quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Ascânio Seleme - Perguntas, por que não?

- O Globo

Jornalistas que entrevistaram Greenwald fizeram o que sempre fazem

Jornalistas não podem ser amigos, companheiros ou colegas da sua fonte ou do seu entrevistado. Não podem defender as teses e objetivos de quem estão investigando. Jornalistas são treinados e são pagos para buscar elementos que não são óbvios à primeira vista. Os recursos de que dispõem são limitados. Numa reportagem, usam sola de sapato e cabeça para chegar ao seu objetivo. Numa entrevista, fazem perguntas. Nada além de perguntas. E, claro, todas as perguntas cabem, inclusive as duras, as desconfiadas e mesmo as inconformadas. Jornalistas são por natureza seres inconformados.

No início da semana houve uma enxurrada de críticas aos jornalistas que entrevistaram Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, no “Roda Viva”, da TV Cultura de São Paulo. A maioria das críticas veio de gente que queria demonstrar posição, que reagiu como sempre na guerra política que traumatiza a nação, julgando os jornalistas como inimigos de uma causa. O raciocínio seria mais ou menos assim: Se Greenwald recebeu e divulgou conversas inapropriadas de Moro e Dallagnol, ele atacou a Lava-Jato e defendeu Lula. Se os jornalistas apertaram Greenwald, eles são a favor da Lava-Jato e contra o Lula.

Bobagem. Os jornalistas que entrevistaram o editor do site The Intercept fizeram o que sempre fazem. Perguntas. E o entrevistado as respondeu. Aqueles que criticaram os entrevistadores certamente esperavam um festival de levantamento de bola. Se decepcionaram porque jornalistas não podem levantar bola para entrevistado cortar. Quem faz isso é a mídia companheira e amiga. Nesse caso, pode ser mídia, mas não é jornalismo. O que se buscava no Roda Viva era o contraditório, por isso os jornalistas fizeram as perguntas que os internautas nas redes acharam abusadas.

O local para defender Glenn Greenwald certamente não é a bancada de um programa jornalístico na TV. Quem sintonizou o Roda Viva para ver loas ao The Intercept perdeu seu tempo. Já houve manifestação a seu favor por iniciativa de jornalistas. Mas ela ocorreu em local adequado e com argumentos irrefutáveis. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) realizou em sua sede no dia 31 de julho um ato em favor da integridade do jornalista (ele e seu marido foram objeto de ameaças anônimas), do direito ao sigilo da fonte e do livre exercício da profissão.

Greenwald é um jornalista que deu um grande furo e é respeitado por isso. As matérias que The Intercept vem publicando são esclarecedoras e, mais que isso, ajudam a tornar mais transparente o intestino do Poder Judiciário. Todos os presentes naquela bancada gostariam de ter recebido o pacote e dado eles o furo jornalístico. Claro. Mas isso não os impede de se colocarem do outro lado do balcão e fazer as perguntas que seriam a eles endereçadas, se fosse deles o furambaço. As perguntas foram feitas com respeito, como deveria ser, e foram muito bem respondidas pelo entrevistado. Nenhuma dúvida foi deixada no ar. E por isso a entrevista foi boa.

Entre as críticas aos jornalistas, ignorando aquelas velhas, bolorentas e retóricas, houve quem visse na entrevista um ataque ao Greenwald. Não consigo enxergar ataque nas questões que apenas procuravam clarear aspectos da reportagem que pode mudar o destino da maior operação anticorrupção já realizada no país. Não havia como não fazer aquelas perguntas. E tampouco interessava ali tentar tirar do entrevistado novidades sobre as conversas interceptadas. Já há um oceano de revelações sobre esses diálogos no Intercept e em outros veículos. O “Roda Viva” podia e devia mesmo abrir mão de ir por esse caminho.

Morto em 2020
Os números da pesquisa Datafolha revelam quem muito provavelmente estará morto em 2020. Os primeiros sintomas da doença fatal já devem ser sentidos na eleição do ano quem vem. A economia não anda como supunham os economistas do governo, os cortes orçamentários alcançam programas sociais e bolsas de estudo etc, etc, etc… e o presidente não anima ninguém. Ao contrário, Bolsonaro joga o país para baixo. Ele faz exatamente o oposto do que se espera de um líder, que deveria ser o animador do país, como foram Fernando Henrique e Lula.

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