sábado, 27 de julho de 2019

Ricardo Della Coletta: O Itamaraty de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Só têm sentido políticas de Ernesto Araújo por ele não distinguir Estado e governo

Ernesto Araújo gosta de recorrer a uma ideia para explicar as mudanças pouco ortodoxas que vem implementando no Itamaraty. A de que os diplomatas viveram por anos a ilusão de que serviam mais ao Estado e menos ao governo da vez.

O chanceler já deixou claro que para ele só existe uma das duas coisas.

“Surgiu esse conceito totalmente pernicioso de políticas de Estado, que tenho ouvido —‘isso aqui não pode mudar, isso aqui é uma política de estado’. Isso não existe. Todas as políticas são de Estado, e o Estado se relaciona com a sociedade por meio do governo”, disse Araújo em março.

Essa declaração e as ações do ministro mostram que o seu projeto vai muito além do mero alinhamento aos EUA ou a Israel. Araújo quer moldar um Itamaraty à imagem e semelhança do bolsonarismo.

E ele tem cumprido à risca a agenda do seu chefe, ao promover verdadeira revolução conservadora nas diretrizes da política externa brasileira.

Em pouco mais de seis meses no cargo, o chanceler alinhou o Brasil ao que há de mais atrasado nos fóruns internacionais em relação a direitos sexuais e reprodutivos.

Pouco importa a tradição que o Estado brasileiro, através dos seus diplomatas, construiu nesses assuntos ao longo das últimas duas décadas.

E há a obsessão da chancelaria em tentar incluir em documentos oficiais críticas ao chamado Foro de São Paulo —organização de forças de esquerda no continente que nem de longe tem a força alardeada pelos seguidores de Olavo de Carvalho.

Nesse contexto de um governo que sempre se sobrepõe ao estado, não surpreende a indicação de Eduardo Bolsonaro para o principal posto da diplomacia brasileira no exterior.

Para um Itamaraty bolsonarista, nada melhor do que um Bolsonaro embaixador. A indicação do filho 03 causa calafrios pelo nepotismo, pela inexperiência ou pela frase do “já fritei hambúrguer lá nos EUA, no frio do Maine”. Mas faz todo o sentido na administração que não está preocupada em distinguir Estado e governo.

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