domingo, 22 de setembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Olhe os editoriais de hoje:

Aposta na confusão – Editorial | Folha de S. Paulo

Medidas de Bolsonaro e decisão tomada por Toffoli travam atuação do antigo Coaf

Peça essencial para o combate ao crime organizado, a agência responsável pelo monitoramento de transações financeiras atípicas vive dias atribulados desde a chegada de Jair Bolsonaro (PSL) ao poder.

Originalmente um apêndice da área econômica, o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) já mudou de endereço três vezes neste ano e ainda funciona em caráter precário.

Bolsonaro transferiu o órgão para a pasta da Justiça ao assumir, mas o Congresso barrou a mudança; o presidente desistiu da ideia e encarregou o Ministério da Economia de redesenhar a instituição.

Medida provisória rebatizou o órgão como UIF (Unidade de Inteligência Financeira) há um mês e o alojou no Banco Central. A mudança ainda depende do aval do Congresso para se tornar definitiva.

O vaivém teve forte impacto no trabalho da repartição. Como esta Folha noticiou, foram produzidos apenas 136 relatórios de inteligência em agosto, bem abaixo da média observada no primeiro semestre do ano, de 741 por mês.

Decerto a queda de produtividade é reflexo também de uma decisão tomada em julho pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que estreitou sobremaneira os limites estabelecidos para a atuação da agência.

A pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente e alvo de inquérito com origem num relatório do Coaf, o ministro suspendeu todas as investigações baseadas em dados compartilhados por órgãos de controle sem autorização judicial.

Ao justificar a iniciativa, o presidente do Supremo defendeu a necessidade de estabelecer limites mais precisos para o trabalho de instituições como o Coaf e evitar que sejam usados para promover devassas sem a devida supervisão.

A indefinição sobre essas balizas permaneceu, porém, gerando enorme incerteza. Informações recebidas do sistema financeiro têm sido represadas pelo órgão, que não sabe como processá-las sem desrespeitar a decisão de Toffoli.

Conforme o calendário do Supremo, o plenário do tribunal se reunirá para deliberar sobre o assunto somente no fim de novembro.

Cabe ao STF e ao Congresso remover logo as incertezas que travaram o Coaf, fixando seus limites com rigor para proteger os cidadãos contra abusos da máquina estatal —e evitando que a paralisação das investigações sirva apenas para beneficiar malfeitores.

Mau político não cai do céu – Editorial | O Estado de S. Paulo

Passou no Congresso um pacote de bondades para os partidos políticos que, sob qualquer ponto de vista, é indecente. Em meio à crise orçamentária que afeta praticamente todos os setores do Estado, o projeto aprovado abre caminho para que essas agremiações privadas se esbaldem ainda mais com dinheiro público, razão pela qual o presidente Jair Bolsonaro, a bem da moralidade pública, tem de vetá-lo.

A versão aprovada pela Câmara a toque de caixa escarnece dos cidadãos ao amenizar punições aos partidos, anistiar multas e dificultar a fiscalização de seus gastos – sem falar na obscena permissão de recorrer ao fundo partidário para pagar advogados que atuam na defesa de filiados acusados de corrupção.

Em razão da pressão exercida sobre os parlamentares nas redes sociais, o pacote chegou a ser parcialmente desidratado no Senado, que, no entanto, manteve a possibilidade de elevação do fundo partidário, hoje em R$ 1,7 bilhão – originalmente, os deputados pleiteavam R$ 3,7 bilhões. Com a devolução do projeto à Câmara, os deputados restauraram praticamente todas as benesses que haviam sido suprimidas pelos senadores e aprovaram o pacote, restando agora apenas a sanção presidencial.

Seja qual for o desfecho desse episódio, trata-se de manifestação inequívoca de que resiste em parte do Congresso, a despeito da grande renovação promovida nas últimas eleições, um espírito retrógrado, que confunde política com esperteza e abastarda a representação democrática.

Tal comportamento de alguns parlamentares deu azo a que recuperasse força, em parte da opinião pública, o discurso segundo o qual os partidos se prestam somente a representar os interesses de seus proprietários, e não os dos eleitores, e a política não passa de um rentável negócio para quem a exerce no Congresso.

Ora, é preciso lembrar, mais uma vez, que os políticos – tanto os bons como os maus – são escolhidos em eleições livres e democráticas pelos cidadãos. Se os brasileiros querem políticos melhores do que os que aí estão, devem ponderar melhor as alternativas oferecidas antes de fazer suas escolhas na urna eletrônica – e, passada a eleição, devem engajar-se na trabalhosa tarefa de exercer a cidadania que a Constituição garante a todos. Ou seja, devem participar ativamente da vida política nacional.

Essa participação pode se dar de diversas maneiras. Em primeiro lugar, é indispensável procurar informação de qualidade sobre os problemas nacionais e sobre as propostas para resolvê-los. Quem forma opinião somente pelo que lê nas redes sociais, ambiente ideal para a proliferação da desinformação, tende a escolher políticos oportunistas cuja única qualidade é saber explorar esse palanque virtual, pois nada entendem de políticas públicas e nada têm a oferecer de concreto para a solução das múltiplas crises do País – dominam apenas a arte de espalhar fanfarrices que “lacram” na internet. Em segundo lugar, o cidadão consciente de suas obrigações perante a sociedade deve guardar o nome dos políticos em quem votou e acompanhar seu trabalho no Legislativo, instando-os a cumprir bem seu papel. O ideal, além disso, é que os eleitores estabeleçam com os partidos políticos um vínculo que demande dessas agremiações uma atuação política sólida e coerente, capaz de traduzir os anseios da parcela da população que pretendem representar.

Tudo isso, é claro, obriga os cidadãos a encarar a política não como espaço privativo dos políticos profissionais, mas sim como a arena pública onde os diferentes pontos de vista da sociedade são confrontados para que se extraiam os consensos mínimos necessários para enfrentar os problemas do País.

A isso se denomina responsabilidade cívica. É claro que os eleitores têm todo o direito de se queixar dos políticos e de se desencantar com os partidos, mas não devem esperar que um salvador surja para depurar a democracia, pois isso enseja o exercício autoritário do poder. Em vez disso, devem ter disposição para assumir os encargos previstos no parágrafo único do artigo 1.º da Constituição, aquele que diz que “todo o poder emana do povo”. Se é assim, então cabe ao povo fazer com que esse poder seja exercido da melhor maneira possível, por meio dos diversos mecanismos de controle e de pressão que a democracia coloca à disposição de todos.

Desperdício de dinheiro na Educação – Editorial | O Globo

Ensino médio continua em crise, e governo acha que o problema é falta de disciplina

Não faltam dados par amostrara dimensão da crise educacional brasileira. O foco tem estado no ensino básico, mas as dificuldades e deficiências se distribuem por todo o ciclo de aprendizado, do fundamental ao superior. Por ser um sistema integrado, seria impossível que falhas em segmentos iniciais do ensino não se propagassem pelo resto da vida escolar.

Há ações para tentar corrigir os desvios. Mas os resultados têm sido lentos. No início do ensino fundamental ocorrem melhorias, e metas de aprendizado são atingidas. Mas, à medida que o estudante avança na sua vida escolar, os problemas surgem, e a evasão cresce.

No ensino médio, as deficiências são muito visíveis. No governo de Michel Temer, foi desenhada uma razoável reforma para o segmento, enquanto se andava coma importante criação do currículo único, para a uniformização dos conteúdos essenciais a serem ensinados nas salas de aula em todo o país, sem tirar espaço para as características regionais. São movimentos certos feitos num gigantesco sistema educacional, em que os resultados demoram a aparecer — embora este tempo esteja longo demais.

Em reunião da Associação Brasileira de Avaliação Educacional (Abrave), segundo O GLOBO, foram apresentados estudos que reforçam as preocupações com o ensino médio. Por exemplo: só 39% dos alunos que em 2010 estavam no 6º ano do fundamental concluíram o ensino médio. E 22% continuavam na escola, mas em séries atrasadas. Portanto, metade dos alunos não chegou ao fim do ensino básico.

Um trabalho do pesquisador Ruben Klein chamou a atenção para a perversa correlação entre repetência e evasão. Não são problemas estanques. No ensino médio público paulista, 13% dos alunos não passam de ano ou desistem. E só 4% dos que permanecem até o final aprendem a matemática exigida. Na rede da cidade do Rio, o índice é o mesmo na segunda parte do ciclo fundamental. Também 13% são reprovados ou abandonam o curso.

Deste encadeamento de problemas no ensino básico só poderia resultar um ensino superior com uma cobertura insuficiente. Trabalho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado no início do mês, avaliou 45 países e, entres eles, o Brasil é um dos cinco com as menores taxas de pessoas com nível superior — ao lado de China, Indonésia, Índia e África do Sul.

Enquanto isso, o governo Bolsonaro despende dinheiro numa rede de escolas militares, achando que o problema da educação brasileira é falta de disciplina. Nem mesmo altos escalões das Forças Armadas concordam com o projeto. Disciplinados, não se pronunciam.

Começa-se agastar um dinheiro que poderia ser canalizado para escolas públicas “civis” melhorarem seu padrão de ensino e atingirem níveis de excelência que já existem em outros estabelecimentos não militares. A contaminação ideológica no MEC passa a desperdiçar recursos públicos escassos em um projeto de prioridade discutível.

Êxito na ONU vai depender da competência política de Bolsonaro – Editorial | O Globo

Crescem pressões por menos discursos vagos e mais compromissos multilaterais efetivos

É surreal que o país com a maior biodiversidade do mundo tenha um governo percebido como protagonista de um desastre ambiental de proporções amazônicas. Essa, no entanto, é a visão dominante sobre a realidade brasileira, levada ao centro do debate na Assembleia Geral da ONU, com 148 líderes, e nos mais de 220 eventos paralelos da Semana do Clima, em Nova York.

Estão previstas 4.482 outras manifestações em 132 países. É clara evidência do avanço das pressões por menos discursos vagos e mais compromissos multilaterais concretos para um redesenho da economia, com novos padrões socioambientais. É natural a preocupação com os incêndios e o aumento do desmatamento na Amazônia.

Espera-se uma resposta assertiva do Brasil à crise climática. Ela representa uma oportunidade ímpar de cooperação para o desenvolvimento regional, como notaram 230 fundos internacionais de investimentos em inédita avaliação divulgada na semana passada. Juntos, respondem por R$ 66 trilhões em ativos — dez vezes mais que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

O alerta desses investidores sugere o quanto seria paradoxal, e pouco inteligente, o governo Jair Bolsonaro insistir numa política negacionista, em confronto com a Ciência.

Presidente e ministros poderiam adotar um pragmatismo construtivo. Precisam se comprometer com um projeto eficaz, inovador no equilíbrio entre exploração dos recursos e preservação ambiental, com governos, empresas e comunidades.

As grandes empresas de produção e comercialização de commodities estão apelando, publicamente, por uma política de não desmatamento. Não se trata de filantropia, mas porque isso é bom para os negócios.

Os 230 fundos de investimento deixaram isso claro em carta pública: “Estamos preocupados com o impacto financeiro que o desmatamento pode ter sobre as empresas em que investimos, aumentando potencialmente os riscos de reputação, operacionais e regulatórios (...) Estamos preocupados com o fato de as empresas expostas enfrentarem dificuldade crescente de acessar os mercados internacionais.”

Um ano atrás, o então candidato Bolsonaro desdenhava das Nações Unidas. “Se eu for presidente”, disse no dia 18 de agosto, “eu saio da ONU, não serve pra nada esta instituição”.

Nesta semana, terá a chance de entender por que há 72 anos a ONU é o fórum adequado para uma resposta multilateral à crise climática . O êxito brasileiro vai depender, exclusivamente, da competência política do governo Jair Bolsonaro.

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