quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Luiz Carlos Azedo - Linhas cruzadas

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro está convencido de que Witzel lidera uma conspiração para inviabilizar sua reeleição a qualquer preço. O governador pretenderia incriminá-lo no caso Marielle”

Não convidem para a mesma solenidade Jair Bolsonaro e o governador fluminense Wilson Witzel (PSC). A relação entre os dois desandou de vez depois da divulgação, pela TV Globo, do depoimento do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra — onde mora o principal suspeito de matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, o sargento da PM reformado Ronnie Lessa —, onde o presidente e seu filho Carlos têm casa. O porteiro contou à polícia que, horas antes do assassinato, em 14 de março de 2018, o outro suspeito do crime, Élcio de Queiroz, entrou no condomínio e disse que iria para a casa de Bolsonaro. E que alguém na casa dele, a de número 58, liberou a entrada. Ocorre que, naquele dia, na mesma hora, o então deputado federal estava em Brasília, e os registros da portaria mostram que Élcio, na verdade, interfonou para Lessa.

Bolsonaro acusa o governador de ter vazado o depoimento para prejudicá-lo: “Dia 9 de outubro, às 21h, eu estava no Clube Naval no Rio de Janeiro. O governador Witzel chegou perto de mim e falou o seguinte: ‘o processo está no Supremo’. Eu falei: ‘que processo?’ ‘O processo da Marielle.’ ‘O que eu tenho a ver com a Marielle?’ ‘O porteiro citou teu nome.’ Quer dizer: Witzel sabia do processo que estava em segredo de Justiça. Comentou comigo”, afirmou o presidente. “No meu entendimento, o senhor Witzel estava conduzindo o processo com o delegado da Polícia Civil para tentar me incriminar ou pelo menos manchar o meu nome com essa falsa acusação, que eu poderia estar envolvido na morte da senhora Marielle”, completou o presidente da República.

Witzel nega envolvimento no caso: “Jamais vazei qualquer tipo de informação, seja como magistrado, seja como governador. Eu lamento que o presidente tenha, num momento, talvez, de descontrole emocional, no momento em que ele está numa viagem, não está, talvez, no seu estado normal, tenha feito acusações contra a minha atividade como governador”. E completa: “Não manipulo o Ministério Público, não manipulo a Polícia Civil. Isso é absolutamente inadequado, contrário às instituições democráticas. A Polícia Civil, no meu governo, tem independência. O MP tem e sempre terá independência e, infelizmente, eu recebi com muita tristeza essas levianas acusações.”

Não procede
Em vídeo gravado quando ainda estava na Arábia Saudita, Bolsonaro criticou a Globo e ameaçou não renovar a concessão da emissora, em 2022, se o processo não estiver “enxuto”. A emissora reagiu com o argumento de que apenas cumpriu seu dever de informar. Ontem, a procuradora Simone Sibilio, do Grupo de Combate ao Crime Organizado, disse que o áudio obtido na investigação “comprova que no dia do crime, por volta das 17h07, Élcio entra no condomínio de Ronnie Lessa e pede autorização para entrar”, mas não foi como havia dito o porteiro: “A pessoa que está na cabine [porteiro] liga para casa 65, e isso está comprovado pelas gravações. E a pessoa que atende na casa 65 é Ronnie Lessa. Com base na pessoa que atende, precisava comprovar: essa voz é de quem? O Ministério Público, com base na voz de Lessa obtida no depoimento, fez um confronto com a voz da cabine – e o confronto deu positivo. Portanto há prova pericial de que quem atende e quem autoriza a entrada de Élcio de Queiroz é Ronnie Lessa.”

Bolsonaro está convencido de que Witzel lidera uma conspiração para inviabilizar sua reeleição a qualquer preço. O governador fluminense, para o presidente da República, pretenderia incriminá-lo nos assassinatos de Marielle e Anderson com objetivo de desestabilizar seu governo e inviabilizar sua reeleição. Witzel articula sua candidatura à Presidência em 2022, e isso está incomodando Bolsonaro, muito mais do que outros adversários, por causa do caso Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O caso é investigado pela Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro.

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