quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Vinicius Torres Freire – Juros mais baixo, teto de gastos em alto

- Folha de S. Paulo

Banco Central indica que taxa de juros pode ficar abaixo de 5% no início de 2020

A taxa básica de juros pode ir abaixo de 5% ao ano em 2020, indicou o Banco Central. Na prática, a taxa real de juros cairia para menos de 1%. Que tal quase zero?

E daí? As implicações são várias mas, para começar, uma taxa assim baixa terá influência nos debates sobre o teto de gastos e o déficit do governo federal.

Em resumo, deve esquentar a discussão sobre a possibilidade de o governo gastar mais a fim de “estimular a economia”, tanto faz se amemos ou detestemos essa hipótese. Com taxas de juros menores (zero?), o custo de algum endividamento extra do governo cai, embora o aumento da dívida tenda, em tese, a pressionar a taxa de juros para cima.

O Banco Central jamais é tão explícito quanto as primeiras palavras deste texto, mas foi eloquente no comunicado em que divulgou a redução da Selic de 6% para 5,5%, nesta quarta-feira (18).
Está lá escrito: “O cenário híbrido com taxa de câmbio constante e trajetória de juros da pesquisa Focus implica inflação em torno de 3,4% para 2019 e 3,8% para 2020”. Quer dizer, com Selic a 5% e dólar a R$ 4,05 até o final do ano que vem, a inflação ficaria abaixo da meta.

Logo, sem outros abalos e frustrações das expectativas do BC para o Brasil e o mundo, a Selic pode ir a menos de 5%. Falando português claro, quais são essas expectativas (o contexto em que a inflação e juros poderiam continuar em baixa)?

Primeiro, o país deve continuar crescendo pouco, menos de 1% neste ano e no máximo 2% em 2020, com as consequências sabidas: desemprego alto e salário médio real contido ou estagnado, como agora.

Segundo, deve haver “continuidade das reformas” e “perseverança nos ajustes”. Nesse ponto, o BC é vago quanto a meios (quais reformas?), embora os fins sejam óbvios: controle duradouro de déficit e dívida, pelo menos.

Aqui, chega a hora de a onça beber água para quem prega a revisão do teto de gastos. Qualquer revisão do teto seria um problema, para o BC e os donos do dinheiro grosso, credores do governo? Uma revisão do teto com um novo regime fiscal, com gastos reduzidos e estáveis com servidores, por exemplo, e reforma da Previdência, passa no teste da “perseverança nos ajustes”?

Terceiro: não haver tumulto na economia mundial. Até agora, na opinião do BC, juros em baixa nas economias maiores do planeta são favoráveis (se não vier recessão).

Apesar de reiterar que um fracasso nas reformas ou crise lá fora seriam um problema, óbvio, o texto do BC dá mais ênfase à discussão de cenários de inflação favoráveis e, assim, de possibilidades novas de redução da taxa de juros.

Antes tarde do que nunca, pois ao final deste 2019 a taxa de inflação terá ficado abaixo da meta por três anos, isto em um país em depressão. Não é responsabilidade desta diretoria do BC, que assumiu neste ano, mas convém ressaltar a extravagância, para não dizer arrocho monetário.

Uma Selic menor terá efeitos marginais nas taxas de juros de financiamentos bancários. Mas reduz o custo de levantar dinheiro no mercado de capitais, para empresas. Além do mais, vai dar o que pensar ao poupador comum, que vai ver muitas de suas aplicações seguras de renda fixa minguarem para nada ou menos do que isso, em termos reais.

Enfim, Selic menor necessariamente não estimula o investimento. Mas tira um dos bodes mortos da sala e, no mínimo, ajuda a controlar a dívida, dezenas de bilhões que economistas padrão dão de barato.

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