sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Claudia Safatle || Governo quer versão 4.0 do BNDES dos anos 90

- Valor Econômico

BNDESPar será preservado para reciclar crédito ruim

Com R$ 400 bilhões em ativos, R$ 160 bilhões em caixa e apenas R$ 25 bilhões em desembolsos no primeiro semestre, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai se adaptando aos novos tempos. "O que estamos fazendo é a versão 4.0 do que o banco era nos anos de 1990", definiu o presidente da instituição, Gustavo Montezano, ao Valor.

Ele tem uma missão que considera, porém, o seu maior desafio, que é abrir a comunicação do BNDES com a sociedade. Para Montezano, expor a "caixa-preta" é basicamente abrir as informações do banco. "Onde o BNDES mais tem que se desenvolver é na comunicação", apontou. "Por que ele não divulgou as informações [sobre os contratos feitos no governo do PT]? Por que ficou esperando que viesse um jornalista ou um político perguntar?", indagou.

O BNDES tem que ser o protagonista das informações sobre o que sucede ali, disse o novo presidente da instituição. Como um banco de serviços, ele será o banco de investimento do Estado, que requer credibilidade e boa reputação. Ele precisa estar próximo dos seus clientes e tem que circular pelos vários mercados, descreveu. "O BNDES era assim nos anos de 1990", sublinhou.

A migração de uma instituição provedora de crédito para um banco de serviços é tarefa mais simples e está em rápido curso. Dificilmente o BNDES conseguirá desembolsar neste ano os R$ 70 bilhões orçados. Os financiamentos devem ficar mais perto de R$ 60 bilhões.

"Não há demanda", atesta o executivo. Ele não dispõe de indicadores que apontem para uma melhora do desempenho dos investimentos no país. "O que tenho é conversados com os empresários e coletado a expectativa de maior demanda por crédito para 2020."

A "caixa-preta" foi enviada aos órgãos de controle. Os canais de informação com o Tribunal de Contas da União (TCU), a Polícia Federal e o Ministério Público estão abertos. Mais do que repassar papéis, é importante conseguir interpretar o que está nos contratos, que, segundo Montezano, trazem uma complexa sopa de letrinhas e instrumentos financeiros sofisticados.

"Queremos ter o registro histórico do que ocorreu em uma linguagem que qualquer cidadão consiga compreender", disse. "A política econômica [no governo do PT] foi um fracasso, e o BNDES foi um pilar fundamental nisso", disse. Segundo ele, tem o aspecto litigioso, cujos processos correm na Justiça e ali serão julgados se houve algum tipo de dolo em alguma operação. E tem o aspecto histórico, que, salientou, precisa ser desvendado e registrado. "Onde foi que nós erramos? Onde foi que metemos os pés pelas mãos?" são perguntas para as quais quer respostas.

A nova direção do banco pretende deixar essas informações como um "marco histórico" para as futuras gerações.

Nos planos de Montezano não cabe o fechamento do BNDESPar, que cuida das participações acionárias do banco. Ao contrário, ele considera relevante ter um braço acionário que possa reciclar eventuais créditos problemáticos. Em segundo lugar, pode-se ter necessidade de antecipar algum dinheiro para governadores e prefeitos e isso seria feito mediante a compra de participações em empresas estaduais.

O que não permanecerá é a baixa transitoriedade dessas participações que hoje somam R$ 110 bilhões, concentradas praticamente em cinco empresas (Petrobras, Vale, JBS, Eletrobras e Suzano).

Não faz sentido mesmo empatar R$ 50 bilhões em ações da Petrobras e ter somente R$ 16 bilhões em financiamentos para saneamento básico, embora não haja uma relação direta de causalidade. O maior entrave ao investimento em saneamento é político, e não financeiro.

O banco que Montezano pretende desenvolver não vai ser um captador de recursos mediante, por exemplo, emissão de bônus no exterior. Sobra dinheiro no mundo, em que há US$ 15 trilhões em busca de rentabilidade. O BNDES será o "conduíte" que vai aproximar os ativos públicos do setores privados interno e externo, definiu.

O desenho que ele faz da estratégia que seguirá é o de uma ampulheta. A boca é o banco de serviços, o gargalo é a fábrica de projetos que vai abastecer o setor privado, que é a base. Ele calcula em cerca de R$ 10 bilhões os investimentos necessários para a elaboração de bons projetos de infraestrutura. E espera atrair as principais instituições de desenvolvimento do mundo, como o grupo alemão KFW e o Banco Mundial. Aguarda, também, a aprovação do fundo de apoio a estruturação de projetos (Faep), que assim que virar lei receberá um aporte de capital.

O BNDES atenderá à demanda por projetos em Estados e municípios, suprindo uma deficiência crônica dos governos subnacionais. Mas obviamente não terá condições de estar presente nos mais de 5.500 municípios. Para ampliar seu raio de ação, ele terá que fazer parcerias com os bancos de desenvolvimento regionais, com a Caixa e com as agências de fomento.

No início desta semana o BNDES divulgou uma lista de beneficiários de crédito no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), fortemente subsidiado, para a compra de jatinhos da Embraer. A lista trazia 134 nomes de empresas que tomaram os financiamentos de R$ 1,9 bilhão com gasto de R$ 700 milhões em subsídios da taxa de juros. O destaque foi para dois nomes: o do apresentador de TV Luciano Huck e o do governador de São Paulo, João Doria, ambos eventuais candidatos à sucessão de Jair Bolsonaro.

A despeito de ser esta a primeira divulgação da suposta "caixa-preta", não houve qualquer tipo de crime na obtenção dos financiamentos, repassados pelo sistema bancário. Se algo de errado houve, foi a decisão política atabalhoada de, assim, induzir a Embraer a não demitir parte dos seus funcionários. Era o auge da crise financeira mundial de 2009, a empresa viu as suas encomendas serem canceladas e o governo resolveu liberar crédito barato para sustentar a produção de aeronaves e o emprego.

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