segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Conservadorismo ‘cultural’ tenta se popularizar

Nova direita brasileira busca forma de organização para promoção da pauta de costumes que chegou ao poder em 2018. Agenda tem sido financiada por empresários ou com recursos públicos de fundação do PSL

Guilherme Caetano e Dimitrius Dantas | O Globo

SÃO PAULO - Um ano após a eleição, simpósios e conferências se espalharam, do Sul ao Norte do país, com a missão de disseminar o pensamento intelectual conservador defendido pela parcela mais aguerrida do eleitorado de Jair Bolsonaro . O porte desses eventos é diverso, com custos entre R$ 25 mil e quase R$ 1 milhão, e um público que gira de 100 pessoas até três mil.

À exceção do CPAC Brasil , custeado no último fim de semana pela Fundação Índigo , ligada ao PSL, os demais eventos mapeados pelo GLOBO são bancados por empresários da região onde se realizarão, por vezes ajudados pela cobrança de taxa de inscrição ao público.

Os objetivos, em geral, são popularizar e tornar mais acessíveis teses, conceitos acadêmicos e informações sobre o conservadorismo. O III Simpósio Nacional Conservador , realizado em Ribeirão Preto (SP) no começo do mês, por exemplo, queria transformar a cidade no polo do pensamento conservador no país. Menos pretensioso, o 1º Simpósio Conservador de Belo Horizonte (MG), em setembro, teve o objetivo de “disseminar o pensamento conservador e os valores judaico-cristãos”. No Nordeste, principal reduto da esquerda no Brasil após as eleições de 2018, a ideia é apresentar, em novembro, as ideias conservadoras para uma população que, na visão de seus organizadores, é “culturalmente” conservadora.

Sem verniz acadêmico
Para o professor Christian Edward Cyril Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a profusão de eventos conservadores marca uma diferença da ascensão dessa força política em relação a outros momentos da história do Brasil, quando era muito mais dependente do estatismo ou de setores da classe média.

— É um conservadorismo culturalista ou de costumes que vem democratizado e legitimado pelas urnas. Agora, ele quer ser doutrinário. Um grupo que não tem verniz acadêmico, se ressente por não ter, mas que procura se legitimar — afirma Lynch.

O Brasil Limpo, que organizou o evento de Ribeirão Preto, foi pioneiro nesse formato. Segundo Camilo Calandrelli, líder do grupo, a ideia de fazer um simpósio para trabalhar o conceito de conservadorismo nasceu em 2017. Após o que considerou ter sido um fiasco no encontro organizado na cidade para receber Miguel Nagib, fundador do movimento Escola Sem Partido, Calandrelli decidiu pôr as mãos na massa.

Ele entrou em contato com Nagib, angariou apoio de Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL), hoje deputado federal por São Paulo, e ergueu o simpósio. O evento inspirou outros conservadores, como Cristiane Miranda, organizadora do encontro mineiro:

— A eleição do Bolsonaro despertou o conservadorismo que está dentro da gente.

No Recife, em novembro, os organizadores preveem um público de 500 pessoas. Ao contrário de outros eventos, o Fórum dos Conservadores do Nordeste se diz apartidário: entre os presentes estarão o deputado federal General Girão (CE), do PSL, mas também o senador Styvenson (AC), do Podemos.

— Nosso objetivo é que as pessoas tomem consciência do que está sendo feito no país, do resgate do sentimento conservador que é cultural na família brasileira — afirma o empresário Alexandre Carvalho, um dos coordenadores.

A importância do aspecto cultural, segundo Lynch, é determinante no conservadorismo bolsonarista. Ao contrário de outros momentos da história do Brasil onde conservadores estiveram no poder, é a primeira vez em que o grupo de conservadores que privilegiam a pauta de costumes é preponderante em relação ao grupo de conservadores estatistas, representado pelas Forças Armadas, e os conservadores neoliberais, representado neste governo pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Lynch destacou também que o Brasil não vivia um ambiente democrático em outros momentos de força do conservadorismo. Mesmo em 1964, antes do golpe militar, apenas 16% da população votava.

— O conservadorismo se democratizou, ele se adaptou a uma sociedade de massa, o que não existia antes. Como a Igreja Católica deixou de ser de direita hegemonicamente, ele se abriu para o campo evangélico. O conservadorismo passa a defender, então, que a tradição brasileira é cristã — diz.

Conflitos no governo
A ideia conspiracionista de que existe um domínio do inimigo em quase todas as esferas da sociedade é comum nos grupos conservadores considerados mais radicais. E essa tese permeia o discurso de urgência na mobilização e composição dos grupos conservadores.

— O movimento conservador hoje no Brasil padece de muitos defeitos. Um deles é a inexperiência. Bolsonaro venceu as eleições antes de o conservadorismo se organizar como movimento, como um partido e culturalmente — afirma Rafael Nogueira, professor mais conhecido dos documentários do estúdio Brasil Paralelo e um dos palestrantes do CPAC Brasil.

Não é apenas Nogueira a desconsiderar o PSL um partido conservador. Aliados de Eduardo Bolsonaro estão finalizando o estatuto de um novo partido a ser criado, chamado Conservadores. A premissa do grupo é de que não existe, hoje, um partido “puramente de direita” no país. Com os atuais entraves para a formalização de novas legendas, no entanto, o grupo deve adiar o plano.

— Chegaram ao poder três conservadorismos diferentes que não necessariamente convivem bem: o do mercado, com Paulo Guedes, o mais estatista, identificado com as Forças Armadas, e o conservadorismo culturalista do Olavo de Carvalho, dos filhos do presidente. Quando o governo assume, começa a briga entre eles — resume Lynch.

Nenhum comentário: