quarta-feira, 11 de setembro de 2019

O que pensa a mídia – Editoriais

Flerte com o golpismo – Editorial | O Estado de S. Paulo

A confusão de enigmáticas formulações que o vereador Carlos Bolsonaro frequentemente publica em suas redes sociais, especialmente no Twitter, costuma ser motivo de troça. No entanto, poucas vezes o “02” foi tão claro como na segunda-feira passada. “Por vias democráticas”, escreveu, “a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos.”

Trata-se, é evidente, de uma gravíssima sinalização para a ruptura das regras do Estado Democrático de Direito – um golpe – como único caminho para chegar à tal “transformação” do País na velocidade “almejada”, seja lá o que isso signifique.

No Palácio do Planalto, dois auxiliares do presidente disseram ao Estado que “o que Carlos fala não se escreve”. Um ministro de Estado classificou a postagem do vereador como “uma maluquice”. É um erro fazer pouco-caso de tão vil afirmação. É um erro banalizar o absurdo. Todas as vozes em favor da lei, da liberdade e da democracia devem se levantar em horas como essa.

Faz-se urgente e necessária a manifestação do presidente da República. Jair Bolsonaro precisa dizer claramente aos brasileiros o que pensa sobre a declaração de seu filho.

Fosse qualquer amalucado publicando seus desatinos liberticidas na internet – e os há aos montes –, não haveria razões para preocupação. Mas quem veio a público flertar com o golpismo não foi um qualquer, foi um dos filhos do presidente da República, alguém que tem acesso direto a ele e é ouvido a qualquer hora com especial atenção. É muito importante, pois, que o País saiba como seu presidente recebe a grave assertiva de Carlos Bolsonaro.

A declaração do vereador mereceu o repúdio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “Frases como essa colaboram muito com a insegurança dos empresários brasileiros e estrangeiros de investir no Brasil. A conta de nossas frases é paga pelo povo mais pobre. Cada um de nós tem de refletir e tomar muito cuidado com o que diz”, disse Maia.

A reação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), à fala de Carlos Bolsonaro foi no sentido de fortalecer a democracia representativa. “No Parlamento brasileiro, a democracia está fortalecida. As instituições estão pujantes, trabalhando a favor do Brasil. Então, uma manifestação ou outra em relação a esse enfraquecimento tem de minha parte o desprezo”, disse Alcolumbre quando perguntado sobre a afirmação de Carlos.

O presidente em exercício, Hamilton Mourão, também veio a público afirmar que “a democracia é fundamental” e que há de se “negociar com a rapaziada do outro lado da Praça (dos Três Poderes). É assim que funciona (no regime democrático). Com clareza, determinação e muita paciência”.

As manifestações das três autoridades foram muito importantes para reassegurar que há gente responsável em Brasília, ciosa do poder que têm suas ações e palavras. Os valores do Estado Democrático de Direito precisam ser defendidos a todo tempo, a qualquer preço. Um golpe contra as instituições democráticas não deixa de ser abjeto só porque não foi levado a cabo. A sua simples sugestão é um caso de lesa-pátria.

Diante da repercussão negativa de sua declaração – não sem razão –, Carlos Bolsonaro veio a público dizer que sua intenção foi acalmar quem exige do governo federal rapidez na mudança nos rumos do País, enfatizando que, “por vias democráticas”, tais mudanças demoram a produzir resultados. Faltou explicar que mudanças são essas e quem as almeja. Ao fim e ao cabo, a culpa, como de hábito, recaiu sobre os jornalistas “canalhas”, incapazes de interpretar corretamente o que quis dizer o vereador. A mensagem, no entanto, foi bem clara. Carlos Bolsonaro é tido como exímio manipulador das redes sociais. Sabia de antemão da gravidade do que escreveria e da repercussão que sua fala teria nas hostes bolsonaristas na internet.

A família Bolsonaro nunca foi particularmente conhecida por sua defesa da liberdade e dos valores democráticos. Por essa razão, é imprescindível que o patriarca, ainda no hospital, faça os devidos reparos ao filho para que não pairem dúvidas sobre o destino que pretende dar a seu governo.

Moderador de apetite – Editorial | Folha de S. Paulo

Sem respaldo da opinião pública, pauta de costumes da direita para no Congresso

Quem faz oposição responsável à massa direitista que se espessa desde as eleições municipais de 2016 deveria estar atento a uma distinção crucial. Há que separar atitudes e propostas conservadoras legítimas, embora criticáveis, das que ameacem pilares do pacto civil.

A estas últimas não cabe outra reação que não o repúdio frontal. Um prefeito que manda censurar livros, como fez Marcelo Crivella (PRB) na Bienal do Rio, não entendeu onde estão as linhas do campo de jogo. O vereador Carlos Bolsonaro (PSL), ao criticar os meios democráticos, tampouco.

Há, no entanto, um conjunto de iniciativas oriundas de políticos conservadores que, por observar os protocolos regulares da tramitação, exige respeito pelos resultados institucionais que venha a produzir, goste-se ou não deles.

Mesmo na contramão das evidências científicas e do que ocorre no resto do mundo, flexibilizar a posse e o porte de armas vai se tornar política pública legitimada caso as propostas nesse sentido obtenham maioria no Congresso Nacional, sejam sancionadas pelo presidente e ratificadas pelos controles do Supremo Tribunal Federal.

Isso também vale, entre outros casos, para o projeto de reduzir a maioridade penal, o de definir o núcleo familiar como união entre homem e mulher, o de ampliar a restrição ao aborto e o de disciplinar a conduta de professores.

O andamento bastante lento dessas propostas no Legislativo federal, como mostrou a Folha nesta terça (10), revela a dificuldade da pauta conservadora de costumes já no ponto inicial da trajetória.

Tomam-lhe a frente evidentes prioridades, sobretudo o extenso rol de modificações normativas para tirar os tesouros estatais da falência e a economia do buraco. Mas decerto um pedaço da resistência pode ser atribuído à carência de massa crítica parlamentar para fazer os projetos caminharem.

As lideranças que coordenam maiorias congressuais atuam como uma espécie de moderador de apetite para propostas radicais. Agiam de modo parecido quando o Planalto era comandado pela centro-esquerda petista e recobram a função agora, com seus filtros direcionados à direita que ascendeu com Jair Bolsonaro (PSL).

A maior parte da população não se identifica com a pauta de costumes da nova direita, como já mostrou o Datafolha. Muitos elementos dessa agenda configuram importações caricatas de temas que vicejam no ambiente sociopolítico dos Estados Unidos, mas que são estranhos à realidade brasileira.

Ao colocar areia na engrenagem neodireitista, as maiorias do Congresso não deixam, assim, de cumprir seu papel de refletir preferências de quem lhes deu o mandato.

A volta da CPMF requer debates e explicações – Editorial | O Globo

É grande a resistência ao imposto, com razão, e por isso será preciso um esforço de convencimento

O avanço da tramitação do projeto da reforma da Previdência na sua segunda e última etapa, a do Senado, acelera o debate sobre o próximo conjunto de mudanças necessárias para repor o país no caminho do crescimento.

Nele, entre outras agendas, tem relevância a reforma tributária, uma daquelas muito faladas e discutidas e nunca executadas — devido ao fato de ser um tema de interesse imediato das pessoas, das empresas e dos entes públicos.

Mexer em impostos é colocar a mão na renda disponível para todos. Mas, assim como na Previdência, é tarefa a ser enfrentada há tempos, e sempre adiada.

As distorções que se acumularam produziram um sistema tributário burocratizado, impenetrável, que exige elevado custo das empresas para aplicá-lo. E também iníquo, por cobrar, em certos casos, mais dos pobres do que dos ricos. Além de outras mazelas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, em recente entrevista ao “Valor Econômico”, deu informações sobre talvez o núcleo mais importante das mudanças que deverá propor: a criação do Imposto sobre Transações Financeiras (ITF), a terceira reincarnação do “imposto do cheque”.

Instituído como Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) ainda no governo Itamar Franco, em 1993, foi ressuscitado como Contribuição (CPMF) por Fernando Henrique Cardoso. O “Provisório” da sigla nunca foi levado ao pé da letra. O imposto foi extinto pelo Senado em 2007, no governo Lula, com poucos defensores.

O ministro terá de superar resistência do próprio presidente Bolsonaro, que garantiu não recriar o imposto. Mas como o próprio Paulo Guedes disse ao “Valor”, Bolsonaro também era contra a reforma da Previdência. E teria sido convencido por argumentos racionais.

O enfrentamento maior será no Congresso, que reflete a péssima imagem que a sociedade tem, com razão, da CMPF.

Um trunfo de Paulo Guedes é que o ITF não elevará a carga tributária, porque servirá para substituir os gravames que pesam nas folhas de salários.

De fato, taxar o emprego é eficiente instrumento antissocial. O chamado “custo trabalhista” —fruto da cultura varguista — chega, em alguns setores, a representar um salário adicional que o empregador precisa entregar ao Estado.

Daí ser grande impulsionador do subemprego e do emprego informal.
O novo imposto, antecipou ontem o secretário-adjunto da Receita, Marcelo de Sousa Silva, poderá ter uma alíquota inicial de 0,4% no saque e depósito e 0,2% em débitos e créditos.

Mas faltam esclarecimentos e debates. Afinal, um dos piores malefícios destes impostos em cascata é onerar mais setores com uma cadeia de suprimento maior, como é a indústria moderna.

O Estado precisa de uma reforma administrativa séria – Editorial | Valor Econômico

Com a maior despesa pública, a previdência social, agora caminho de um crescimento suave, e não explosivo, o governo terá de encontrar uma solução para o segundo gasto que mais pesa no orçamento - a folha de pagamentos. Não se trata apenas de equação urgente para reduzir os déficits fiscais. É também uma questão de eficiência - a avaliação dos usuários sobre os serviços que o Estado presta é muito negativa - e de justiça social. Os servidores públicos, na média, ganham mais de 50% acima da média dos trabalhadores privados, já considerado o grau de instrução e funções, e têm benefícios que os demais, que lhes pagam os salários, não possuem. São praticamente indemissíveis e várias categorias usufruem de uma série de penduricalhos que engordam substancialmente seus vencimentos.

Além disso, a baixa produtividade média geral dos funcionários do Estado pesa bastante na baixa produtividade do país. A grosso modo, uma em cada cinco pessoas empregadas no setor formal trabalhava em algum emprego em que a União, Estados e municípios eram os contratantes em 2015.

As várias dimensões da questão precisam ser abordadas em conjunto. A primeira delas, a fiscal, exige uma resposta mais imediata, já que o teto de gastos, testado pelo avanço das despesas obrigatórias, que expulsa as discricionárias - e aniquila os investimentos públicos - precisa ser mantido e aperfeiçoado. O governo tende a reparar agora uma falha no dispositivo, não percebida no início, de que é impossível acionar os gatilhos que permitiram que o teto não desabe, já que a peça orçamentária tem ela própria de respeitá-lo. Uma PEC, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) procura abrir esse caminho, que seria pavimentado pela possibilidade de reduzir a jornada e os salários dos servidores, suspender o abono salarial, pelo lado das despesas, e reduzir benefícios fiscais e aumentar a alíquota do INSS, pelo das receitas (O Globo, 7 de setembro).

A PEC em tese resolverá o problema para o qual a lei de responsabilidade fiscal buscou a solução e foi barrado pela Justiça. O Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional medidas de correção previstas na lei que estabeleciam os pontos agora considerados, como redução de salários e jornada.

A aprovação da PEC seria apenas parte de uma solução provisória para a questão dos gastos com pessoal. O governo precisa realizar uma reforma administrativa séria, para além das dificuldades conjunturais. Há propostas conhecidas que deveriam ser aproveitadas, como as feitas por Ana Carla Abrão, Armínio Fraga, ex-diretor do BC e Carlos Sundfeld, em estudo para a consultoria Oliver Wyman.

O diagnóstico parte de números conhecidos, como os elaborados pela OCDE e o Banco Mundial. O Brasil, entre os emergentes, é o que mais gasta com o funcionalismo, depois da África do Sul. Ainda que essa despesa avance em ritmo menor que a da previdência, em termos reais cresce mais do que as receitas públicas (56% ante 42% entre 2003 e 2016). Em todas as esferas (União, Estados e municipios), incluindo benefícios, essa rubrica soma 13,3% do PIB, maior até que os 10,4% dos países desenvolvidos. A folha de pagamentos do setor público na União encosta nos 40% da receita corrente líquida - nos Estados é muito superior e contam-se nos dedos aqueles que se mantiveram nos limites fixados pela LRF.

Consertar as deficiências é uma batalha política séria, que precisa ser travada. Racionalizar a máquina pode ser o primeiro passo. O estudo aponta a existência de 309 carreiras na União, mais de 100 nos Estados e pelo menos 40 nos municípios. Cada uma delas é regida por dispositivos legais próprios, criando uma Babel cujos efeitos são a garantia inamovível de benefícios e vantagens.

Promoções e aumentos salariais ignoram o mérito. A avaliação do desempenho é inexistente ou pró-forma, enquanto que a escala de vencimentos parece, para quem não trabalha para o Estado um paraíso: há promoções e progressões automáticas. Esse ponto é particularmente importante. O mau desempenho é um dos poucos motivos pelos quais um servidor pode ser demitido e não é levado a sério. A estabilidade, que está no centro dessas questões, é outro. O estudo não a menciona, mas ultrapassar os três primeiros anos na carreira garante, no esquema vigente, uma vida profissional sem sobressaltos. É importante elevar a barreira probatória e restringir a estabilidade só a carreiras típicas de Estado, o que não é feito e precisaria ser.

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