sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Armando Castelar Pinheiro* - Liberdade e crescimento econômico

- Valor Econômico

A agenda liberal é uma escolha política. O fracasso em gerar crescimento pode levar ao seu abandono

Ser um liberal é acreditar na liberdade de escolha, nos valores, nas preferências sexuais, na economia etc. Por ser economicamente antiliberal, a esquerda acredita tanto na tutela do Estado sobre o cidadão, cerceando sua liberdade de empreender. Não foi diferente nos governos do PT. No governo de Dilma Rousseff, em especial, o que se viu foi a dependência do empresariado do crédito subsidiado, dos programas de conteúdo nacional, dos incentivos tributários, do PAC, dos projetos de campeões nacionais etc.

Talvez em reação a isso, desde então o Brasil implementou um amplo programa liberal em sua economia. Em particular, se deu mais liberdade para empreender, enquanto se conteve a influência do Estado na economia.

São vários os indicadores dessa revolução liberal em curso em nosso país. O mais óbvio é a contenção do crescimento das despesas públicas, formalizada pela criação do Teto de Gastos. Também se contiveram os subsídios creditícios, com a aprovação da Taxa de Longo Prazo e a devolução dos empréstimos que o Tesouro deu aos bancos públicos no governo Dilma. A reforma da Previdência vai ajudar a consolidar esse processo.

Essas medidas permitiram derrubar as taxas de juros, curtas e longas, e trazer a inflação para baixo. As grandes empresas hoje se financiam a custos competitivos no mercado de capitais doméstico, pondo fim a uma deficiência crônica da nossa economia. Várias empresas têm inclusive captado recursos para pré-pagar o BNDES e não rolar dívidas externas.

A privatização também avançou. A Petrobrás vendeu participações majoritárias em algumas de suas grandes subsidiárias, com destaque para a BR Distribuidora. A CEF também vendeu participações acionárias, inclusive na Petrobras. Agora se aguarda o BNDES deslanchar a venda das ações em sua carteira. E, claro, finalmente a Eletrobras ser privatizada, após o bem sucedido programa de privatização de suas subsidiárias na área de distribuição.

Na infraestrutura a privatização também avançou, via programa de concessões. Em aeroportos e portos houve vários leilões bem sucedidos. Mas ainda há muito a fazer.

Há também uma agenda de promoção da competição. Nesta destaca-se o tratado de livre comércio do Mercosul com a União Europeia, que promove ampla abertura comercial de nossa economia. Não apenas pela dimensão da economia europeia, mas também porque ele nos estimula a fazer tratados semelhantes com outras economias. Também dignas de nota são as propostas de vender algumas das refinarias da Petrobras e liberalizar o mercado de gás.

Por fim, mas não menos importante, há uma agenda de reformas institucionais voltadas para simplificar o ambiente de negócios e dar maior segurança jurídica aos contratos. Refiro-me aqui à reforma trabalhista e à MP 881, a MP da Liberdade Econômica, entre várias outras medidas. A reforma tributária pode ser outra importante medida nessa agenda, se focada em reduzir ineficiências, o custo de cumprir as obrigações tributárias e a discricionariedade com que as normas tributárias podem ser alteradas.

Na prática, claro, essas medidas não foram tomadas de forma tão concatenada como descrito acima. Foi mais uma sequência de reações a problemas pontuais, que encontraram por trás o pensamento liberal daqueles que as propuseram, defenderam e aprovaram. O Congresso Nacional, em especial, tem tido um papel destacado em definir essa linha de reforma.

Em que pese tudo o que foi feito, porém, a economia brasileira, apesar de ter saído da recessão anti-liberal de 2014-16, continua crescendo apenas lentamente. O investimento privado, em especial, continua muito retraído, sem se recuperar da forte queda ocorrida na recessão. Dentre outros fatores que explicam porque isso ocorre, como choques externos e domésticos, destacaria três mais relacionados às questões aqui discutidas.

Primeiro, as reformas levam tempo para impactar a economia, por conta de muitos fatores de rigidez: em especial, investimentos já feitos em capital físico, humano e em relacionamentos humanos, comerciais e com autoridades. Há também o que em outra ocasião chamei de crise de abstinência de incentivo estatal: toda uma institucionalidade acostumada a viver com base em decisões e estímulos estatais que continua aí, esperando que essas orientações, subsídios e vantagens voltem.

Segundo, enquanto as reformas estão sendo implementadas, há um aumento da incerteza. Os investidores ficam aguardando para saber que regras vão efetivamente prevalecer e isso segura os investimentos. A reforma tributária é, talvez, o melhor exemplo disso.

Por fim, a política tem atrapalhado muito. Parte do governo, em lugar de buscar criar uma visão de um país mais próspero, tem focado em elevar a incerteza, dividir a sociedade e gerar choques econômicos desnecessários.

É importante superar logo essa fase. A agenda liberal é uma escolha política. O fracasso em gerar crescimento pode levar ao seu abandono, como ocorreu na primeira metade do século XX no Brasil e ainda agora na Argentina.

*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre-FGV e professor da Direito-Rio/FGV e do IE-UFRJ

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