segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Sergio Lamucci || Cenário externo fica bem mais adverso

- Valor Econômico

Piora global é contratempo para o Brasil

O cenário externo ficou bem mais complicado nas últimas semanas. O temor de recessão global cresceu, num ambiente marcado pelo acirramento da guerra comercial entre os EUA e a China. Além disso, a situação da Argentina piorou muito depois que as primárias deste mês mostraram grande probabilidade de vitória da chapa Alberto Fernández e Cristina Kirchner nas eleições de outubro. A desvalorização do peso e a forte elevação dos juros devem jogar a atividade econômica ainda mais para baixo, e uma nova renegociação da dívida em 2020 passou a ser vista como bastante provável.

Com contas externas sólidas e a reforma da Previdência encaminhada no Congresso, os efeitos sobre o Brasil tendem a ser mais limitados do que em choques externos anteriores. Isso não quer dizer, porém, que o país passará ileso por essa deterioração do ambiente internacional. A desaceleração da economia global e a perspectiva de novo encolhimento do PIB argentino no ano que vem afetarão a demanda por produtos brasileiros. Um ambiente de maior incerteza mundial também pode afetar fluxos de capitais para o Brasil e mesmo decisões de investimento no país, ainda que as perspectivas de crescimento por aqui estejam um pouco melhores, dada a expectativa de aprovação da mudança do sistema de aposentadorias, que reduz o risco fiscal, e de queda adicional dos juros básicos.

Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, procurou se mostrar despreocupado em relação às turbulências externas. "Desde quando o Brasil, para crescer, precisou da Argentina?", questionou. "Só na hora da estagnação, em que o país está parado, precisa da indústria automotiva vender automóvel à Argentina. Quem disse que é esse modelo que queremos?"

Para a indústria brasileira, a Argentina é um mercado extremamente importante. Num momento em que o Brasil se debate com a retomada mais lenta de sua história, a deterioração adicional da economia argentina é certamente má notícia. Em 2017, quando o país vizinho cresceu 2,7%, as exportações brasileiras para lá cresceram 31,3% em valor, enquanto a produção de veículos automotores, reboques e carrocerias avançou 17,2%. De janeiro a julho deste ano, as vendas brasileiras para a Argentina estão em queda de 40%, em meio à crise do país comandado por Mauricio Macri.

As perspectivas de crescimento para a Argentina pioraram consideravelmente após a turbulência nos mercados que se seguiu às primárias deste mês. O Bank of America Merrill Lynch, por exemplo, rebaixou as suas estimativas para o PIB argentino de 2019 e 2020, devido ao forte aumento dos juros básicos e das taxas dos títulos em dólares do país. Para este ano, ele passou a projetar retração de 2,2% - antes, esperava queda de 1,1%. Para 2020, prevê agora contração do PIB de 2%, desempenho bem pior que a expansão de 1,1% estimada anteriormente. É um cenário bastante negativo para a exportação brasileira de manufaturados. Para completar, as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre eventual vitória da chapa Fernández-Kirchner indicam a possibilidade de crise diplomática com o principal parceiro do Brasil no Mercosul em 2020.

Nos últimos dias, aumentaram os temores de uma recessão mundial. Há sinais de fraqueza econômica na China e na Europa, além de ter crescido o receio de que os EUA enfrentem uma piora mais acentuada da atividade. A escalada da guerra comercial promovida pelo presidente Donald Trump contra a China causa grande incerteza, num cenário em que há também por retaliações do país asiático.

Essas ações elevam o grau de indefinição na economia global, fazendo os analistas acreditarem num crescimento mundial um pouco mais fraco. A perspectiva de uma trégua ou de reversão da guerra entre as duas potências parece remota. Com a aproximação das eleições americanas no ano que vem, é improvável que Trump alivie as pressões sobre os chineses.

Um dos efeitos negativos da disputa entre EUA e China recai sobre o investimento. A incerteza provocada pela guerra comercial tende a levar muitas empresas a segurar projetos de modernização ou ampliação da capacidade produtiva, à espera de um cenário comercial mais claro.

O quadro na indústria mundial já é delicado. Em julho, o índice global de gerentes de compras do setor manufatureiro do JPMorgan ficou pelo terceiro mês seguido abaixo de 50, nível que aponta contração da atividade industrial. De 30 países, 19 estavam com o indicador menor que 50 no mês passado, entre eles China, Japão, Alemanha, Coreia do Sul, Taiwan, França, Reino Unido, Itália e Brasil.

Com crescimento global menor, a demanda por bens brasileiros deverá ser afetada. A maior aversão ao risco, por sua vez, provoca desvalorizações de moedas de países emergentes como o Brasil.

A boa notícia é que a pressão sobre o real não parece suficiente para levar o Banco Central (BC) a interromper o ciclo de corte dos juros, retomado no fim de julho. Com a enorme ociosidade na economia, o repasse da desvalorização do câmbio para os preços é limitado, e a inflação roda há muito tempo abaixo da meta perseguida pelo BC. O efeito da desaceleração global sobre a atividade econômica doméstica deve se sobrepor ao impacto da depreciação da moeda sobre os preços, abrindo espaço para a autoridade monetária continuar a reduzir a Selic, hoje em 6% ao ano. Vários analistas apostam que a taxa vai encerrar o ano em 5%, sendo um dos fatores que devem impulsionar a economia, além da retomada da confiança de empresários e consumidores e da liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

A expectativa de aprovação da reforma da Previdência melhora a percepção sobre a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo, o que ganha ainda mais importância num momento em que o cenário externo piora. Além disso, o baixo déficit em conta corrente e as reservas internacionais de US$ 385 bilhões tornam o Brasil menos vulnerável ao quadro internacional mais incerto.

Ainda assim, a deterioração do ambiente global deverá atrapalhar a lenta recuperação da economia por aqui. O menor crescimento mundial, o aumento da aversão ao risco e a piora adicional da crise da Argentina terão algum custo para o Brasil.

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