sexta-feira, 23 de agosto de 2019

O que pensa a mídia || Editoriais

Ou ele ou ele || Editorial / Folha de S. Paulo

Em derrota de Doria, PSDB rejeita expulsão de Aécio; rumo da sigla é obscuro

Há pouco mais de um mês, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, decidiu subir o tom ao comentar a resistência de representantes do PSDB mineiro à tentativa da ala paulista da sigla, liderada pelo governador João Doria e por ele próprio, de expulsar o deputado e ex-presidenciável Aécio Neves.

Numa espécie de ultimato ao diretório nacional tucano, Covas lançou o desafio: “Ou eu ou ele”.

Nesta quarta (21), em Brasília, ao apreciar o pedido para levar o caso de Aécio ao Conselho de Ética, o colegiado decidiu ficar com o ex-governador de Minas Gerais. O relator, deputado Celso Sabino (PA), expôs sua visão contrária à admissibilidade da representação —e se viu acompanhado por 30 dos 35 correligionários presentes.

Impôs-se, assim, derrota fragorosa a Doria e ao alcaide paulistano, que parece ter bons motivos para se arrepender do afoito repto à cúpula partidária —um sinal, se não de amadorismo, pelo menos de imaturidade política.

Por sua vez, o governador afirmou por meio de nota que o PSDB escolheu o lado errado. “O derrotado nesse caso não foi quem defendeu o afastamento de Aécio. Quem perdeu foi o Brasil.”

Em que pesem os graves sinais de envolvimento em corrupção, o candidato tucano derrotado nas eleições presidenciais de 2014 conseguiu mais uma vez fazer valer seu longo histórico político e sua poderosa rede de relações.

Segundo argumentou sob anonimato um de seus aliados, o estrago que Aécio poderia fazer no PSDB já se materializou no pleito de 2018. Votar por sua permanência, neste momento, seria uma forma de conter o ímpeto do grupo liderado pelo governador paulista, que tenta se assenhorear da legenda.

Não se trata, que fique claro, de disputa entre alas regionais do partido, mas entre grupos —paulistas ou não, mineiros ou não— favoráveis e contrários à ascensão do novo cacique e postulante ao Palácio do Planalto em 2022.

São perfeitamente legítimas e fundadas as ambições de Doria, mas é fato que sua rápida e bem-sucedida carreira política representa uma inflexão à direita nas tradições tucanas. No exemplo mais recente, ele levou à legenda o deputado Alexandre Frota (SP), um dissidente precoce do bolsonarismo.

Na campanha eleitoral, o governador se distanciou de seu padrinho político, Geraldo Alckmin, e se apresentou como uma espécie de aliado tácito de Jair Bolsonaro, posição da qual agora procura cautelosamente se afastar.

Suas pretensões presidenciais estão entre as poucas certezas políticas do país. Já os rumos do PSDB ficaram ainda mais obscuros.

O mais difícil em um programa de privatizações é executá-lo || Editorial / Valor Econômico

O governo anunciou a inclusão de nove empresas estatais candidatas a serem privatizadas no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), em um total que agora chega a 17. Entraram na lista além de Correios, Telebras e Eletrobras, portos, creches inacabadas, presídios e parques nacionais, como os do Lençóis Maranhenses e Jericoacara. O anúncio ganhou mais destaque pela intenção declarada de privatizar uma estatal que não está na lista e não se sabe se um dia estará: a Petrobras.

De maneira geral, a privatização melhora a produtividade da economia, tende a ampliar a concorrência em alguns setores, deixa de pressionar o caixa do Tesouro, que sustenta várias delas, e permite ao Estado se concentrar naquilo que é sua função, como promover melhor educação, saúde e segurança. O Estado brasileiro tem 135 estatais, que detêm um patrimônio líquido de R$ 655 bilhões. Mas em 2017, 22 delas possuíam patrimônio negativo.

O governo de Bolsonaro gosta de jogar no ar números espetaculares e irreais, como já o fez com R$ 1 trilhão almejado para a venda de estatais e imóveis da União. Ontem, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que a inclusão de novas estatais no PPI e outros projetos aumentariam a carteira do programa em R$ 800 bilhões - para R$ 2 trilhões.

É mais fácil propagandear as privatizações do que executá-las, ou inclui-las em programas oficiais do que sair deles. Em patrimônio, apenas cinco gigantes - Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa e BNDES - somam R$ 602,5 bilhões dos R$ 655 bilhões de todo o universo estatal. Com exceção da Eletrobras, e da futura venda de ações que mantenham o Tesouro como acionista majoritário do Banco do Brasil - receita estimada de R$ 1 bilhão -, as empresas relevantes estão fora dos propósitos de curto prazo do governo. Os números sugerem que boa parte das demais estatais pode não ter valor de venda e precisem ser liquidadas ou absorvidas.

"O importante não é o timing, é a atitude", disse Salim Mattar, secretário de Desestatizações, Desinvestimentos e Mercados. A atitude é positiva, confronta a herança de 12 anos de governos petistas, quando prevaleceu o viés estatizante, e resgata o elo modernizador com as privatizações dos anos 90. Mas, além de atitude, é preciso competência técnica e política. É importante convencer a opinião pública e o Congresso - que terá de autorizar a venda dos Correios e da Petrobras, por exemplo. Será preciso ainda convencer o presidente, novato nas hostes do liberalismo.

A inclusão no PPI não é segurança de privatização. "Quando entra no programa não temos certeza de que aquilo seja viável", diz o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. Até estatais que pareciam prontas para passar para mãos privadas não o fizeram. É o caso da Eletrobras, cuja venda vem sendo preparada desde o governo Temer e que se ocorrer, será em 2020. Privatizar os Correios, que tem 103,6 mil funcionários, exigirá aprovação do Congresso, processo incerto e demorado que entrará 2020 adentro. A Lotex foi posta à venda, mas não encontrou compradores ao preço oferecido, de R$ 1,2 bilhão.

O que acontece com os investimentos em infraestrutura pode servir de exemplo de realismo para o otimismo oficial. Parcerias e marcos regulatórios para estradas, ferrovias e saneamento estão sendo planejados há anos, mas os investimentos urgentes, tanto para pôr fim à deterioração dos ativos como para empurrar a letárgica economia para frente, simplesmente não avançam. E estão há muito mais tempo no PPI.

A Petrobras executa com rapidez seu programa de privatizações, ao passar este ano R$ 72 bilhões em ativos para as mãos da iniciativa privada, as transportadoras de gás, ou pulverizar o capital da BR Distribuidora. Com gestão técnica e sem politicagem, a empresa equaciona seu endividamento e voltou a ter bons lucros, em um trabalho iniciado na gestão anterior. A estatal abre espaço à concorrência em vários setores que monopolizava, para se concentrar em exploração e produção. Com pleno domínio da tecnologia e um mar de petróleo do pré-sal a ser explorado, as resistências à sua venda serão ainda maiores do que sempre foram. Desde Getúlio Vargas ninguém fez tentativa séria de vendê-la, lembra o especialista Adriano Pires. O ministro Paulo Guedes quer, mas é possível que o coração de Bolsonaro não balance com isso.

É importante que as privatizações ocupem um papel de destaque na agenda do governo. Ele será cobrado pela eficiência em fazê-lo e pelos resultados que obtiver. É um desafio que prescinde de bravatas.

Sem consumo, o País encalha || Editorial / O Estado de S. Paulo

Dinheiro curto, emprego incerto e mercadoria encalhada continuam dominando a cena, enquanto se acumulam, na economia, alguns sinais bem-vindos de mudança. Há novidades positivas, mas sempre acompanhadas de uma ressalva. “A produção industrial mostrou forte alta na passagem de junho para julho”, segundo nova sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Máquinas trabalharam mais e o uso da capacidade instalada chegou a 68%, repetindo o nível de 2018 e superando os de 2015 a 2017. Já se fala até em mais contratações, depois de cinco meses de resultados negativos nesse quesito. As expectativas para os meses seguintes melhoraram, exceto quanto às exportações. As boas-novas, no entanto, são insuficientes para tornar o quadro muito mais luminoso.

Em julho, diminuiu o número de empregados. A queda foi menor que em junho, mas a direção se manteve. Os estoques continuaram a se acumular. Pior que isso, o índice de estoques indesejados tem crescido desde janeiro e chegou no mês passado ao nível mais alto desde maio de 2018, quando a paralisação do transporte rodoviário impediu o embarque das mercadorias vendidas. Desta vez havia transporte, mas obviamente faltou demanda – um detalhe implícito, mas evidente, no relatório da CNI.

A acumulação de estoques parece indicar também excesso de otimismo no planejamento da produção. O choque de realidade parece estar sempre relacionado com o desemprego muito alto e com a insegurança do consumidor.

A mesma sequência de novidades animadoras e de ressalvas aparece no informe da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o Índice de Confiança do Consumidor (ICC) divulgado na quinta-feira. O indicador mais amplo subiu 1,1 ponto em agosto e atingiu 89,2 pontos, o nível mais alto desde abril, quando havia chegado a 89,5. Mas a novidade fica menos positiva quando se examinam alguns detalhes.

Em primeiro lugar, a melhora ocorreu somente na avaliação das condições atuais. Houve algum avanço nas condições do orçamento familiar e alívio em relação ao endividamento. Mas outros fatores afetaram negativamente as expectativas. Aumentou a insegurança quanto à evolução do emprego e, ao mesmo tempo, diminuiu a disposição, declarada pelos entrevistados, de compras de bens duráveis.

Em agosto – e este é um pormenor significativo – a avaliação das condições presentes melhorou pelo segundo mês consecutivo, enquanto pioraram as expectativas em relação aos meses seguintes. A evolução do quadro presente, embora positiva, continua insuficiente, portanto, para tornar menos nebuloso o horizonte e para dar às famílias, duramente castigadas pela crise, maior segurança para consumir.

A fraqueza do consumo continua refletida na inflação muito bem comportada. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15), prévia do indicador oficial, subiu apenas 0,08% no último período apurado. O IPCA-15 é medido entre o meio de um mês e o meio do mês seguinte. A alta recém-divulgada, a menor para o mês de agosto desde 2010, ocorreu essencialmente no item Habitação, por causa do aumento de 4,91% da tarifa de eletricidade. Isso resultou da mudança da bandeira tarifária, por causa da maior dependência de usinas termoelétricas.

A inflação está sendo puxada, como já se havia observado a partir de dados anteriores, pelos preços administrados. Esses preços variam sem depender do comportamento do consumidor. Os preços mais afetados pela disposição de compra das famílias continuam, na maior parte, variando muito lentamente e até caindo.

O governo parece ter percebido, afinal, a persistente fraqueza do consumo, obviamente ligada ao desemprego e à insegurança. O marasmo dos negócios continua afetando a arrecadação tributária e provocando uma progressiva paralisia do governo. Todos esses dados podem provavelmente explicar a decisão do governo de proporcionar algum estímulo ao consumo a partir de setembro. Essa decisão foi muito demorada. Falta conferir se produzirá algum alívio sensível para as famílias em dificuldades.

Fim da partilha é bom para o país e a Petrobras || Editorial / O Globo

É preciso apressar a exploração do pré-sal, diante do avanço do uso de fontes ‘limpas’ de energia
Assunto que frequentou a campanha eleitoral, a privatização da Petrobras, tema que costuma sofrer interdições de fundo ideológico, ganha mais consistência. Em entrevista à Globo News, o ainda candidato Jair Bolsonaro admitiu a venda da companhia, embora se declarasse contra. Agora, o lançamento de uma relação de 17 estatais a serem colocadas à venda reaquece o assunto. Mais do que isso, a equipe econômica espera fazer a operação até 2022, quando acaba o mandato do ex-capitão, segundo o jornal “Valor Econômico”.

Trata-se de uma grande polêmica, que passará necessariamente pelo Congresso, conforme a determinação do Supremo de que a privatização de “empresas-mãe” precisado aval do Legislativo. Não é ocaso das subsidiárias.

Mas, entre a venda da estatal-símbolo e a inércia, há muito a ser feito. A própria Petrobras planeja passar adiante refinarias, também como forma de estimulara competição no mercado de combustíveis.

Em julho, por meio do mercado acionário, a estatal já se desfez do controle da BR, a maior distribuidora do mercado, faturando mais de R$ 9 bilhões, destinados a abater o ainda elevado endividamento da petroleira e a reforçar investimentos no pré-sal, o mais importante negócio para a empresa. Há ainda a venda de empresas da área de gás.

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, defendeu na terça-feira,
em evento no Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), o fim do modelo de partilha, que passou a ser usado na cessão de áreas do pré-sal para exploração, no governo Dilma Rousseff. Esta é mais uma das medidas que podem ajudar bastante a empresa e o país desde já, à margem da privatização da companhia.

A adoção deste modelo foi um festival de equívocos. Um deles, o fato de retirar o Brasil durante anos do mapa dos grandes leilões mundiais para exploração, enquanto a mudança era detalhada em Brasília e no PT. Perdeu-se assim um ciclo importante de alta nas cotações internacionais do petróleo — o barril ultrapassou a barreira dos US$ 100 —, o que sempre aumenta a atratividade desses leilões.

Confirmada a potencialidade do pré-sal em 2007, o primeiro leilão só veio a ser realizado em 2013, da área batizada de Libra. Para confirmar a baixa atratividade do modelo, só um consórcio fez lance, com a participação da Petrobras. Mesmo assim, o bônus de assinatura rendeu à União R$ 15 bilhões, sem considerar a parcela de óleo que será cedida durante a produção. Porém, poderia ter sido mais se tivesse havido concorrência no certame.

A não utilização do sistema de concessão no pré-sal — em que são feitos lances e ganha quem oferecer mais, sem outras complicações —, substituído pela partilha, se deveu ao poder de atração deste modelo sobre o lulopetismo.
A maior ingerência do Estado no negócio foi decisiva para o PT optar pela mudança

Criou-se inclusive outra estatal para administrar o óleo compartilhado, e chegou-se a estabelecer o monopólio da Petrobras na operação das áreas, ainda coma participação compulsória da empresa de no mínimo 30% em todos os consórcios.

Sequer capacidade financeira a estatal teria para assumir estes encargos, porque já se endividara muito em grandes projetos de frágil sustentação técnica. A partir do pré-sal, criou-se ainda um programa de reserva de mercado para a substituição de importações de equipamentos, incluindo navios e plataformas. Ele provocaria um rombo bilionário na estatal e em sócios privados. Mas permitiu a geração de comissões para o esquema de corrupção montado pelo lulopetismo na empresa, junto com empreiteiras.

No governo de Michel Temer, o monopólio operacional, como qual nem a Petrobras concordava, e a participação compulsória foram extintos. Falta, como propõe Castello Branco, acabar com o modelo de partilha.

Já se perdeu muito tempo para se explorar o pré-sal. A consciência da imperiosidade da redução do uso de combustíveis fósseis, para ajudara mitigar o aquecimento global, reduza longevidade do petróleo como fonte de energia. Se demorar muito a explorar as novas reservas, há o risco de o Brasil ficar com este petróleo debaixo da terra, sem gerar renda e empregos.

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