglês pela International IDEA, instituição sediada na Suécia dedicada ao fortalecimento da democracia. A edição em português, da editora Contexto, teve o apoio da Fundação Fernando Henrique Cardoso. Os autores, Abraham F. Lowenthal, professor emérito de Relações Internacionais da Universidade do Sul da Califórnia, e Sérgio Bittar, economista e político chileno, identificaram qualidades comuns nesses líderes políticos que enfrentaram ambientes hostis diversos para consolidar a democracia.

Desde a preferência natural pela transformação “pacífica e gradual”, em vez de violenta e convulsiva, até a capacidade de articular acordos, inclusive com organizações da sociedade, além de partidos políticos, e não apenas os seus aliados. Alguns arriscaram a própria vida, todos revelaram enorme persistência diante dos problemas, e muitos, embora de caráter reflexivo e analítico, não hesitaram em tomar medidas no momento certo.

Os autores ressaltam que a maioria cercou-se de aliados que, além de competentes, tinham valores políticos semelhantes e ajudaram na formação de consensos e construção de pontes políticas, inclusive com a oposição, quando possível. O livro ressalta a importância das lideranças políticas para a consolidação da democracia em diversos contextos históricos: De Klerk, da África do Sul; e Ernesto Zedillo, do México, são identificados como figuras-chave de regimes autoritários que ajudaram por dentro a transformá-los em democracias.

Patricio Alwyn, do Chile; Fernando Henrique Cardoso, do Brasil; Felipe Gonzalez, da Espanha; Ricardo Lagos, do Chile; Tadeusz Mazowiecki, da Polônia; e Thabo Mbecki, da África do Sul, todos foram figuras de destaque na oposição em seus países, e depois ajudaram na travessia para consolidar a democracia.

Já Aleksander Kwasniewski, primeiro-ministro da Polônia, é identificado pelos autores como a ponte entre a autocracia e a democracia. Como se estivessem antevendo o que acontece no Brasil nos dias de hoje, os autores chamam a atenção para o fato de que as manifestações de rua contra a corrupção, ou a favor de séricos públicos mais eficientes, podem ser forças importantes para a realização de reformas, mas também contribuir para aumentar a polarização.

Uma preocupação especial do livro é fornecer informações que possam ser utilizadas para o fortalecimento democrático através de construção de acordos políticos, característica principal de cada um dos enredos analisados.

No balanço final do livro, Lowenthal e Bitar ressaltam que, mesmo com o surgimento de novas tecnologias, “os imperativos da expressão e da ação política são muito mais permanentes”. Para eles, as prioridades continuam sendo mobilizar as pessoas em defesa da liberdade política, criar espaços de diálogo e garantir às forças rivais que seus interesses serão protegidos.

E os principais desafios, proteger a ordem cívica e os direitos humanos individuais e assegurar o controle civil das forças militares.

O cientista político Sérgio Fausto, superintendente da Fundação Fernando Henrique Cardoso, na apresentação à edição brasileira – houve outra, em espanhol –, ressalta que as experiências narradas no livro servem para demonstrar também a importância dos líderes políticos para preservar a democracia de novas formas de autoritarismo.

Para ele, as lições de sucesso da transição do autoritarismo para a democracia servem também para evitar regressões da democracia para o autoritarismo.

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