segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Celso Rocha de Barros*: Bolsonaro radicaliza

- Folha de S. Paulo

A boa notícia é que, conforme o bolsonarismo acelera a degradação moral, aliados de peso vão abandonando o Planalto

A coluna da última semana sobre a escalada autoritária bolsonarista ficou desatualizada rápido.

No mesmo dia em que foi publicada, Bolsonaro mentiu sobre a mortedo pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. O presidente da República disse saber que o guerrilheiro Fernando Santa Cruz foi executado por membros da guerrilha, o que é falso: os documentos da Aeronáutica provam que ele morreu no berço bolsonarista, os porões da ditadura.

A semana que começou com essa demonstração do que é o caráter do presidente da República terminou com seus apoiadores executando uma ação coordenada nas redes sociais para ofender a mãe do jornalista Glenn Greenwald, que tem câncer em estado avançado.

O iniciador do ataque foi um elemento que a ministra Damares Alves já recomendou em suas redes sociais como um profissional muito ético.

O que isso mostra é que o autoritarismo bolsonarista não é só repúdio às liberdades civis brasileiras, é um problema de saúde pública moral.

Mostra o que seria uma ditadura Bolsonaro: não seríamos apenas impedidos de votar ou de nos expressar livremente. O ditador Bolsonaro constantemente ofereceria a seus seguidores espetáculos de violência, prometeria impunidade ao cidadão comum que atacasse opositores. E, acredite, haveria gente que o apoiaria por isso.

Ao mesmo tempo em que intensificava os ataques contra a liberdade, Bolsonaro acelerava os expurgos na máquina pública.

O presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Ricardo Galvão, foi demitido por se recusar a mentir em defesa do governo. Os dados coletados pelo Inpe mostraram uma aceleração grande do desmatamento na Amazônia desde que Bolsonaro tomou posse. O presidente da República mentiu que os dados estavam errados. Galvão respondeu com altivez, com competência, e foi demitido, porque no governo Bolsonaro não se admite nenhuma das duas coisas.

O próximo alvo é Roberto Leonel, a quem Moro deu a presidência do Coaf. Bolsonaro pediu a Guedes sua demissão porque Leonel criticou a decisão de Toffoli que livrou Flávio Bolsonaro.

Se você tinha alguma dúvida de que a decisão era obra de Bolsonaro, não de Toffoli, aí está.

A deputada estadual Janaina Paschoal, é claro, entrou com pedido de impeachment de Toffoli. Impeachment errado, deputada. De novo.

A boa notícia é que, conforme o bolsonarismo acelera a degradação moral —e, repito, se não fosse assim teria cometido estelionato eleitoral, a campanha foi toda dizendo que faria isso— aliados de peso vão abandonando o Planalto.

O governador de São Paulo, João Doria, criticou duramente a declaração contra Felipe Santa Cruz, e procura se reposicionar ao centro. É provável que os governadores tucanos, como o gaúcho Eduardo Leite, se lembrem de como Bolsonaro tentou erradicá-los no segundo turno de 2018.

Mas até o governador do Rio, Wilson Witzel, está em dúvida se vale a pena apoiar para prefeito da capital o extremista Rodrigo Amorim, um dos que rasgaram a placa da Marielle, homem próximo a Flávio Bolsonaro e Queiroz.

Aos poucos, o bolsonarismo vai se tornando um nicho, que o presidente luta para que se mantenha do tamanho atual, de cerca de 30% do eleitorado. Pode dar certo. Mas, pelo que eu me lembro, 30% foi só depois da facada.

*Celso Rocha de Barros, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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