quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Ribamar Oliveira || O "fundo do poço" será neste mês

- Valor Econômico

Crescer 0,8% neste ano pode não ser mais viável

O governo avalia que o pior momento para a atividade econômica ocorrerá neste mês, quando o país atingirá "o fundo do poço". A expectativa das autoridades é de uma melhora da atividade econômica a partir de setembro, impulsionada, principalmente, pela liberação dos recursos do PIS/Pasep e do FGTS. O dinheiro liberado permitirá, acredita-se, um aumento expressivo do consumo popular, ativando o setor produtivo, principalmente o setor de bens de consumo duráveis.

O mais provável é que o crescimento da economia no segundo trimestre deste ano, na comparação com o primeiro, fique em 0,2% ou 0,3%. Com isso, o resultado do primeiro semestre de 2019 teria ficado "no zero a zero", pois houve retração de 0,2% no primeiro trimestre. O dado oficial para o crescimento do PIB no segundo trimestre será divulgado pelo IBGE no próximo dia 29.

O governo concorda com a avaliação feita por analistas do mercado de que a atividade econômica não foi boa em julho e, provavelmente, não será também em agosto. Os dados disponíveis indicam até mesmo uma certa retração. A dúvida que permanece é se a intensidade da retomada da economia em setembro será suficiente para superar a queda acumulada da atividade em julho e em agosto.

Além da liberação do dinheiro do FGTS (R$ 28 bilhões) e do PIS/Pasep (provavelmente R$ 2 bilhões), o governo conta, para a retomada em setembro, com os efeitos das novas normas de segurança e saúde no trabalho, que foram adotadas pela Secretaria Especial de Previdência, a cargo de Rogério Marinho. O secretário reviu uma expressiva quantidade de regras, consideradas excessivas e burocráticas, que permitiram multar as empresas, afetando desde uma padaria até um forno siderúrgico. A revisão das normas, acredita o governo, terá impacto sobre a produtividade da economia.

Se o crescimento esperado em setembro apenas compensar a queda em julho e agosto, o governo concorda que será muito difícil manter a previsão de expansão de 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2019, que consta dos últimos documentos do Ministério da Economia e do Banco Central.

Para 2020, o cenário não vai depender, infelizmente, apenas dos esforços do governo, embora a aprovação das reformas e de outras medidas que facilitem os negócios possam ajudar na decisão de investimento dos empresários. Os olhos estão voltados, principalmente, para a China e, em menor grau, para a vizinha Argentina. Preocupa o governo os sinais inquietantes de que a crise econômica da China pode ser mais aguda do que vem sendo noticiado.

Desde junho, o governo acompanha em detalhes o cenário internacional, que ficou mais sombrio nas últimas semanas com o acirramento da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Isto porque o Brasil é, entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, aquele que possui a mais alta correlação entre crise externa e situação econômica interna, de acordo com estudos econométricos.

Há duas questões principais que precisam ser consideradas quando se analisa a deterioração do cenário internacional. Com a desaceleração da economia mundial, os juros certamente cairão lá fora, fortalecendo as condições para que o Banco Central continue sua política de redução da taxa Selic, a taxa de juros básica da economia brasileira.

A queda continuada dos juros internos será importante não só como estímulo aos investimentos, mas também por sua dimensão fiscal. Com menores juros por um tempo mais prolongado, o custo da dívida pública cairá bastante, o que vai melhorar o resultado nominal (considera o pagamento dos juros da dívida) do setor público. A melhora do quadro fiscal ajuda a manter as expectativas favoráveis do mercado sobre a economia.

Para o governo, a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China só irá afetar o Brasil se provocar uma redução considerável do fluxo do comércio mundial. Ela poderá ser benéfica ao país se, em vez de comprar dos EUA, os chineses passarem a comprar mais do Brasil.

Outra dimensão da crise que precisa ser analisada diz respeito ao efeito da desaceleração da economia internacional sobre o preço das commodities. Principalmente se a desaceleração se transformar em uma recessão. O Brasil é grande exportador de commodities e o peso da demanda chinesa nesses mercados é determinante.

Um enfraquecimento maior da economia da China resultará em redução considerável de importações de produtos agropecuário e minerais do Brasil, com sérias consequências sobre o nível de atividade do país. Neste cenário, considerado mais improvável, o crescimento da economia brasileira em 2020 poderá ser muito afetado.

O agravamento da situação econômica da Argentina, decorrente, em parte, do quadro de instabilidade criado com a possível vitória do candidato da oposição na eleição presidencial deste ano, também terá um impacto sobre a economia brasileira. Mas a preocupação com a Argentina é menor do que com a China, que é a maior parceira comercial do Brasil. A avaliação é que a crise Argentina vai impactar, particularmente, a indústria automobilística brasileira e os setores a ela ligados.

Uma desaceleração mais forte da economia mundial, que terá forte impacto na economia brasileira, colocará desafios importantes para o setor público do país, que registra déficits primários (ou seja, despesas primárias maiores do que as receitas primárias) desde 2014. Com crescimento menor, as receitas tributárias também serão menores, o que tornará ainda mais difícil a obtenção de superávit primário em montante suficiente para manter a dívida pública em trajetória sustentável.

Neste caso, o governo brasileiro poderá ser obrigado a empreender um ajuste ainda mais duro em suas contas, com cortes em despesas obrigatórias. O que, até agora, não tem conseguido fazer. Só consegue cortar despesas discricionárias (investimentos e custeio da máquina), comprometendo a oferta de bens serviços à população. O problema não será cumprir o teto de gastos, mas a meta fiscal.

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