sábado, 26 de outubro de 2019

João Domingos - O desafio do Supremo

- O Estado de S.Paulo

Há muita culpa de dirigentes do STF na pressão que seus ministros sofrem

Qualquer pessoa de qualquer país que der uma lida no noticiário político ou se aventurar pela selva das redes sociais, verá que o Supremo Tribunal Federal (STF) está diante de um desafio sem igual na história recente: decidir, sob violenta pressão, se é constitucional ou inconstitucional a prisão após condenação em segunda instância. Pelas contas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quase 5 mil presos podem ser beneficiados se o STF concluir que a prisão só pode ocorrer depois de todo o trânsito em julgado do processo. Pelo que se pode observar, dos mais variados presos, o interesse todo se volta para um, o ex-presidente Lula. A depender do que o STF decidir, ele pode ser solto.

A jurisprudência do STF a respeito da prisão em segunda instância é de 2016. Ela teve como fundamento principal o fato de que cabe apenas às instâncias ordinárias (Varas, Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais) o exame dos fatos e das provas. Portanto, são essas instâncias que fixam a responsabilidade criminal do acusado. Nos recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo, a discussão diz respeito apenas a questões legais ou constitucionais.

Tal jurisprudência foi fundamental para o sucesso da Operação Lava Jato. Permitiu que o então juiz Sérgio Moro, o juiz da Lava Jato, mandasse para a cadeia um sem número de empresários, políticos muito poderosos, como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-governador Sérgio Cabral, ambos do MDB do Rio de Janeiro, dirigentes partidários e Lula, um líder popular e carismático. Derrubar agora a prisão em segunda instância seria um golpe quase fatal na Lava Jato ou no avanço do combate à corrupção. A polarização política, que já é imensa, tende a ficar ainda maior.

Nesse contexto, surgem teorias da conspiração as mais diversas e até manifestações, por parte de autoridades diretamente envolvidas na questão, que não fazem nenhum sentido. Como a do procurador Deltan Dallagnol, chefe da força tarefa da Lava Jato, que disse esperar que a aposentadoria do ministro Celso de Mello reverta uma possível decisão pela mudança na jurisprudência. Em primeiro lugar, Mello ainda não votou. Acha-se, de achismo mesmo, que ele poderá dar um voto para mudar a jurisprudência. Em segundo lugar, Mello só completa 75 anos em novembro do ano que vem, o que o obriga a sair. Ninguém pode afirmar que o substituto de Mello será favorável à prisão em segunda instância. Mudanças na forma de ver as coisas são mais do que comuns também nos meios jurídicos. O PT achava que todos os ministros que nomeou votariam de acordo com os desejos do partido. Veio o escândalo do mensalão e ministros nomeados pelo PT mandaram petistas para a cadeia.

Há muita culpa do STF na pressão que seus ministros têm sofrido. Desde que a questão Lula entrou na pauta do Supremo, os dirigentes da Corte evitaram enfrentá-la. Para isso, fizeram os mais incríveis malabarismos, talvez esperando que a situação se resolvesse por si. Mas, como ficou provado agora, não se resolveu.

Ao decidir por pautar o julgamento de três ações que podem derrubar a prisão em segunda instância, o presidente do STF, Dias Toffoli, poderia ter se precavido e agido de forma diferente. Por exemplo: em vez de fazer sessões a conta-gotas, que pulam de uma semana para outra, e para outra, o que permite o aumento da pressão, que tal se tivesse pensado numa só, mesmo que entrasse por duas ou três madrugadas? O assunto seria resolvido muito mais rapidamente.

Qualquer que for a decisão do STF, ela precisa ser acatada. Note-se, a respeito, o comportamento do presidente Jair Bolsonaro. Ele tem evitado comentários sobre o julgamento.

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