quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Rosângela Bittar - Fresta estreita para epifania

- Valor Econômico

Com umidade de deserto, Brasília sentiu uma brisa...

Finalmente, neste ano, uma semana leve, agradável e refrescante em Brasília, sob um sol de 35 graus (aqui é ardente) e umidade relativa do ar de 10%. Mas deu para curtir. As pessoas com arma na cintura saíram da cena política para aterrorizar, mais além, quem por desventura tivesse parentes indefesos internados em um hospital paulistano. Ainda bem que não houve imprevisto capaz de levar um filho a sacar para defender? exigir? intimidar? os circunstantes do leito de seu amado pai. Dramático, mesmo.

Fora da cena, também, perdeu-se acolá a insatisfação de preposto da República com a lentidão da democracia para resolver radicalmente os problemas, dele certamente. Convite ao golpe? O pai chora a incompreensão com o extremado filho. Dramático, mesmo.

Gigantes do início do governo, que andavam meio adormecidos, foram despertados para, com sua manifestação de ódio, tentar retomar o lugar deixado vago e panfletar o planeta. Dramático, mesmo.
Brasília, então, abriu a guarda e viveu dez dias relaxantes, nos quais não se ouviram provocações de ministros performáticos que dão asas a bobagens para agradar a plateia interna; nem puderam ser percebidos os efeitos das humilhações impostas a superministros que engoliram sapos lançados em rota interestadual. Todo o governo foi discreto.

Houve a distensão possível estando longe Jair Bolsonaro, seus cabos e sua tonitroante campanha eleitoral permanente e ininterrupta.

Mas diante da realidade, na qual somos todos obrigados a cair, que voltou ontem ao seu lugar, no centro da cena, viu-se que a fresta aberta pela ausência do protagonista não foi usada por ninguém. Os opositores de Bolsonaro se esconderam. Por leniência ou estratégia.

Nem o PT que, segundo a mais recente pesquisa eleitoral do Datafolha, venceria Bolsonaro se 2018 fosse hoje, tendo à frente o mesmo Fernando Haddad. Um equívoco de raiz que anula o valor da enquete para fins de prospecção do quadro eleitoral de 2022.

O adversário de Bolsonaro não é necessariamente Fernando Haddad, mas todos os demais que estiveram na última disputa e mais alguém que se habilite até lá. Sequer está escrito que o PT seguirá com Haddad: atenção a Rui Costa, o único a dar o ar da graça no cenário político aproveitando o silêncio momentâneo da campanha de reeleição.

A razão de Haddad ter sido tão lembrado na pesquisa pode ter sido o que os experts chamam de efeito questionário. As perguntas foram elaboradas em torno de uma reiteração do voto de 2018 e logo depois de uma série de lembranças sobre declarações e comportamentos estapafúrdios de Jair Bolsonaro.

As respostas podem ter sido afetadas por isso e deram maioria a Haddad. O pouco valor do resultado encontrado se evidencia também por outras respostas que até mostram um Bolsonaro um pouco mais forte do que estava em 2018, e não um pouco mais fraco, como parece.

Como esta, por exemplo: ao pedido de avaliação do Bolsonaro até o momento, depois de oito meses de governo, 29% dos entrevistados lhe deram ótimo e bom; a seguir vem outra pergunta, como o eleitor acha que vai ser o Bolsonaro daqui para a frente, e 45% acharam que será ótimo e bom. São 45% otimistas com relação ao governo Bolsonaro.

Portanto, é preciso ponderar, medir e pesar os dados sobre a suposta vitória de Fernando Haddad sobre Bolsonaro se a eleição de 2018 se repetisse agora. E talvez isso explique a discrição com que o PT está conduzindo a construção da sua campanha. Sem se precipitar para aproveitar esse tipo de brecha deixada por Bolsonaro.

Não sendo a disputa Bolsonaro contra PT, e está claro que não será, onde andam as outras forças políticas que certamente estarão em cena e porque também não aproveitaram o vazio do palco para brilhar?

Na interpretação do cientista político e sociólogo Antonio Lavareda, uma das mais fortes razões seria por estratégia mesmo. Ninguém pode com o candidato que tem o poder, a caneta e a visibilidade, Lavareda cita uma outra pesquisa recente, a da FSB para a “Veja”, única que mediu a disputa em primeiro turno de 2022 e nominou os candidatos.

Bolsonaro aparece com 35% (teve 34% no primeiro turno de 2018), portanto, estaria com seu eleitorado intacto. Haddad conseguiu 17%, menos do que os 21% que teve em 2018. Em seguida estão Ciro Gomes e Luciano Huck, com 11% cada um, João Amoêdo com 5% e João Doria com 3%.

Tirando Bolsonaro e Haddad, pode-se ver o potencial de um grande centro esquerda de 30%. Uma massa de eleitores que, eventualmente, faria uma dessas opções ou outra que vier a ganhar impulso. Talvez, e os exercícios provam isso, o PT fique fora do segundo turno de 2022, diferentemente do que ocorreu em 2018. Por isso a dificuldade em compreender, neste momento, a hipótese de vitória do seu candidato sobre o candidato à reeleição.

Mais uma razão para os candidatos aproveitarem o vácuo e começar a aparecer de uma forma mais efetiva e, no entanto, se esconderam. “Provavelmente esses atores levam em conta o seguinte: o bolsonarismo tem todas as principais armas para assumir a liderança do ponto de vista da visibilidade pública. O presidente tem o controle da agenda do país”, diz Lavareda. Ou seja, seria uma luta desgastante e inglória, por enquanto.

Uma frase do presidente, um Twitter do filho, são manchetes obrigatórias na mídia, e eles abusam da sua condição privilegiada nessa fase atual da campanha da reeleição. É quase impossível disputar com isso. Na desigualdade, só se complicarão, e a hipótese é começarem uma campanha, no ano da eleição, com sentimento de derrota.

A campanha presidencial agora só favorece quem tem visibilidade máxima. As forças políticas adversárias, unidas, devem encontrar momento mais propício para iniciar a corrida a 2022. Que tradicionalmente é o dia seguinte à abertura das urnas de 2020, a eleição para escolha de prefeitos e vereadores.

Só então poderão assumir feições mais nítidas, chamar a atenção para seus projetos de centro-esquerda, lançar os nomes à avaliação preliminar do eleitorado. Por enquanto, e mais uma vez, a realidade se impõe.

Um comentário:

Unknown disse...

"Nem o PT que, segundo a mais recente pesquisa eleitoral do Datafolha, venceria Bolsonaro se 2018 fosse hoje, tendo à frente o mesmo Fernando Haddad. "

Amiga, segundo o Datafolha o Haddad venceria o Bolsonaro se 2018 fosse em 2018.