sábado, 24 de agosto de 2019

O que pensa a mídia: Editoriais

Abaixar o fogo: Editorial | Folha de S. Paulo

Bravatas de Bolsonaro só agravam a crise gerada pela elevação do desmatamento

Com a crise do desmatamento na Amazônia a ultrapassar as fronteiras do país, a política externa do governo Jair Bolsonaro (PSL) passará por seu primeiro grande teste. Até aqui, o presidente apenas acrescentou dificuldades desnecessárias a um problema real.

A sucessão de atos e declarações irresponsáveis do mandatário proporcionou material farto para que o Brasil seja mais uma vez exposto como vilão do ambiente —antes mesmo de haver dados e diagnósticos mais precisos a respeito da ampliação de queimadas e outras modalidades de devastação.

Bolsonaro demitiu o diretor do órgão que apontou números desfavoráveis; sem nenhuma base, apontou ONGs como suspeitas de piromania florestal; por fim, distribuiu críticas a países europeus que cortaram verbas para o país e questionaram sua política ambiental.

Esta, de fato, dá motivos palpáveis para o alarme. O governo esvazia órgãos de controle e impreca contra práticas que reduziram o rombo amazônico de 25 mil km² desmatados em 2004 para 7,9 mil km² no ano passado.

O presidente vem de um meio, o militar, que preconiza a ocupação econômica da Amazônia como uma forma de evitar a ingerência estrangeira. Se pontualmente pode haver preocupações legítimas, o tom geral da teoria é paranoico.

Em tal cenário, o país se torna alvo não apenas de críticas bem fundamentadas —e elas são muitas— mas também de manobras oportunistas que se valem de um tanto de histeria e desinformação.

O presidente francês, Emmanuel Macron, por exemplo, não desperdiçou a chance de usar as queimadas amazônicas na tentativa de ocupar o vácuo de lideranças na Europa —com direito a seu quinhão de tolices, como chamar a floresta de pulmão do mundo.

O fez trazendo a discussão para o fórum do G7, que reúne neste sábado (24) os líderes das maiores economias globais. É incerto, porém, se sua intenção terá guarida dos EUA de Donald Trump, dadas as afinidades entre o republicano e o presidente brasileiro.

O estrago de imagem está feito, de todo modo, e pode ter repercussões comerciais importantes. Franceses e irlandeses já ameaçam o acordo Mercosul-União Europeia, que precisa ser aprovado por todos os países envolvidos.

Há um extenso rol de providências a serem tomadas para estancar a crise, e o ajuste de tom de Bolsonaro deveria ser a mais imediata delas. Ele adotou maior sobriedade, felizmente, em seu pronunciamento em cadeia de rádio e TV nesta sexta-feira (23), trocando o confronto pela defesa da preservação.

Restará, claro, adotar as medidas necessárias para ao menos indicar a intenção de reverter os números negativos. Bravatas nacionalistas não ganharão o jogo desta vez.

Bolsonaro é eficiente ao construir a crise: Editorial | O Globo

Repulsa mundial às queimadas na Amazônia mostra o poder de autodestruição do presidente

Ao criar problemas para si mesmo em abundância, o presidente Jair Bolsonaro já havia demonstrado no início do mandato que seu governo prescindia de oposição.

Agora, a crise internacional em torno da Amazônia amplia apercepção do poder de autodestruição de Bolsonaro. Pois seu discurso anti ambientalista, somado a ações concretas de desmobilização de controles na região —executadas de forma diligente pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles —, não colocou o país apenas numa enorme confusão diplomática.

Também abalou os alicerces do agronegócio, atividade que levou 40 anos para tornar o Brasil uma potência agrícola exportadora, hoje ameaçada por barreiras protecionistas em retaliação ao descuido de Bolsonaro com o meio ambiente.

Sem qualquer surpresa. Afinal, Bolsonaro foi avisado deste perigo logo depois de eleito, e pelos próprios empresários. Mas ele parece não ouvir ninguém de fora do círculo familiar, que não demonstra ser bom conselheiro. Inútil acusar competidores no mercado de commodities de se aproveitarem da situação para capturar clientes. A culpa está com quem deu o pretexto.

No campo dos negócios, os problemas já começaram. Macron anunciou que não assinará o acordo comercial Mercosul-União Europeia, do qual consta uma cláusula ambiental, mesma posição da Irlanda. Um tratado negociado durante 20 anos pode naufragar. E ainda a Finlândia propõe boicote à carne brasileira.

Nunca o Brasil foi tão mencionado antes de uma reunião do G-7 (Estados Unidos, Alemanha, França, Grã-Bretanha, Canadá, Itália e Japão), marcada para este fim de semana, em Biarritz, na França. Infelizmente, citado de forma negativa.

A chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron, aos quais se juntou Justin Trudeau, premier do Canadá, trataram de garantir a inclusão do tema na agenda do encontro. “É uma crise internacional”, afirmou Macron, acusado na réplica de Bolsonaro de ter “mente colonialista”. Palavras que nada valem diante do estrago em andamento na Amazônia.

Este é o período de queimadas na região, facilitadas pelo tempo normalmente seco nesta época. Além de focos criados por pecuaristas e agricultores rudimentares, que usam o fogo para limpar a terra, há incêndios provocados para abrir áreas recém-desmatadas. Existem informações irrefutáveis de que o desmatamento aumentou à medida que Bolsonaro se aproximava do Planalto. É também prova da relação do desmatamento com as queimadas o fato de que as áreas com mais focos de incêndio são aquelas em que houve maior corte de árvores.

A relação de causa e efeito entre o que pensam autoridade se o seu reflexo no campo já havia sido observada quando o presidente Michel Temer decidiu acabar por decreto coma proteção da Renca (Reserva Nacional do Cobre e Associados). Logo as motosseras entraram e mação. Quando o presidente voltou atrás, a destruição já ocorrera.

Para reduzir os enormes danos, o governo precisará contar com os profissionais do Itamaraty e agir de forma efetiva na região contra agentes do desmatamento (madeireiros, garimpeiros, pecuaristas), ajudado pelo agronegócio. Bolsonaro terá de ir contra o que tem defendido. Também não pode descartara troca de ministros.

Está virando cinzas tudo o que se construiu de positivo até hoje em termos de imagem de uma agropecuária que não agride o meio ambiente, de uma exploração cuidadosa da Amazônia. O mundo toma consciência de que a causa do desmantelamento ambiental está no Planalto.

Fed, juros e o jogo de Trump: Editorial | O Estado de S. Paulo

Será boa para o Brasil uma nova queda de juros nos Estados Unidos, uma evolução dada quase como certa nos mercados financeiros depois do discurso do presidente do banco central americano, Jerome Powell, ontem. Com mais dinheiro acessível no mercado internacional, ficará mais fácil financiar as contas públicas, juntar reservas cambiais e atravessar com menor turbulência as próximas etapas do ajuste brasileiro.

A expectativa de novo corte dos juros foi reforçada quando o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) se referiu a “riscos significativos” associados ao comércio internacional e à economia global, já em desaceleração. O presidente Donald Trump, no entanto, cobra mais do Fed e ainda perguntou, também ontem, se o maior inimigo do país seria o presidente chinês, Xi Jinping, ou Jerome Powell.

Também se espera um afrouxamento da política do Banco Central Europeu (BCE), já muito suave. Além de criar melhores condições de financiamento, a ação das duas mais importantes autoridades monetárias do mundo capitalista poderá atenuar, nos próximos meses, o risco de uma queda maior da atividade econômica.

Os juros básicos poderão cair 0,25 ponto porcentual em setembro, nos Estados Unidos, recuando da faixa de 2% a 2,25% para o intervalo de 1,75% a 2%, se as previsões mais comuns estiverem certas.

A economia americana tem crescido e o desemprego é baixo, mas há sinais de menor atividade industrial e de redução do investimento produtivo. A inflação, ainda muito baixa, aproxima-se da meta de 2% ao ano. Embora o quadro geral ainda seja satisfatório, o cenário poderá piorar se houver uma nova intensificação do conflito comercial entre China e Estados Unidos.

O presidente Donald Trump prometeu novas medidas contra importações de produtos chineses, como resposta à anunciada imposição de maiores tarifas a US$ 75 bilhões de bens americanos por Pequim. As tensões entre as duas maiores economias dominaram os mercados no último pregão da semana. No Brasil, a bolsa de valores caiu, acompanhando o movimento internacional, e o dólar subiu, como em todo o mundo, atingindo R$ 4,13 no meio da tarde.

Jerome Powell vive uma situação particularmente difícil, pressionado e criticado publicamente, e com palavras cada vez mais duras, pelo presidente americano, Donald Trump, responsável por sua indicação para o Fed e que se mostra decepcionado e até indignado, como se o presidente do Fed lhe devesse fidelidade, talvez gratidão e certamente obediência.

Dirigentes do banco central dos Estados Unidos, no entanto, têm por lei autonomia operacional e mandato maior que o do presidente da República. O presidente da instituição só tem de prestar contas, periódica e publicamente, ao Congresso.

Em discurso no encontro anual de bancos centrais em Jackson Hole, Powell lembrou enfaticamente a função legal do Fed: favorecer a obtenção do maior nível de emprego compatível com a estabilidade monetária, vinculada a uma política de metas para os preços. A função vem sendo cumprida e o duplo objetivo tem de continuar guiando a política.

Não é papel do Fed, observou Powell, cuidar de comércio, atribuição do Congresso e do Executivo. Foi uma resposta indireta a Trump. Este vem acusando o governo chinês de depreciar o yuan para tornar os produtos da China mais baratos. Juros menores – este é um argumento implícito – poderiam facilitar a depreciação do dólar e ajudar as empresas americanas. Powell acenou, no entanto, com a possibilidade de ação mais firme do Fed se o emprego e a atividade ficarem comprometidos.

A autonomia, um dos ativos mais preciosos do Fed e de outros bancos centrais, é um importante fator de credibilidade. O Fed será severamente prejudicado se houver sinais de rendição a Trump.

No Brasil, a autonomia operacional do Banco Central ainda está para ser votada. Se o presidente Jair Bolsonaro de novo se inspirar em Trump, seu guru, poderá atrapalhar seriamente a imagem e o trabalho da autoridade monetária. O Brasil já pagou muito caro por intervenções desse tipo.

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