segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Bruno Carazza*: Viciado em likes

- Valor Econômico

Bolsonaro radicaliza de olho nas redes sociais

Smartfones e redes sociais mudaram tanto a nossa vida, e devotamos tanto tempo nos relacionando virtualmente, que hoje se fala em "economia da atenção": o desenvolvimento de novas estratégias tecnológicas, comerciais e políticas para fisgar nosso interesse enquanto deslizamos nossos dedos pelas telas de nossos celulares.

Bolsonaro entrou na disputa eleitoral do ano passado muito bem posicionado nas redes sociais. Em janeiro de 2018 ele possuía 5 milhões de seguidores no Facebook, 800 mil no Instagram e 850 mil no Twitter, além de 400 mil inscritos em seu canal no Youtube em cada plataforma, ele possuía mais audiência do que a soma dos seus principais oponentes (Marina, Alckmin, Haddad e Ciro).

Apesar de ter partido de um patamar superior, o uso massivo das redes sociais pelo então candidato do PSL só se intensificou com a largada oficial para a propaganda eleitoral, há exatamente um ano. Até aquela data, o perfil de Bolsonaro no Twitter fazia em média 3 publicações por dia, alcançado em torno de 20 mil interações (curtidas, respostas e retweets). Daí até o segundo turno, em 27/10, o ritmo de postagens subiu para 8,3 diárias (com um pico de 22 em 18/10) e a repercussão ultrapassa 200 mil por dia (tendo superado 530 mil likes, retweets e replies no dia da vitória).

Existem vários fatores que explicam esse crescimento avassalador de Bolsonaro nas mídias digitais, a começar pela exposição alcançada ao assumir a liderança nas pesquisas. Não podemos também descartar o impacto do atentado sofrido em Juiz de Fora - no dia da facada seu perfil bateu o recorde de interações até então, inaugurando uma sequência de maior impacto nas redes. Por fim, não sabemos o quanto desse sucesso se deve ao impulsionamento patrocinado de conteúdos ou ao uso de robôs e perfis falsos.

Às vésperas da posse, os perfis de Bolsonaro nas redes sociais haviam multiplicado seu tamanho: quase 10 milhões de seguidores no Facebook, 8,5 milhões no Instagram, em torno de 3 milhões de tuiteiros e mais de 2 milhões de inscritos no seu canal de vídeos no Youtube.


Toda pessoa que participa das redes sociais sofre, em alguma medida, os efeitos de sua lógica viciante. Apesar de não possuírem um princípio ativo que influencia nosso estado psíquico, como as drogas ou as bebidas alcoólicas, esses tipos de aplicativos provocam ansiedade, compulsão e um comportamento recorrente que termina por afetar as demais atividades cotidianas.

As redes sociais prendem a atenção do usuário seguindo a mesma estratégia dos cassinos. Ao postarmos qualquer conteúdo - de fotos dos filhos a tuítes politizados - imediatamente começamos a monitorar o número de curtidas. Essa combinação de baixo custo de produção, recompensa instantânea e quantificação do resultado aciona as mesmas áreas do nosso cérebro do que um jogador puxando a alavanca de uma máquina de caça-níqueis. Não importa o resultado, somos incentivados a repetir a aposta: somos movidos pelos efeitos da dopamina sobre nossos neurônios. (Dica da semana: episódio "Are Smartfones Ruining our Lives?", do podcast Crazy/Genius, da revista "The Atlantic").

Se esses efeitos são vivenciados diariamente por boa parte da população mundial, imagine seu impacto sobre a mente do político, um profissional que vive da sua popularidade.

Passado o frenesi da campanha e a euforia da vitória, houve um refluxo natural no desempenho de Bolsonaro nas redes sociais. Desde a posse, porém, o presidente e sua equipe têm se esforçado para manter o ritmo de publicações. Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro mantém uma média de seis posts diários no Twitter, próxima à publicação no calor da disputa eleitoral.

Analisando seu perfil no Twitter, fica nítida sua estratégia de manter a fidelidade do eleitor, com um mix de propaganda dos projetos de sua administração, culto à sua própria personalidade, cenas cotidianas e discursos político-ideológicos contra adversários. Chama a atenção o fato de que o ministro mais citado nas publicações de Bolsonaro não é Paulo Guedes ou Sergio Moro: seu queridinho nas redes sociais é Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura. Populista por natureza, Bolsonaro quer mostrar que sua gestão está tocando obras Brasil afora, como Lula fez com Dilma, a mãe do PAC.

Apesar de manter um ótimo alcance de seus posts (308 mil interações por dia), o desempenho de Bolsonaro nas redes sociais está se acomodando com o passar do tempo. Entre o final de maio e o início de julho observou-se uma inflexão no número de curtidas e retweets de seus posts. Olhando para o Instagram, nesse mesmo período identifica-se também um arrefecimento na quantidade de novos seguidores conquistados, de uma média diária de 120 mil na primeira semana após a eleição, para 80 mil em seguida à posse e chegando a "apenas" 7.500 novos adeptos por dia entre abril e junho.

Olhando friamente os números, Bolsonaro continua sendo um fenômeno das redes sociais. Com o debate político migrando para as plataformas digitais, seu comportamento há muito vem sendo influenciado pela lógica e pelas métricas dessa nova realidade. Assim, esse esfriamento na audiência de Bolsonaro pode ser uma das causas para a radicalização e o tsunami de polêmicas das últimas semanas.

Se foi coincidência ou de caso pensado, o fato é que entre meados de julho e a primeira semana de agosto Bolsonaro voltou a "bombar" nas redes, com o crescimento das visualizações e a adição de 1,3 milhões novos seguidores no Instagram. Viciado em likes e dependente de votos, Bolsonaro vai continuar "causando" até 2022.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de "Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro".

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