domingo, 15 de setembro de 2019

Bruno Boghossian – Diplomacia do submundo

- Folha de S. Paulo

Método da diplomacia brasileira empurra país para margem do debate internacional

Em sua mais recente investida contra o que chama de “climatismo”, o chanceler Ernesto Araújo recorreu a uma notícia sensacionalista que viralizou nas redes e citou um cientista controverso, que era financiado pela indústria do petróleo.

O discurso do ministro na última quarta (11) na Heritage Foundation, centro de estudos conservador nos EUA, cimentou a tentativa do governo de dar tons ideológicos à discussão sobre a preservação ambiental. Nas palavras de Araújo, a questão das mudanças climáticas ganha contornos de conspiração global.

Em dado momento, o chanceler alertou: políticos e a mídia começam a demonizar o consumo de carne. “Alguém sugeriu”, disse ele, “que nós deveríamos recorrer ao canibalismo para salvar o planeta, deixando de comer carne bovina, que destrói a Amazônia, na narrativa deles”.

Partiu dali uma crítica aborrecida ao que o ministro enxerga como uma tentativa de usar as mudanças climáticas para limitar a soberania dos países e, agora, controlar até o que as pessoas comem. “Onde está a dignidade humana, o bom senso?”

A história do canibalismo jamais foi levada a sério no meio científico, é claro. Foi lançada por um professor de marketing sueco que, provavelmente, só queria aparecer. Há uma semana, o caso apareceu com cores chamativas no site ultraconservador Breitbart, foi replicado por Donald Trump e virou lenha para um debate baseado na desinformação.

Araújo também lançou dúvidas sobre temas relativamente consensuais. Ao questionar os efeitos da ação do homem sobre o clima, citou o pesquisador americano Patrick Michaels. O ministro só não disse que uma fatia daqueles estudos era financiada por produtores de petróleo e carvão, interessados nessa discussão.

O governo até pode ter razão em reclamar da contaminação do debate climático por interesses econômicos. Se continuar buscando argumentos no submundo das redes, no entanto, o chanceler vai empurrar a diplomacia brasileira para a margem do debate internacional.

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