domingo, 7 de julho de 2019

Morre João Gilberto, pai da bossa nova e lenda da música brasileira, aos 88 anos

Artista baiano redefiniu a música brasileira com batida revolucionária de seu violão

- O Globo

RIO - Responsável por uma revolução na maneira de cantar e tocar violão que mudou tudo na música brasileira, João Gilberto morreu neste sábado, 6, aos 88 anos. A causa da morte ainda não foi divulgada. Ele deixa três filhos, João Marcelo, Bebel e Luisa.

Nos últimos dez anos, aquele João Gilberto ícone da bossa nova foi aos poucos perdendo espaço para um personagem complexo. A decadência física, as questões de família, os problemas de dinheiro, os contratos mal feitos, enfim, um conjunto de episódios graves acabou soando mais alto do que o talento de um artista tão grande.

Grande e único. Graças a ele, a bossa nova se consolidou e a música brasileira teve portas abertas para conquistar seu lugar no mundo. A brilhante geração de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque não teria ido tão longe se não fosse a inspiração de "Chega de saudade", disco que João lançou em 1958.


São muitos os capítulos desta história. Primeiro, o do adolescente que cantava coisas do rádio no alto-falante da Praça da Matriz de sua cidade, Juazeiro (BA). Depois, o jovem que foi para Salvador sonhando em se profissionalizar.

Em seguida, a ida para o Rio como crooner do grupo vocal Garotos da Lua. Não deu certo. Demitido por faltar aos compromissos, ele tentou outros caminhos, gravou um disco que não aconteceu, chegou a participar de show de Carlos Machado, passou por maus pedaços no Rio, sem casa, sem trabalho, sem perspectiva. O cantor dessa fase é fã de Orlando Silva, tenta cantar como ele, mas fracassa.

De 1955 a 1957, não se ouviu mais falar em João Gilberto no Rio que o rejeitara. São os dois anos que ele passa em Porto Alegre, Diamantina e, por menos tempo, na casa dos pais em Juazeiro. Quando volta ao Rio, é outro homem, outro artista.

Consta que, durante ao seis meses em que morou com a irmã na cidade mineira, não saiu de casa, pouco falou, dia e noite abraçado ao violão em busca de ritmos e harmonias que acabariam dando forma definitiva a um estilo que logo seria visto por outros músicos como novo, quando não revolucionário. Novo estilo, nova bossa, bossa nova.

Embora muitos fatos relacionados a João Gilberto fossem criados, como se sua vida tivesse de ser tão extraordinária quanto sua arte, a transformação que ocorreu nos seis meses em Diamantina realmente aconteceram, num estranho processo de reinvenção difícil de explicar. Como terá chegado àquela batida de violão?

Por que mudou tão radicalmente o timbre de voz? E onde foi buscar a emissão, a divisão, a precisão, o jeito de cantar, de início aparentemente transgressor, mas, na realidade, preciso, adequado a todo tipo de canção, brasileira ou não? E de que forma voz e violão se integraram como uma coisa só, feitos um para o outro.

O fato é que o João Gilberto que volta ao Rio em 1957 vai, como diria Tom Jobim, influenciar “toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores”. Aos 26 anos. Criou assim a bossa nova, fez seguidores, ficou famoso. Cultuado no Brasil e admirado no mundo inteiro, gravou discos aqui e nos Estados Unidos, excursionou à Europa, apresentou-se em festivais, foi aplaudido no México e no Canadá, na Alemanha e no Japão.

Com esporádica passagens pelo Brasil, João Gilberto fez de Nova York o seu pouso. Em 1979, volta em definitivo. A partir de então e até 2008, ano de seu último show, cada subida ao palco é um acontecimento. Ou quando acontece, sempre com lotação esgotada, ou quando não, como o do Canecão (em 1979), cancelado por problemas de som que só o preciosismo de seus ouvidos detectou.

Cancelou também um show no Municipal, em 2011, pelo qual seu produtor seria condenado a devolver mais de R$ 500 mil ao teatro. Cancelou ainda, por problemas de saúde, a excursão comemorativa de seus 80 anos.

A maioria de seus últimos shows no Brasil deu-se em seu formato preferido: ele sozinho, terno e gravata, banquinho e violão. Sua relação com a plateia tinha de ser mutuamente respeitosa. Em várias ocasiões, zangado ou com um simples “psiu”, obrigou o público a fazer silêncio para ouvi-lo.

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