quinta-feira, 15 de agosto de 2019

O que pensa a mídia || Editoriais

E os militares? || Editorial / Folha de S. Paulo

Com atraso, Câmara instala comissão para a reforma previdenciária das Forças

Só agora, depois de aprovada a reforma da Previdência dos servidores civis e dos trabalhadores da iniciativa privada, a Câmara dos Deputados instalou a comissão que analisará o projeto do Executivo que trata das pensões militares. O sinal parece pouco promissor.

A proposta que dormitava na Casa já provocara críticas quando o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL), não por acaso lotado de quadros oriundos da caserna, a deu por conhecer em março.

Ali se evidenciava que a distribuição dos inevitáveis sacrifícios a serem feitos na mudança das aposentadorias poderia não se dar de maneira justa entre os segurados.

Verdade que há na norma em exame providências acertadas e necessárias. Entre elas desponta a extensão do tempo mínimo de serviço (de 30 para 35 anos) para a obtenção de benefícios e o aumento da alíquota de contribuição (de 7,5% para 10,5% dos proventos). Pensionistas também contribuirão, se o texto for aprovado.

Tais medidas, quando em vigor, implicariam economia de R$ 97 bilhões em uma década, o equivalente a pouco mais de um décimo do esforço imposto aos civis pelo que já se aprovou na Câmara. O projeto do Planalto, entretanto, pretende devolver com a outra mão o que tomaria com a dos cortes.

Para apaziguar o estamento militar, Bolsonaro fez incluir no texto benesses que, na prática, aniquilam o ganho para o Tesouro.

Entre outras, uma absurda paridade de vencimentos entre militares da ativa e da reserva. Com isso, o respiro orçamentário projetado com a reforma de fancaria cai para R$ 10,5 bilhões —em dez anos, cabe lembrar.

Ninguém discute que a carreira militar tenha peculiaridades e mereça algum tratamento à parte. Por outro lado, se de fato existem nela defasagens salariais e distorções acumuladas ao longo de décadas, uma reforma da Previdência seguramente não se afigura como momento adequado para corrigi-las.

Nenhuma consideração dessa ordem se apresentou na formulação das aposentadorias e pensões de civis. Ademais, nunca será demais recordar que o custo social da folha de inativos das Forças Armadas do país já se mostra desproporcionalmente elevado.

O regime previdenciário geral, que atende a algo como 30 milhões de segurados, gera o maior déficit em termos nominais, de R$ 194 bilhões em 2018. Os cerca de 380 mil reservistas e pensionistas das Forças, por seu turno, custam R$ 44 bilhões aos contribuintes. Cada beneficiário militar custa, em média, 17,9 vezes um do INSS.

A iniquidade da proposta do Planalto é patente —e destoa do restante da reforma, que em geral abraça princípios corretos. Cabe ao Congresso corrigir ou, pelo menos, reduzir essa discrepância.

Liberdade econômica avança || Editorial / O Estado de S. Paulo

A aprovação, pela Câmara, do texto-base da Medida Provisória 881, conhecida como MP da Liberdade Econômica, é bastante positiva para o País, não apenas pelas medidas nela contidas, mas principalmente por recolocar em destaque na agenda política o tema dos entraves ao empreendedorismo no Brasil.

A tramitação da MP enfrentou muitos obstáculos, em particular porque a medida havia sido substancialmente emendada na comissão mista que a analisou no Congresso, sob a relatoria do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS). Várias dessas emendas, por alterarem diversas normas trabalhistas, poderiam servir de pretexto para a derrota da MP na votação em plenário.

Depois de intensa negociação, a maioria dessas mudanças – que incluiu também alguns “jabutis”, isto é, artigos que nada tinham a ver com o objeto da MP – foi retirada do projeto a ser votado, reduzindo de 53 para 33 o número de artigos. Esse enxugamento, que facilitou a aprovação por larga margem (345 votos a favor e apenas 76 contrários), foi realizado depois de intervenção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que conduziu as conversas com o relator, o governo e sindicalistas. “O que importa é o que ficou, estamos salvando a MP”, disse o relator Goergen, referindo-se ao fato de que a manutenção do impasse poderia acarretar a caducidade da medida, cujo prazo vence no próximo dia 27.

A Câmara deveria votar na tarde de ontem os destaques ao texto, mas não se esperavam grandes mudanças. O texto-base da MP, que irá agora ao Senado, preservou a essência da proposta original do governo. Entre as principais medidas trabalhistas está a permissão para o trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de autorização por convenção coletiva, e o trabalhador terá direito a uma folga de domingo a cada quatro semanas. Além disso, será permitido o registro de ponto por exceção, isto é, o empregado só registra o horário se fizer hora extra, e empresas com até 20 funcionários estarão dispensadas de controle de jornada de trabalho. 

No que diz respeito à burocracia, a medida aprovada permite que empresas cujas atividades sejam de baixo risco possam funcionar sem alvará, o que deve incentivar a abertura de startups e de pequenos negócios domiciliares. Autoriza ainda o funcionamento de empresas a qualquer dia e horário, desde que sejam respeitadas as leis sobre poluição sonora e perturbação do sossego. Além disso, determina que, se o poder público não responder a um pedido de autorização de empresa em determinado prazo, a autorização será concedida automaticamente.

Todas essas providências, de uma forma ou de outra, atendem a antigas reivindicações do setor produtivo. Por isso, o discurso do governo, como não poderia deixar de ser, é otimista. O secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel, disse que a MP da Liberdade Econômica deverá gerar 3,7 milhões de empregos nos próximos dez anos.

De fato, é o que esperam ansiosamente os 25 milhões de brasileiros desempregados, subempregados ou desalentados. No entanto, as medidas previstas na MP da Liberdade Econômica apenas arranham os imensos obstáculos à livre-iniciativa, que colocam o Brasil na vergonhosa 109.ª posição, entre 190 países, no mais recente relatório do Banco Mundial que mede a facilidade para fazer negócios, o Doing Business.

A enorme burocracia para que as empresas preencham formulários e paguem seus impostos, por exemplo, só deverá ser enfrentada numa reforma tributária. Outro aspecto ainda a ser tratado em outra oportunidade é o da concessão de alvarás, um sistema labiríntico de cartórios e órgãos governamentais que inferniza quem pretende abrir um negócio ou construir um prédio. Já é um avanço que a MP da Liberdade Econômica tenha livrado desse pesadelo ao menos as empresas de baixo risco, mas ainda há um longo caminho a percorrer para que o Estado deixe de criar dificuldades injustificadas para quem pretende empreender. O crescimento pífio da economia, que tende a ampliar a chaga do desemprego, é motivo mais que suficiente para que o governo faça da liberdade econômica muito mais do que apenas um slogan.

Tensões políticas voltarão a pôr à prova o Mercosul || Editorial / Valor Econômico

O Mercosul entrará em uma era de conflitos com a provável eleição da dupla Alberto Fernández e Cristina Kirchner para dirigir os destinos da Argentina. O alento dado pela conclusão do acordo entre o bloco e a União Europeia teve vida curta. Dos dois lados da fronteira, aumentaram a intolerância e divergências ideológicas, que colocam em risco o que foi acertado com os europeus. O presidente Jair Bolsonaro disse que receia migração em massa de argentinos para o Brasil em decorrência da "esquerdalha" que ameaça ocupar a Casa Rosada. Ontem, afirmou que "bandidos de esquerda começaram a voltar ao poder". Alberto Fernández disse que Bolsonaro é racista, misógino e violento. Os diplomatas, presume-se, serão muito requisitados.

O Mercosul seguirá sendo um coro dissonante. Quando governos de esquerda controlavam os dois países mais importantes do bloco, não houve progresso institucional ou econômico. Lula assumiu com Néstor Kirchner às voltas com a maior crise argentina em décadas. O nacionalismo kirchnerista foi bem mais defensivo do que o que se esperava e na maior parte do tempo, Lula condescendeu com sucessivas agressões ao comércio bilateral, como a suspensão das licenças automáticas de importação, vigentes por muitos anos. As vendas brasileiras foram travadas durante o reinado dos Kirchner e o resultado da política argentina foi o avanço das importações chinesas no mercado vizinho.

Partidos políticos à direita substituíram os governos que criaram o caos econômico dos dois lados da fronteira. O governo de Dilma Rousseff foi ejetado durante a maior recessão da história republicana e o maior escândalo de corrupção em décadas, enquanto que Cristina Kirchner, alvejada por denúncias de desvio do dinheiro público, levou o país rumo à estagnação e à hiperinflação.

O início de um governo liberal na Argentina e, depois, de outro com as mesmas tinturas no Brasil, ainda que muito mais conservador, não trouxe a esperada harmonia. O presidente Jair Bolsonaro não deu primazia às relações com Mauricio Macri, como ficou claro logo de início com a escolha de sua primeira visita oficial não a Buenos Aires, uma tradição do Mercosul, mas aos EUA, e depois ao Chile, com o qual tem relações políticas e econômicas mais distantes - salvo no período militar, que Bolsonaro emula. Macri fez seu trabalho ao retirar a maior parte das travas do comércio que prejudicavam o Brasil, enquanto Brasília esnobava o bloco e desdenhava de sua prioridade.

Apesar disso, duas décadas de negociações com a União Europeia levaram ambos os governos a fechar acordo histórico de comércio que agora está sob risco, pelos atos e palavras de Bolsonaro, e pela quase certa volta ao poder de grupos retrógrados e protecionistas em Buenos Aires. Mesmo quando parecia avançar, o bloco terminará por retroceder.

Com Macri e Bolsonaro, a competição por "relações carnais" com os EUA, que já teve a dianteira argentina, quando Carlos Menem era presidente, passou para o lado brasileiro. O presidente Donald Trump, o patrono da atual diplomacia brasileira, teve influência na aprovação do arriscado acordo do Fundo Monetário Internacional com a Argentina, o maior da instituição (US$ 57 bilhões). A vitória da dupla Fernández-Fernández será um revés para Trump, mudará a direção do acordo e colocará na berlinda o acordo com os europeus. Para a coalizão peronista que venceu as primárias, a indústria argentina foi prejudicada e, se eleita, não deve se esforçar para a ratificação do acordo comercial.

Ainda que haja a possibilidade de o acordo com a UE começar a vigorar antes para o Brasil, se seu Congresso o ratificar antes que o do vizinho o faça, o próprio interesse dos europeus está sob forte teste pelas atitudes do governo Bolsonaro em episódios como as querelas em torno do Fundo Amazônia, a reação nada diplomática do presidente sobre o corte da ajuda alemã para o ambiente, suas palavras pouco respeitosas sobre seus encontros com Angela Merkel e Emmanuel Macron, dirigentes das duas maiores potências econômicas europeias e pela ofensiva do Planalto para o desmonte da política ambiental. Pela direita ou pela esquerda, o primeiro acordo comercial relevante do Mercosul será bombardeado.

A recessão no país vizinho é péssima para o Brasil, cuja economia se arrasta após uma recessão prolongada. O ódio político mútuo provocará ainda mais tensões. Diplomatas hábeis terão de aplainar ásperas arestas, mas é pouco provável que ajam se Cristina Kirchner ocupar a vice-presidência e o Itamaraty seguir seu rumo radicalizado. Um esfacelamento no bloco não é uma hipótese tão remota.

Momento de se formalizar a autonomia do BC || Editorial / O Globo

Se ainda houvesse dúvidas, a ingerência de Dilma nos juros acabou com qualquer delas

As circunstâncias levam o governo de Jair Bolsonaro a ser reformista. O acúmulo de problemas macro e microeconômicos força que o presidente tenha uma agenda diversificada de mudanças. Da Previdência à revisão, não menos importante, de procedimentos burocráticos para empresas, tratados na chamada “MP da Liberdade Econômica”.

Lembre-se que Bolsonaro, nas quase três décadas de Câmara, sempre foi contra a atualização do sistema previdenciário, coerente com sua visão corporativista do país. Mesmo com dificuldades e alguns recuos do presidente, a reforma ultrapassou sua grande barreira, a da Câmara.

O importante é não perder o espaço político aberto no Congresso para continuar na atualização de regulações que caducaram nos últimos 40 anos, com o aumento da população, a integração ainda incompleta da economia ao mundo, e a própria sofisticação de usos e costumes promovida pela revolução digital, que parece não ter fim.

Se parcela majoritária da classe política venceu o tabu de que mexer na Previdência seria “prejudicar os pobres” — quando é o contrário —, ela pode entender a necessidade de outras reformas. Um desses casos é o da autonomia do Banco Central, outro dos temas discutidos sem que propostas se convertam em realidade.

Criado em dezembro de 1964, o BC substituiu a Superintendência de Moeda e Crédito (Sumoc), de 1945. Recebeu funções também do Banco de Brasil, e passou a ser visto como mais uma autarquia federal. Há tempos a instituição mudou de status: dentro do modelo dos bancos centrais de economias desenvolvidas, a política de juros passou a ser deliberada num conselho, Copom, formado pelos dirigentes do BC, e o banco ganhou autonomia operacional. Mas apenas tácita.

Os efeitos desta autonomia atuam na percepção positiva da estabilidade do sistema e, mais precisamente, no combate à inflação e enfrentamento de desequilíbrios externos. O BC busca condicionar as expectativas, algo essencial. Mas é hora de formalizar esta autonomia.

Entre os governos Dilma e de seu vice, Michel Temer, pôde-se comparar os efeitos da intervenção do Executivo no BC com os provocados pela ausência de ingerências de cunho político na instituição.

No período Dilma, que nunca escondeu ser contra a autonomia do BC, a autoridade monetária foi politicamente forçada a cortar juros, a fim de estimular a economia. A missão coube a Alexandre Tombini, na presidência do Banco Central. Com ele, os juros básicos chegaram a 7,2%. Como esperado, a inflação subiu e a taxa básica teve de ir para a faixa dos 14%.

Com Temer, o novo presidente do BC, Ilan Goldfajn, seguiu os manuais e reduziu a Selic para 6,5%. Sem retrocessos, sem pressões. Formalizar a autonomia da autoridade monetária é reduzir a insegurança que provoca inflação e alta dos juros.

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