sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Míriam Leitão – Teto voador assombra equipe

- O Globo

Idas e vindas sobre o teto de gastos mostram que Bolsonaro não tem convicção alguma sobre a questão-chave que divide hoje o seu governo

A equipe econômica já havia conversado com o presidente Bolsonaro, explicando que a pressão que ele estava recebendo de alguns ministros para abandonar o teto de gastos não fazia sentido. Ela pensava estar tudo resolvido, até que Bolsonaro disse na quarta-feira que era uma questão “matemática” sugerindo que o teto tinha que ser mudado. O porta-voz confirmou. Ontem Bolsonaro amanheceu nas redes sociais com a declaração inversa. Ou seja, a matemática mudou durante a noite. E o que ele realmente pensa sobre o assunto?

O problema é maior do que parece. Não é apenas se vai ser adotada uma medida econômica ou outra. Se o teto cair, sem nada no lugar, será uma licença para gastar, o abandono do ajuste fiscal e a derrota completa do ministro Paulo Guedes.

O que ele chegou dizendo: que zeraria o déficit no primeiro ano, que acabaria com os subsídios e renúncias fiscais que chegam a R$ 300 bilhões por ano, que venderia R$ 1 trilhão de imóveis e de empresas estatais. E que desindexaria, desobrigaria e desvincularia as despesas. Que faria um pacto federativo em torno da desvinculação.

No mercado financeiro, em momento típico de autoengano, muita gente repetia que o ministro Paulo Guedes, liberal e sofisticado, levaria o presidente Jair Bolsonaro — defensor do fuzilamento do ex-presidente Fernando Henrique por ter privatizado — para o bom caminho. A declaração grosseira de Guedes ontem sobre Brigitte Macron não tem nada a ver com economia, mas mostra que é Guedes quem anda absorvendo o estilo e as ideias do chefe. Também como o chefe, disse depois que era “brincadeira”.

A segunda declaração anulou a primeira, mas deixou uma dúvida. Bolsonaro foi muito enfático ao dizer que era inevitável mudar o teto de gastos. E até explicou que havia se arrependido de ter votado a favor da PEC, avisando que “as pessoas evoluem”. O que os dois dias mostraram é que o presidente não tem convicção alguma sobre a questão-chave que divide hoje o seu governo.

De um lado, o entorno do presidente vem repetindo a ele que o “arrocho” nas despesas vai impedir que ele realize seu projeto de reeleição. De outro, a equipe diz que terá que ser iniciada a duríssima discussão da desvinculação de despesas. Na reforma da Previdência, o presidente cruzou os braços e só os descruzou para fazer defesas corporativistas. Mesmo assim, ela está indo em frente porque políticos convictos da necessidade da reforma fizeram o trabalho que o governo teria que fazer. O problema é que mudar a estrutura rígida das despesas significa dizer ao setor da educação que ele pode não ter mais o mínimo constitucional, para o setor de saúde, a mesma coisa. E todas as receitas que têm endereço certo deixarão de ter. Esse é o debate mais duro possível. Em época de escassez, a tendência é cada setor defender o seu. A soma das partes é sempre maior do que o todo. Por isso o país tem déficit.

O teto de gastos não é a única forma de resolver o problema do déficit primário. Os economistas Fábio Giambiagi e Guilherme Tinoco, que são especialistas em política fiscal e sempre defenderam o equilíbrio das contas públicas, sugerem mudanças do teto porque consideram que seu cumprimento é inviável até 2026.

A mudança de posição foi comemorada por economistas que há tempos pedem o fim do teto. Mas Giambiagi e Tinoco colocam uma série de pré-condições, algumas bem duras: o salário mínimo só seria corrigido pela inflação por dez anos, reajuste nominal abaixo da inflação dos servidores até 2023 e reestruturação de carreiras do funcionalismo.

— A proposta não pode nem deve ser interpretada de forma alguma como licença pra gastar. Só viria após a aprovação da reforma da Previdência e de mais medidas de ajuste fiscal —diz Fábio.

O que Bolsonaro e seu entorno querem é sim uma licença para gastar. O presidente acha, como todos os políticos populistas, que isso pavimentará a estrada que lhe dará mais um mandato. Se for esse o caminho, como ficará o plano de Paulo Guedes de ajuste fiscal? Se não for isso, Guedes terá que ter alguma resposta para evitar o cenário que Bolsonaro mais teme. O de ter que apagar as luzes de todos os quartéis. Como já está no nono mês do governo, o ministro da Economia tem que ir além de meros discursos para entreter plateias. Repetir os mesmos projetos e não dizer como vai colocá-los em prática já está ficando feio.

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