domingo, 18 de agosto de 2019

Vinicius Torres Freire || A crise mundial, no reino da Dinamarca

- Folha de S. Paulo

Recessão no mundo rico ainda é dúvida, mas dinheiro grosso foge para as montanhas

Nestes dias de muvuca nos mercados financeiros, correu a história de que o terceiro maior banco da Dinamarca, o Jyske, passou a oferecer empréstimos a taxas de juros negativas a quem queira comprar uma casa. Isto é, quem pegar 100 dinheiros emprestados terá de pagar pouco mais de 95 dinheiros, ao final de dez anos.

E daí se há algo de doido no reino da Dinamarca? E o Brasil, a China, os EUA? Há muito chute sobre a recessão americana, que dirá sobre seu impacto por aqui. A anedota dinamarquesa pelo menos diz algo sobre a finança do mundo.

O banco dinamarquês empresta dinheiro a juros negativos porque pode tomar emprestado a taxas ainda menores, mais negativas, como também na Alemanha, na Suíça ou no Japão. Na prática, quem empresta dinheiro ao governo alemão por dez anos perde 0,5% ao ano. Há montes de dinheiro sem uso no mundo rico, por medo de risco ou falta de onde aplicar em economias que se arrastam e o povo anda na pindaíba.

Nos Estados Unidos, a taxa do título do Tesouro de dez anos caiu para perto de mínimas históricas na semana passada, mas ainda positivas, cerca de 1,5% ao ano (pagava 3% ao ano ainda em novembro).

Medo de recessão, de colapso financeiro e especulação levam investidores, dos caseirinhos aos fundos soberanos gigantes da Ásia, a fugir de aplicações de risco em tese maior e a comprar títulos de governo, do americano em especial, o que eleva seus preços e reduz seu rendimento (é a mesma coisa).

São atitudes mais ou menos baseadas na ideia de que os grandes bancos centrais vão baixar suas taxas de juros ou recorrer a heterodoxias (como fazem desde 2008) a fim de conter uma recessão. Como as taxas americanas já estão baixas, especula-se que os Estados Unidos podem até entrar no clube do juro nominal negativo. Juros em baixa, de qualquer modo, valorizariam ainda mais os títulos da dívida, compensando a aposta ou o medo prudente de quem acredita na hipótese de recessão. É o chute especulativo que movimenta este agosto, mas que começou lá por março.

Há quem acredite que o risco de recessão é exagerado, apesar da evidente desaceleração nos EUA, da Alemanha já estagnada e do fraquejo chinês, tudo piorado pela desordem demente causada porDonald Trump. Se der chabu, haveria vacinas à mão, diz o otimista. Além da ação do Fed, em setembro o Banco Central Europeu anunciaria outro pacote heterodoxo. A China viria em breve com seu terceiro megapacote de estímulo desde a crise de 2008.

Bolhas financeiras e dívida, juro zero, emissão maciça de dinheiro e a força da China, em especial, seguraram o crescimento das últimas décadas, crescimento ruim no mundo ocidental, com repressão braba de salários.

Agosto pode ter sido apenas um pânico feio. Mas, em caso de recessão, algum desses arranjos vai funcionar? Taxas de juros próximas de zero já não fazem muito efeito. O efeito da China no crescimento mundial diminui.

Economistas reputados no establishment mundial pregam aumento de dívida e investimento públicos, no caso de países com bom crédito e com juro zero ou perto disso (isto é, onde o custo do endividamento é, no curto prazo, nenhum). Olivier Blanchard, do MIT, ex-FMI etc., por exemplo, tem tratado disso este ano inteiro e recomendou explicitamente aos europeus que adotem tal programa. Se a ameaça de recessão crescer e não sobrevier algum colapso financeiro, essa conversa de mais gasto vai pegar.

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