quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Presidente do Chile condena falas de Bolsonaro sobre pai de Bachelet

'Não compartilho em absoluto à menção feita pelo presidente', disse Piñera em pronunciamento

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO E LISBOA - O presidente do Chile, Sebastián Piñera, disse em pronunciamento nesta quarta-feira (4) não compactuar com as falas do presidente Jair Bolsonaro sobre o pai de Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para direitos humanos e ex-presidente do Chile.

Piñera, um dos principais aliados regionais de Bolsonaro, afirmou que "toda pessoa tem o direito de ter seu juízo histórico sobre os governos dos anos de 1970 e 1980, mas que estas visões devem ser expressadas com respeito às pessoas".

"Não compartilho em absoluto à menção feita pelo presidente Bolsonaro por respeito à uma ex-presidente do Chile e, especialmente, em um tema tão doloroso como a morte de seu pai."

Piñera também reforçou que seu compromisso sempre foi com a democracia, a liberdade e os direitos humanos "em todo o tempo, lugar e circunstância".

O presidente Jair Bolsonaro atacou nesta quarta o pai de Michelle Bachelet, Alberto Bachelet, que foi torturado e morto pela ditadura militar de Augusto Pinochet.

A crítica veio após Bachelet dizer em uma entrevista que o Brasil sofre uma "redução do espaço democrático", especialmente com ataques contra defensores da natureza e dos direitos humanos.

"Michelle Bachelet, seguindo a linha do [presidente francês Emmanuel] Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos [de bandidos], atacando nossos valorosos policiais civis e militares", escreveu o presidente em uma rede social.

"Diz ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece de que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à epoca", prosseguiu Bolsonaro, que publicou também uma foto de Bachelet, quando presidente, ao lado das ex-mandatárias Dilma Rousseff (Brasil) e Cristina Kirchner (Argentina).

Alberto Bachelet, pai de Michelle, era general de brigada da Força Aérea e se opôs ao golpe militar dado por Augusto Pinochet em setembro de 1973. Ele foi preso e torturado pelo regime e morreu sob custódia, em fevereiro de 1974.

A ex-presidente chilena também foi presa e torturada por agentes de Pinochet em 1975.

Mario Dujisin, que foi chefe do Departamento Internacional e Imprensa Estrangeira do Chile até o golpe de Estado de 1973, repudiou as declarações afirmando que "dizer que os militares salvaram o Chile de uma ditadura cubana é uma falsidade e uma tremenda ignorância sobre quem era Salvador Allende."

"Mas é claro, isso seria pedir demais à pobre cabecinha do capitão-presidente. Suas especializações são mentiras e insultos, especialmente dirigidos a mulheres, como a senhora Macron ou a senhora Bachelet. Esse maravilhoso Brasil merece algo muito melhor", afirmou Dujisi à Folha.

Na manhã desta quarta-feira, ao sair do Palácio da Alvorada para cumprir uma agenda em Anápolis (GO), Bolsonaro voltou a criticar Bachelet e a atacar seu pai.

O presidente disse que a alta comissária da ONU "defende direitos humanos de vagabundos".

"[Michelle Bachelet] está acusando que eu não estou punindo policiais, que estão matando muita gente no Brasil. Essa é acusação dela. Ela está defendendo direitos humanos de vagabundos", afirmou.

"Senhora Michelle Bachelet, se não fosse o pessoal do Pinochet derrotar a esquerda em 1973, entre eles o teu pai, hoje o Chile seria uma Cuba. Eu acho que não preciso falar mais nada para ela. Quando tem gente que não tem o que fazer, vai lá para a cadeira de Direitos Humanos da ONU", acrescentou o presidente.

Bachelet fez a declaração sobre a redução da democracia no Brasil em uma entrevista coletiva em Genebra, na Suíça, cidade sede do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

Este é o principal órgão da ONU para o tema. A função de Bachelet é chefiar o escritório e liderar esforços da organização, cujo objetivo é zelar pela defesa dos direitos humanos de todas as pessoas. Segundo o site do escritório, Bachelet coordena uma equipe de cerca de 1.300 pessoas

"Nos últimos meses, observamos [no Brasil] uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra defensores dos direitos humanos, restrições impostas ao trabalho da sociedade civil", disse.

Ela também apontou um aumento do número de pessoas mortas por policiais no Brasil, que afeta mais a negros e a moradores de favelas.

A ex-presidente chilena ainda lamentou o "discurso público que legitima as execuções sumárias" e a persistência da impunidade, além de questionar a política do governo de facilitar o acesso a armas.

A comissária recordou que ao menos oito defensores dos direitos humanos foram mortos no Brasil entre janeiro e junho, e que a maioria dessas mortes tiveram relação com disputas de propriedade, relacionada à "exploração ilegal de recursos naturais, principalmente agrícolas, florestais e minerais".

Para ela, essa violência ocorre em todo o país e afeta especialmente as comunidades indígenas. "33% dos incêndios florestais ocorrem em áreas indígenas ou de proteção", apontou.

"Dissemos ao governo que ele deve proteger os defensores dos direitos humanos e do meio ambiente, mas também examinar as medidas que podem desencadear violências contra esses defensores", afirmou Bachelet.

Com Giuliana Miranda

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