sábado, 10 de agosto de 2019

Adriana Fernandes: Coaf sob nova direção

- O Estado de S.Paulo

Com a troca de comando, governo espera que conselho saia dos holofotes

A transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central vai implicar na saída do auditor da Receita Federal Roberto Leonel Oliveira Lima da presidência do órgão.

Não há ainda nenhum nome acertado para assumir o comando do órgão, que vai se transformar em uma unidade de inteligência financeira do BC com boa parte dos funcionários do próprio banco.

A troca de comando faz parte da solução técnica que o ministro da Economia, Paulo Guedes, busca costurar para o conflito político de Poderes em torno do trabalho de investigação do órgão.

Sob o teto do BC, uma autarquia essencialmente de caráter técnico, o que se espera é que o conflito diminua sem as suspeitas e ataques de todos os lados envolvidos na disputa e sem a desconfiança de que o Coaf estaria atuando em favor de grupos específicos.

O desenho acertado entre Guedes, o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, é o de uma “blindagem” técnica via o projeto de independência do BC, que está em tramitação do Congresso.

Uma medida provisória será editada nos próximos dias para a migração do Coaf para o BC. No projeto de independência, será dado um passo mais amplo dessa mudança e reformulação do órgão de controle.

Foi o próprio presidente Jair Bolsonaro que antecipou ontem a narrativa que foi construída para a mudança. “O que pretendemos é tirar o Coaf do jogo político. Tudo onde tem política, mesmo bem intencionado, sofre pressão”, avisou o presidente.

A questão interessa diretamente a ele, desde que o Estado revelou relatório do Coaf apontando movimentações financeiras atípicas de mais de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor do filho do presidente, Flávio Bolsonaro.

As conversas para o acerto entre os ministros Guedes e Moro procuraram diminuir a temperatura da crise de Poderes que chegou ao ápice nesta semana.

A crise já tinha se agravado depois que Roberto Leonel ,em entrevista ao repórter Breno Pires do Estado, afirmou que o sistema de combate à lavagem de dinheiro no País estava comprometido. Foi uma reação dele à decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, de mandar parar investigações que se apoiem em informações bancárias e fiscais compartilhadas por órgãos de controle. Leonel disse à reportagem que havia impacto concreto no trabalho do Coaf.

Ao criticar abertamente o STF, Leonel – ex-chefe da área de investigação da Receita Federal em Curitiba e cérebro do órgão na atuação na Operação Lato – ficou ainda mais exposto à fritura pública. Sua saída do comando do órgão, responsável pela prevenção e lavagem de dinheiro, virou carta marcada na Esplanada dos Ministérios.

O cerco ficou insustentável depois de o STF afastar dois auditores fiscais e suspender os processos autuados contra um grupo de 133 autoridades dos Três Poderes, cônjuges e dependentes. A decisão foi tomada no âmbito de um inquérito sigiloso de relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Em outra frente, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou o repasse das matrículas dos auditores que tiveram acesso a dados fiscais das autoridades nos últimos cinco anos. Em mais um episódio da crise, a alta administração da Receita, à revelia do secretário Marcos Cintra, se uniu e publicou uma carta aberta contra a decisão do STF.

Os movimentos do Supremo e do TCU causaram revolta entre os servidores da Receita e são vistos como uma tentativa de barrar investigações do órgão que tem levado a descobertas envolvendo autoridades públicas. Eles enxergam uma ofensiva desde a revelação do Estado de que a Receita criara um grupo especial para investigar agentes públicos, entre eles ministros do próprio Supremo.

Sob nova direção, o que o governo espera é que o Coaf saia dos holofotes. O que continua no radar e em plena fermentação é a crise da Receita Federal. Essa, sim, ainda mais grave e perigosa do que qualquer outra.

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