segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Memória | Revista Presença, marco da reorganização democrática do país

Revista PRESENÇA, Nº 1 – NOVEMBRO DE 1983

Veja abaixo os órgãos e os nomes responsáveis pela publicação 

APRESENTAÇÃO
Armênio Guedes

Presença é iniciativa de pessoas interessadas em pensar e discutir as questões que ocupam hoje o centro de nossa vida social, política e cultural. Nossa intenção e ponto de partida para abordar tais questões têm como referencial a necessidade de impedir a reprodução do autoritarismo e de trabalhar pela reorganização democrática da sociedade brasileira. E, em intima relação com isso, mas num plano histórico necessariamente mais amplo, a reflexão indispensável e atual para continuar definindo aquilo que costumamos chamar de nosso caminho para o socialismo. São essas as linhas que demarcam o espaço em que queremos nos movimentar.

Presença não pretende outra originalidade – é o que pensam e aspiram seus organizadores – a não ser a da tolerância e generosidade democráticas, qualidades quase sempre ausentes, em nosso país, nas publicações patrocinadas por organizações, movimentos ou grupos socialistas. Invertendo uma prática ortodoxa, desejamos e precisamos de tolerância, sem que isto signifique perda de identidade ideológica ou filosófica. Identidade de resto necessária, se acreditamos nas virtudes do pluralismo e da diversidade que geram a polêmica e ajudam a inventar e descobrir as soluções originais exigidas pelas peculiaridades de nossa realidade econômica, social, política e cultural.

A criação desta revista não é, portanto, casual: ela surge para responder a uma demanda concreta que reponta, insistentemente, seja no mundo do trabalho, seja no mundo da cultura. Não pretendemos – e julgamos nocivo – qualquer tipo de monopólio nesse campo de produção de idéias. Desejamos é estar presentes entre os que pensam nossa realidade e buscam soluções para suas questões de hoje e de amanhã.

Presença, apesar do seu espírito renovador, quer dar continuidade à tradição de outras publicações brasileiras que, no passado, mantiveram laços estreitos e foram porta-vozes do movimento operário e revolucionário, tais como Movimento Comunista, Literatura, Diretrizes, Fundamentos, Estudos Sociais, Revista Brasiliense, etc.

Presença não se vincula organicamente a qualquer partido ou formação política, ainda que,, num plano mais elevado, deseje firmemente engajar-se no amplo e criativo universo constituído por pessoas, organizações e movimentos que aspiram um futuro democrático e socialista para o nosso povo. Infere-se daí que o seu objetivo não é apenas, e nem principalmente, o de divulgar, propagar ou enriquecer idéias, orientações e teses já aprovadas por grupos, movimentos ou partidos. Isso não significa porém que a posição crítica da revista seja negativista. Desejamos ardentemente que as idéias e sugestões que enriquecem e alargam os horizontes dos partidários da democracia e do socialismo sejam aqui devidamente acolhidas e valorizadas, independentemente de seus autores ou origem. Nossas páginas estarão abertas a analisar e debater todas as questões relacionadas com as preocupações aqui mencionadas. Queremos ajudar a organizar, mas não faz parte do nosso projeto sermos, nós mesmos, um instrumento direto de organização, com as obrigações e disciplina que isso implica. Nossa conduta será assim traçada única e exclusivamente pelos órgãos responsáveis pela publicação da revista, cujos nomes aparecem em nosso expediente.

Presença começa a circular num momento complicado da vida do país. Um momento cheio de interrogações difíceis de serem respondidas. Assistimos, com preocupação crescente, a uma crise econômica de largas proporções, tornada quase insolúvel na medida em que perdura a crise político-institucional a que fomos conduzidos. São tantos os erros cometidos pelo governo federal, são tão grandes e dramáticas as suas conseqüências para a vida do povo, que não vacilamos em dizer que enquanto nação estamos rapidamente nos aproximando de uma situação limite, repleta de tensões sociais e de ameaças de perigosas rupturas políticas. Não nos referimos aqui, é claro, àquelas rupturas necessárias para vencer o autoritarismo militar, que devem ser planejadas e controladas, e sim as provocadas por explosões indesejadas e incontroladas, capazes de nos levar a um retrocesso político em curso desde a aprovação da Anistia. Neste longo e sinuoso processo, ao lado das liberdades conquistadas, subsistem muitas das instituições implantadas pelo golpe militar de 1964, e permanece quase intocado o arbítrio do Poder Executivo.

Enquanto cresce o movimento de opinião pública pelas eleições diretas e contra a forma com que o governo conduz a negociação de nossa dívida externa, mais o núcleo do regime se enrijece, fecha-se em si mesmo e se obstina em prosseguir no caminho que só ele escolheu e que só ele deseja. Foge, assim, a uma negociação muitas vezes proposta por amplos setores da oposição. Negociação que signifique o afastamento do país dos rumos atuais e a opção por políticas que tenham como referência a manutenção e o alargamento das liberdades democráticas, defesa do nível de vida dos trabalhadores, o combate ao desemprego e a recessão e a defesa da soberania nacional. Negociação que se apresenta como o caminho viável para a superação do impasse político-institucional que está em acelerada gestação.

Permanecendo impermeável à negociação – e assim estimulando o surgimento de pólos vários de intransigência – o governo apenas contribui para criar no campo político nacional dois grandes blocos antagônicos, prontos para o confronto.

Utilizando os instrumentos próprios de uma publicação como esta, orientaremos nossos esforços para mostrar que, ao longo de nossa história, poucas vezes acumularam-se tantos elementos com potencialidade capaz de determinar um grande avanço democrático ou de conduzir a um retrocesso político, retrocesso que, nas condições políticas atuais, pode assumir as proporções de uma tragédia nacional. Estaremos presentes nesse combate.

Ao lado das forças democráticas, seja no campo da política propriamente dita, seja no campo da cultura, procuraremos evitar o retrocesso e nos esforçaremos para dar continuidade à abertura. Queremos vencer a crise sem comprometer a soberania do Brasil e sem prejudicar o futuro de seu povo.

Presença terá os olhos abertos para o que se passa no mundo. Aqui, nossa preocupação fundamental fixar-se-á nas questões relacionadas com a manutenção da paz e da solidariedade necessárias aos povos que lutam por sua independência e soberania. Tentaremos sair das questões gerais para nos determos na especificidade da ação do nosso povo e de nosso país no terreno das relações internacionais.


Presença, finalmente, dispõe-se a analisar os movimentos sociais que surgem com ímpeto e diversificadamente em todos os pontos do país. Seremos particularmente sensíveis aos problemas relacionados com a organização e o futuro do movimento operário e do movimento camponês; isso, obviamente, não significará qualquer omissão de nossa parte em relação a segmentos tão importantes da sociedade civil quanto são as organizações e movimentos de mulheres, de jovens e de intelectuais.

É esta a revista que desejamos. É esta a revista que tentaremos fazer.

Um comentário:

Unknown disse...

Essa importante revista deveria ser toda digitalizada!!