quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Míriam Leitão: A indivisível união do país

- O Globo

Entre os fundamentos da República está a unidade da Federação. É dever constitucional do presidente defendê-la

O presidente da República tem que zelar pela unidade da Federação. Não pode discriminar um ente federado por razões políticas e ideológicas. Os estados são autônomos e seus governadores são eleitos pelo povo, portanto, têm legitimidade. Tudo isso está na Constituição que o presidente Jair Bolsonaro jurou respeitar. Ele diariamente descumpre algum preceito do ordenamento legal do país. O que ele tem falado e feito em relação ao Nordeste é perigoso.

Bolsonaro acusou os governadores nordestinos de querer a divisão do país, mas é ele que alimenta a desunião quando define os governadores da região com uma expressão preconceituosa e diz que o governador do Maranhão nada receberá dele. A unidade da Federação é uma das mais valiosas conquistas do país, que exigiu muito dos nossos antepassados para se consolidar. O artigo 78 da Constituição diz que o presidente da República tem o compromisso de “sustentar a união e a integridade” do Brasil.

Bolsonaro está escalando um conflito criado por ele com governadores nordestinos, apenas porque são de partidos de oposição. A disputa com os adversários, no campo político, se dá no Congresso Nacional na aprovação ou rejeição de propostas. Não pode se transformar em um conflito contra alguns estados na forma de distribuição discriminatória de recursos. Os impostos que são pagos à União pelos contribuintes não passam a ser propriedade do presidente. Ele não pode dispor deles, distribuí-los ou não, segundo a inclinação ideológica do administrador local.

É crime de responsabilidade, previsto no artigo 85, ameaçar “a existência da União” e atentar contra “o livre exercício dos poderes constitucionais das unidades da Federação”. Bolsonaro precisa refletir antes de falar, refletir duas vezes antes de agir, porque ele pode ameaçar valores caros demais ao país, um deles é o de que somos diferentes e unidos, somos 26 estados e o Distrito Federal integrantes da mesma Federação, com igualdade e autonomia. O povo de cada estado nordestino que escolheu um partido de oposição o fez democraticamente e não pode ser punido por isso. De todos os seus movimentos insensatos, esse talvez seja o mais perigoso.

A obra que o presidente foi inaugurar na Bahia é um caso interessante. É a primeira etapa da usina solar flutuante. Placas fotovoltaicas foram instaladas sobre as águas do reservatório de Sobradinho, uma ideia excelente. Foi projetada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, pelo então ministro das Minas e Energia Eduardo Braga. Foi executada pela Chesf no governo do ex-presidente Michel Temer, a quem o governador baiano fazia ferrenha oposição, até porque o PT considerava Temer um “golpista”. Apesar disso, a obra foi executada e pôde ser inaugurada pelo atual presidente.

Os exemplos de cooperação entre a união, os estados e municípios, apesar de diferenças ideológicas e partidárias, são muitos. Certamente há sempre escolhas políticas em qualquer governo. O que não pode haver é a declaração de um presidente de que não mandará recursos para um estado por causa da tendência política do governador.

Antes da inauguração do aeroporto Glauber Rocha, da Bahia, ele falou: “Você já reparou que o pessoal fala do Nordeste como se fosse outro país, né?” Que pessoal? Se por acaso o presidente acha que existe esse risco, deve trabalhar para desfazê-lo. Esse é seu dever constitucional.

Desde a declaração desastrosa que fez — “daqueles governadores de paraíba, o pior é o do Maranhão, não tem que ter nada para esse cara” — Bolsonaro já foi duas vezes à Bahia. Poderia ter aproveitado para desfazer o desconforto que a sua declaração causou. Poderia, mas não o fez. Transformou as duas viagens em novos confrontos. E na entrevista concedida ao “Estado de S. Paulo” fez a acusação de que “os governadores do Nordeste querem a divisão do país”.

Ele acusou os governadores de “fazerem politicalha” e depois disse que tem preconceito contra “governador ladrão”. Disse que se os governadores quiserem ser atendidos “terão que dizer que estão trabalhando com o presidente Jair Bolsonaro. Caso contrário eu não vou ter conversa com eles e vou divulgar obras junto às prefeituras”. O presidente trata dessa forma leviana assunto tão sério quanto os fundamentos da República.

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