quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O que pensa a mídia || Editoriais

Sequestro no Rio || Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro e Witzel usam ação bem-sucedida da PM para reforçar discurso perigoso

Até onde se pode verificar, foi correta a ação da Polícia Militar fluminense que encerrou o sequestro de um ônibus na ponte Rio-Niterói, nesta terça-feira (20).

Atiradores de elite mataram o sequestrador, que manteve reféns o motorista e 38 passageiros por cerca de três horas e meia, no início da manhã. Tentativas de negociação haviam resultado na libertação de quatro mulheres e dois homens, mas permaneciam os riscos para as demais vítimas.

Relatou-se que Willian Augusto da Silva, 20, brandia uma pistola —que, segundo se soube depois, era de brinquedo— e demonstrava que poderia incendiar o veículo. Portava ainda uma faca, uma arma que dá choques elétricos e recipientes com gasolina.

Fazia menções, de acordo com passageiros, ao trágico episódio conhecido como o do ônibus 174, ocorrido no Rio de Janeiro em junho de 2000, quando uma ação desastrada da PM resultou na morte de uma refém pelo sequestrador —que, por sua vez, morreu asfixiado numa viatura, tendo os policiais presentes sido inocentados.

Desta vez, o desfecho traz sem dúvida alívio pela ausência de mortos e feridos entre os cidadãos que dependeram da perícia e da prudência das forças de segurança. Justifica-se, ao menos com o que se conhece das circunstâncias, o apoio das autoridades a profissionais que agiram sob enorme tensão numa situação complexa.

As ditas autoridades, entretanto, desperdiçaram a chance de fazê-lo com equilíbrio e responsabilidade, para surpresa de ninguém.

Antes mesmo do desenlace do caso, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) já defendia de público o uso de atiradores de elite: ”Não tem que ter pena”. Lamentava ainda as acusações aos policiais envolvidos na morte do sequestrador do ônibus 174, “esse vagabundo”.

Já o governador Wilson Witzel (PSC) chegou à ponte de helicóptero, do qual desceu com gestos futebolísticos de comemoração. Ao falar, tratou de defender sua tese bárbara segundo a qual portadores de fuzis devem ser abatidos sem maior questionamento.

A carona não evidencia apenas o oportunismo político vulgar de dois governantes que pouco têm de positivo a apresentar até o momento. Bolsonaro e Witzel são sobretudo propagadores de um discurso embrutecido que se busca passar, sem amparo em evidências, como receita de combate ao crime.

Desnecessário apontar os perigos de tal retórica num estado em que o número de mortos em ações policiais aumentou 15% no primeiro semestre deste ano, para assustadores 881 —o correspondente a 29% do total de casos de letalidade violenta registrados.

Trata-se de matança que, à diferença da operação desta terça, não se dá diante das câmeras de TV.

O governo descobriu a crise || Editorial / O Estado de S. Paulo

Essencial, sim, mas insuficiente para movimentar a economia: com uma clareza e uma sinceridade raras no discurso oficial, o secretário especial da Previdência Social, Rogério Marinho, apontou a importância e a limitação da reforma das aposentadorias. Notável pela franqueza e pelo realismo, esse lembrete é especialmente oportuno quando o Brasil, no oitavo mês de um novo governo, continua com uma das maiores taxas de desemprego do mundo, negócios travados e perspectiva de crescimento econômico inferior a 1% neste ano. “Não será a reforma previdenciária que vai gerar emprego, renda e oportunidades no Brasil”, comentou o secretário Marinho em audiência na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

Durante um semestre, no entanto, o governo agiu como se a aprovação da primeira de uma série de reformas importantes bastasse para sacar o País da estagnação. Ou – pior, ainda – como se fosse irrelevante o drama de cerca de 13 milhões de desempregados e de muitos outros milhões de pessoas que enfrentam enorme dificuldade para levar algum dinheiro para casa.

Esse governo, agora, anuncia o lançamento de um plano de estímulo ao consumo numa “Semana do Brasil”, no começo de setembro. Será, na melhor hipótese, uma forma de reanimar o varejo e, por tabela, a produção industrial. Bastará uma semana de compras para algum resultado relevante? Além disso, de onde sairá o dinheiro?

Só em setembro começará a prometida liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS-Pasep. O governo, segundo se informou, espera adesão de empresas dispostas a grandes promoções na semana especial.

Se a adesão se prolongar, o efeito poderá ser maior, mas o resultado geral será, quase certamente, ainda limitado. De toda forma, a ideia de maior consumo na “Semana do Brasil” é mais uma evidente improvisação, associável mais facilmente à política de comunicação do que a um calculado exercício de política econômica.

Mas por que o governo teria decidido entrar nesse jogo neste momento? Não foi, certamente, por causa da situação assustadora de 25 milhões de desempregados, subempregados e desalentados. Nunca houve até agora, da parte do presidente ou dos chefes da equipe econômica, sinal de preocupação com essas pessoas ou com seus familiares.

A explicação mais provável é outra. O presidente Jair Bolsonaro tem mencionado a inquietação de ministros com a falta de dinheiro. Ele falou até de uma hipótese de severa redução das atividades na área militar. Então, talvez alguém próximo da Presidência tenha lembrado um detalhe esquecido ou pouco valorizado no Palácio do Planalto e em muitas áreas do Executivo: há um vínculo entre o marasmo econômico e a escassez de dinheiro à disposição do governo. Sem produção, sem vendas e sem emprego, impostos e contribuições tendem a sumir. Bingo! Essa explicação poderia ser uma pista útil.

Talvez seja simples casualidade, mas a coincidência é interessante. Diante da miséria do Tesouro, o governo decidiu deixar de lado as considerações sobre a capacidade voadora dos galináceos e buscar medidas de curto prazo para dar um tranco na economia.

Mudanças estruturais serão necessárias, como todos sabem, mas é preciso cuidar dos sinais vitais até lá. O plano inicial de liberar dinheiro do FGTS e do PIS-Pasep foi o primeiro sinal de rendição aos fatos prosaicos. A ideia do consumo patriótico, embora mais propagandística, foi um passo além.

As famílias ainda estão muito endividadas, pelos padrões brasileiros, e talvez se mantenham muito cautelosas, diante das péssimas condições do emprego. Além disso, pouco dinheiro será liberado pelo governo em setembro e nos meses seguintes. Melhor que nada, mas é preciso algum otimismo para apostar num resultado sensível. Mesmo com resultado modesto, a iniciativa pode render algum fôlego à economia até surgirem condições para um arranque mais forte.

Isso ocorrerá se o governo mostrar, na política econômica, muito mais competência do que demonstrou até agora. Com mais competência e menos desprezo às pessoas, medidas de estímulo teriam sido tomadas no primeiro semestre.

Falta impessoalidade às ações do presidente || Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro conseguiu em pouco tempo abalar três das principais instituições encarregadas de prevenir, investigar e coibir crimes de corrupção, evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Sua intervenção na sucursal fluminense da Polícia Federal pôs o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o diretor geral da PF, Maurício Valeixo, em maus lençóis. Exigências muito peculiares de remoção dos funcionários da Receita Federal no porto de Itaguaí e na Barra da Tijuca provocaram início de rebelião geral na cúpula do órgão e a demissão do subsecretário João Paulo Ramos Fachada. Bolsonaro mais uma vez se imiscuiu no Coaf e o transferiu para o Banco Central, prometendo blindá-lo da "política" com funcionários de carreira, sem cumprir a promessa. E demora para substituir o Procurador-Geral da República, pois está em busca de alguém que não seja "xiita" em relação ao ambiente e a outros temas de seu repertório de obsessões.

Ao fazer uma virulenta campanha eleitoral contra a corrupção, quem votou no presidente poderia esperar que ele esteja fazendo uma reorganização geral do aparato anticorrupção visando um ou mais objetivos que o conduza a exercer melhor suas funções:

• Aprimorar as estruturas da Polícia Federal e da Receita, de forma a torná-las mais eficientes e mais transparentes;
• Sofisticar os instrumentos de investigação de crimes do colarinho branco, lavagem de dinheiro, rastreamento dos recursos das organizações criminosas etc;
• Melhorar o cerco nas fronteiras à entrada de drogas, contrabando de cigarros e mercadorias, especialmente armas;
• Fazer com que esses órgãos possam dispor da melhor tecnologia para vigiar aeroportos, fronteiras secas e portos e equipamentos de detecção de drogas, armas, fugitivos da Justiça, imigrantes ilegais dedicados à criminalidade etc;
• Facilitar a especialização e dotar de recursos necessários as forças-tarefa encarregadas de combater o crime organizado e a corrupção;
• Agilizar os processos entre a identificação de crimes de evasão fiscal, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, pedofilia e as providências legais, reduzindo a burocracia e aperfeiçoando a legislação;
• Equipar a Receita e a Polícia Federal com o estado da arte da tecnologia para combater fraudes financeiras, transferência de recursos ilegais, rastreamento eletrônico de operações suspeitas com instituições financeiras;
• Promover a transparência possível nas ações da Receita e de outros órgãos encarregados da repressão a desvio de recursos públicos e evasão fiscal, tornando públicas as ações desenvolvidas, os resultados obtidos em cada etapa e as providências cabíveis para sua prevenção;
• Estabelecer uma política de tolerância zero em crimes contra o patrimônio público, como corrupção, suborno, acobertamento de ilícitos e assemelhados;
• Criação de sistemas para proteger servidores públicos e cidadãos que denunciem de boa-fé atos de corrupção.

Bolsonaro, porém, não parece preocupado com nada disso, mas com algo bem diferente. Antes de tudo, quer impedir que os órgãos que investigam os supostos malfeitos de seu filho, Flavio - suspeito de rachadinha de salários com funcionários de seu gabinete e de ligações com as milícias - desempenhem seu papel a contento. Esse foi o objetivo do anúncio da substituição do superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, e da tentativa de imposição de um substituto. Bolsonaro se irrita apenas com a corrupção "dos outros".

Mais incisiva e pública foi a atuação do presidente ao queixar-se de "devassa" da Receita contra si e seu irmão Renato Bolsonaro, um exagero notório - a Receita cobrava apenas parcela não paga de baixo valor sobre um parcelamento em curso. E definitivamente estranha foi a pressão para remover o delegado da Receita no porto de Itaguaí, na qual há um sujeito oculto, o "entorno do presidente". Não se sabe qual o interesse do Planalto ali. O delegado José Nobrega de Oliveira fez uma limpeza nas operações de Itaguaí, região controlada pelas milícias, de onde seguem drogas para a Europa e entram armas.

Na maior parte das ações desorganizadoras do aparato de Estado estão motivos pessoais de Bolsonaro, em contrariedade à impessoalidade que a Constituição exige de um presidente. A insistência nesse caminho, no qual já foi longe, deverá lhe trazer graves problemas institucionais.

A fundamentação de vetos na lei do abuso || Editorial / O Globo

Bolsonaro tem pareceres que o permitem fazer as devidas correções no projeto

Sergio Moro estudou a Operação Mãos Limpas, lançada na Itália na década de 90 para combatera corrupção entranhada nos altos escalões de Roma. Sempre soube, portanto, que, a julgar pela experiência italiana, uma boa parte dos políticos tem chances de se defender no Parlamento, erguendo barreiras legais contra a ação de organismos públicos que atuam na repressão a esquemas especializados em roubar o dinheiro do contribuinte.

Mas não é perfeita a comparação entre o atual estágio deste enfrentamento no Brasil e o que houve na Itália, onde a velha políticas e recuperou e fez com que o país voltasse a ser um dos mais corruptos da Europa. Aqui, há uma luta em curso em que não está garantido para a Lava-Jato um revés da dimensão daquele sofrido pelas Mãos Limpas, a partir da chegada de Silvio Berlusconi ao poder.

Uma razão da diferença entre os dois casos é que há margem de manobra
para, corrigindo-se excessos, o estado democrático de direito resistir às tentativas de recuo que levem o Brasil de volta aos tempos em que apenas negros e pobres cumpriam penas na prisão.

Mas isso dependerá do desfecho de situações como a dos vetos que o presidente Bolsonaro precisa fazer no projeto da lei do abuso de autoridades.

Uma nova legislação é necessária para atualizar a defesa de direitos, mas sem patrocinar o retorno ao passado da impunidade.

Bolsonaro tem até 5 de setembro para anunciar vetos no projeto — a melhor decisão — ou sancioná-lo. Não faltam análises para o presidente formar opinião.

Já existe uma posição formada de que o projeto, além de repetir muitos dispositivos da lei anterior, também reproduz o tratamento de questões já existente no Código de Processo Penal.

Também são identificados subjetivismos que criam insegurança entre juízes, procuradores, policiais e auditores. Este não pode ser o resultado do projeto.

Não apenas devido ao combate à corrupção, mas também ao crime comum organizado, cada vez mais uma grave ameaça ao estado de direito.

Bolsonaro já disse que fará vetos, boa notícia. Para isso, tem propostas da equipe do próprio Moro, seu ministro da Justiça e Segurança Pública, com toda a experiência acumulada como juiz federal criminal, principalmente na Lava-Jato, a partir do lançamento da operação em 2014.

Há sugestões de veto para eliminar duplicidade com outras leis; a fim de não criar dificuldades a investigações, e eliminar termos vagos que servirão para atemorizar o sistema jurisdicional e organismos de apoio. Precisam ser consideradas pelo presidente.

Na segunda-feira, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, alertou para o fato de que “(...) a própria lei pode se tornar um abuso que se deseja reprimir.”

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