quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Ribamar Oliveira: Mesmo em 'shutdown', o gatilho não dispara

- Valor Econômico

Governo descobriu o piso para as despesas discricionárias

A proposta orçamentária da União para 2020 será encaminhada pelo governo amanhã ao Congresso Nacional e vai mostrar que a administração pública brasileira está muito próxima à situação de "shutdown". Ou seja, as dotações orçamentárias para o próximo ano não serão suficientes para garantir uma oferta mínima de serviços à população ou permitir o bom funcionamento da máquina pública. Será uma repetição do que está ocorrendo neste ano, por razões diferentes.

Neste momento, por falta de dinheiro, o Ministério da Economia cortou o cafezinho que era servido aos seus funcionários, determinou que eles só trabalhem das 8 às 18 horas, que as luzes dos prédios sejam desligadas após este horário, que não sejam contratados novos serviços de consultoria, que não sejam feitas aquisições de bens e mobiliário, que não sejam realizadas obras ou melhorias em instalações que resultem em mais gastos. O Banco Central e muitos outros órgãos estão adotando medidas semelhantes para conseguir chegar até o fim deste ano.

Em 2020, as dificuldades financeiras da administração pública federal continuarão. Para cumprir o teto de gastos, instituído pela emenda constitucional 95/2016, o governo será obrigado a manter as chamadas despesas discricionárias (que são os investimentos e os gastos de custeio da máquina) do mesmo tamanho deste ano, ou, até mesmo, em nível menor, como informam os técnicos oficiais.

Como as despesas obrigatórias não param de subir (principalmente os benefícios previdenciários e assistenciais e o pagamento de servidores), o governo será obrigado, mais uma vez, a cortar as discricionárias. No próximo ano, os investimentos da União serão os menores da história. Isto ocorrerá mesmo que a receita tributária seja melhor que neste ano.

A verdade é que a emenda constitucional 95 colocou o governo em uma armadilha, da qual só sairá com a mudança do próprio teto de gastos: para acionar as medidas de ajuste das despesas obrigatórias, que constam da emenda 95, é necessário descumprir o teto de gastos.

O problema é que não há maneira de o governo encaminhar ao Congresso uma proposta orçamentária que descumpra o teto. A própria emenda 95 impede que isso ocorra. Então, para manter as despesas totais dentro do teto, o governo é obrigado a cortar continuamente as despesas discricionárias, uma vez que as obrigatórias só crescem. Isto foi feito até chegar à atual situação, de virtual "shutdown", em que o nível de despesas com investimentos e custeio da administração ameaça paralisar a máquina pública e colocar em risco os serviços prestados à população, como a emissão de novos CPFs pela Receita Federal.

Neste ano, o governo descobriu, na prática e sem querer, qual é o nível das despesas discricionárias que representam a situação de "shutdown". O Orçamento de 2019 previa que as despesas discricionárias seriam de R$ 129,4 bilhões, o que já representava um valor baixo. Mas houve frustração da receita e ele foi obrigado a contingenciar R$ 34 bilhões das dotações orçamentárias.

Com o corte, as discricionárias foram reduzidas para R$ 95,4 bilhões, sendo R$ 10,2 bilhões para a capitalização de empresas estatais federais, R$ 15 bilhões para pagar investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e R$ 70 bilhões para o custeio administrativo e outros investimentos. Neste nível, o governo não consegue funcionar, admitem os técnicos da área econômica.

Todos estão esperando setembro chegar e que o relatório de receitas e despesas do quarto bimestre, a ser divulgado no próximo dia 22, traga um alívio para os gastos, com um descontingenciamento das dotações. Sem isso, vários ministérios não conseguirão chegar ao fim deste ano, admitem autoridades do governo. A área econômica sabe, agora, que R$ 85,2 bilhões para as despesas de custeio e investimento (R$ 95,4 bilhões menos os R$ 10,2 bilhões destinados à capitalização de estatais) não é sustentável.

A expectativa é que o descontingenciamento que será feito no dia 22 de setembro fique entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões, dependendo da receita que será obtida até lá. Para isso, conta-se com uma melhoria da receita tributária, com a antecipação do pagamento de dividendos pelas empresas estatais e com redução da capitalização das estatais. Com isso, a despesa discricionária deste ano poderia ficar em torno de R$ 110 bilhões, o que seria uma espécie de piso para elas.

Ainda não se sabe se o governo conseguirá manter as despesas discricionárias no piso na proposta orçamentária de 2020. Mas o fato é que, mesmo que fique no piso, o gatilho das medidas de ajuste das despesas obrigatórias não será acionado. Em 2021, a situação ficará ainda mais difícil porque, mesmo com a reforma da Previdência que está prestes de ser aprovada pelo Senado, as despesas obrigatórias continuarão crescendo.

Cessão onerosa
Os líderes partidários do Senado cumpriram o que prometeram ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e incluíram na proposta de emenda constitucional (PEC) 98/2019 um artigo que proíbe que os recursos do megaleilão dos excedentes da cessão onerosa a serem transferidos aos Estados e aos municípios sejam usados para pagar despesas de pessoal ou de custeio. O acordo de Guedes com os líderes foi informado nesta coluna.

Os governadores e prefeitos receberão, respectivamente, 15% da receita líquida dos bônus de assinatura pagos no leilão, depois de deduzida a compensação que será feita pela União à Petrobras. No total, serão cerca de R$ 21 bilhões. O dinheiro só poderá ser usado em investimentos e para fazer aportes em fundos previdenciários de servidores.

O parecer da PEC 98 aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado suprimiu o artigo que limitava as emendas parlamentares de bancada estadual a 1% da receita corrente líquida (RCL) da União. Como a execução do Orçamento será impositiva daqui para frente e com a existência do teto de gastos, se as emendas parlamentares de bancada superarem 1% da RCL, os parlamentares terão que cortar as programações feitas no Orçamento pelo Executivo.

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