quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Bruno Boghossian || As fantasias de Nero

- Folha de S. Paulo

Com fantasia sobre queimadas, presidente inventa vilões para fugir de obrigações

A insinuação feita por Jair Bolsonaro de que ONGs teriam provocado queimadas na Amazônia para desgastar seu governo completa mais uma linha no seu bingo do absurdo. A declaração é uma tentativa banal de desvirtuar o debate sobre a devastação das florestas. Com ela, o governo confirma sua indiferença absoluta pelo meio ambiente.

O presidente trava uma guerra fútil com organizações internacionais que atuam no país. Bolsonaro acha que ganhou terreno, mas o Brasil só perdeu até aqui. Ficou sem os R$ 288 milhões que seriam repassados por Alemanha e Noruega para o Fundo Amazônia e viu o país perder credibilidade por suspeita de manipulação de dados do desmatamento.

Agora, o presidente reproduz uma teoria da conspiração que começou a circular há alguns dias nas redes sociais. "Pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ongueiros para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil", afirmou, nesta quarta-feira (21).

A notícia boa é que Bolsonaro reconheceu que as queimadas existem. Como seria impossível ignorar a fumaça no céu, ele não ousou repetir a tática de negar a realidade, como fez quando os dados oficiais tabulados pelo Inpe mostraram aumento na devastação de áreas verdes.

O lado desastroso é que o presidente insiste em inventar vilões para fugir de suas obrigações. Além das ONGs, ele também acusou governadores de serem coniventes "com o que está acontecendo", só para prejudicá-lo. Seria melhor tratar essa mania de perseguição no divã, não na cadeira presidencial.

Bolsonaro até disse que vai "fazer o possível e o impossível" para conter os incêndios, mas fez piada: "Eu era o capitão motosserra, agora sou o Nero, tocando fogo na Amazônia".

Os números apontam para um avanço nas queimadas em agosto, embora outros meses tenham seguido ritmos anteriores. O presidente ganharia mais se demonstrasse preocupação, em vez de instalar o desdém como política ambiental.

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