sexta-feira, 11 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Duelo de oligarcas – Editorial | Folha de S. Paulo

Relação de Jair Bolsonaro com o PSL é reiteração de velhos hábitos da política

Todas as manifestações de motivos para o ensaio de debandada do presidente Jair Bolsonaro do PSL não passam no teste da autenticidade, apreciada por seus seguidores. Trata-se simplesmente de disputa para saber quem controlará o pote de ouro, financiado pelos contribuintes, em que de repente se converteu a legenda outrora irrelevante.

Na esteira da onda neoconservadora que varreu o Brasil em outubro de 2018, o Partido Social Liberal elegeu 52 deputados (são 53 hoje), o que lhe rendeu a segunda maior bancada na Câmara. Isso significa, de acordo com as regras do financiamento público de partidos e campanhas, o aporte de R$ 110 milhões ao PSL neste ano de 2019.

No ano que vem, em razão das eleições municipais, a quantia a ser despejada pelo erário na sigla presidida pelo notório Luciano Bivar poderá atingir até R$ 500 milhões —se os congressistas conseguirem aumentar a dotação do fundo eleitoral para o volume que almejam.

Enfrentando a resistência do velho oligarca pelo controle dessa montanha de recursos, os emissários do pretendente a oligarca cogitam abandonar o partido. Mas não gostariam de sair sem a certeza de que vão manter os cargos eletivos.

No intuito de estimular a fidelidade partidária, a jurisprudência das cortes superiores e a legislação punem o abandono da sigla com a perda do mandato. Além disso, mantêm na sigla de origem a prerrogativa de acessar as verbas públicas para campanhas eleitorais e custeio das agremiações.

Há, porém, exceções à regra geral, como situações em que o partido se desvia substancialmente de seu programa. Nesses casos, a lei e as cortes poderão autorizar a troca de legenda sem perda do mandato, embora seja menos provável endossarem também a transferência de recursos ao partido de destino.

Daí todo o contorcionismo dos bolsonaristas do PSL e de seus advogados para expor contrariedades de princípio com a forma pela qual vem sendo comandado o partido. Tudo não passa de simulação.

Repassada do início, a história da filiação de Jair Bolsonaro ao PSL e da relação errática do presidente com a legenda evidencia a dose de farsa contida na propaganda de que sua ascensão significou mudança de paradigmas nos usos e costumes da política nacional.

Um deputado com sete mandatos no currículo, acostumado a mudar de partido como se troca de camisa, encontra um oligarca de uma legenda nanica disposto a fazer negócios. Eles selam um pacto oportunista, que jamais envolveu ideias ou programas partidários.

A aposta dá certo, como bilhete premiado de loteria, e agora os dois disputam a divisão dos lucros. Nesse aspecto, não há nada de novo sob o céu da política brasileira.

Do plantio ao risco diplomático – Editorial | O Estado de S. Paulo

Mais uma colheita recorde, estimada em 245,81 milhões de toneladas de grãos, está sendo preparada, segundo a primeira sondagem de plantio da safra 2019/20. Se confirmada, a produção será 1,6% maior que a da temporada anterior, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O aumento decorrerá principalmente da cultura da soja, com volume previsto de 120,39 milhões de toneladas, 4,7% superior ao da safra 2018/19. Esse é o principal produto de exportação do agronegócio brasileiro, um item fundamental para o sucesso do comércio exterior.

O volume exportado de soja em grãos deverá passar de 70 milhõesde toneladas para 72 milhões de toneladas, de acordo com as contas da Conab. Também se espera expansão das vendas externas de dois derivados, o farelo e o óleo. Mas há sinais de perigo no mercado internacional.

Há pressões no exterior contra a importação de produtos do agronegócio brasileiro, como carnes, couro e soja. Além de grupos ambientalistas, grupos industriais, comerciais e de investimento têm ameaçado bloquear compras de produtos do Brasil por causa das queimadas na Amazônia e – sobretudo – das palavras e atitudes do presidente Jair Bolsonaro e de seus ministros.

A França deixará de ratificar o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, enquanto se mantiverem as “condições atuais”, disse nesta semana a ministra francesa do Meio Ambiente, Elisabeth Borne, repetindo as críticas feitas pelo presidente Emmanuel Macron. Em setembro, com a mesma justificativa, parlamentares austríacos haviam aprovado moção contra o acordo comercial entre os dois blocos.

A resistência ao acordo, especialmente na França, na Áustria e na Irlanda, tem como principal motivação o velho protecionismo agrícola, muito forte em vários países europeus. Mas o dano às exportações brasileiras será obviamente o mesmo, pouco importando a motivação dominante – protecionismo comercial ou genuína preocupação com o meio ambiente. Em qualquer caso poderão perder-se bilhões de dólares.

O presidente Jair Bolsonaro e os ministros do Meio Ambiente e de Relações Exteriores parecem dar pouca ou nenhuma importância a esse risco. Não se trata só de sua preferência pela diplomacia do confronto, mas de atitudes concretas, tomadas internamente, contra políticas de preservação e organismos envolvidos na defesa ambiental, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Ameaças ao agronegócio brasileiro envolvem muito mais que a soja. Deve-se pensar em todos os produtos, embora com atenção especial ao complexo soja, às carnes e ao couro. São os mais citados quando a produção brasileira é vinculada, no imaginário estrangeiro, à destruição da Amazônia.

Neste ano, até setembro, o agronegócio brasileiro faturou US$ 71,98 bilhões com suas vendas externas e acumulou superávit de US$ 61,70 bilhões. Graças a isso, o Brasil conseguiu em todo o comércio externo de bens, nesse período, um saldo positivo de US$ 33,79 bilhões.

A União Europeia se manteve, de janeiro a setembro, como o segundo destino regional das vendas do agronegócio brasileiro, tendo absorvido produtos no valor de US$ 12,76 bilhões. Esse montante correspondeu a 17,7% da receita proporcionada pelas exportações do setor.

A Ásia, por causa das compras da China, permaneceu em primeiro lugar, comprando mercadorias brasileiras no valor de US$ 35,13 bilhões. O mercado chinês continuará sendo muito importante. Mas os negócios com o Brasil poderão ser afetados, embora de forma limitada, por acertos com o governo americano, na tentativa de encerrar a guerra comercial entre China e Estados Unidos.

O presidente Bolsonaro já criou dificuldades com parceiros do Oriente Médio, ao anunciar a transferência da embaixada em Israel para Jerusalém. O movimento só envolveu, enfim, um escritório comercial, porque alguém deve tê-lo dissuadido da imprudência. Mas a lição teve efeito limitado. Exportações do agronegócio são essenciais para a importantíssima segurança das contas externas.

Formas para reduzir a folha de pagamentos da União – Editorial | Valor Econômico

Uma profunda reforma administrativa, que reduza a segunda maior rubrica de gastos da União, a folha de pagamentos do funcionalismo, deve ser um dos próximos passos do governo e um estudo do Banco Mundial sobre “Quanto o Brasil gasta com o funcionalismo público?” indica sua relevância e medidas para fazê-la.

Os dados são conhecidos e elucidativos. Em remuneração, a média salarial do funcionalismo federal é 96% superior à do setor privado, já considerados escolaridade, gêneros, cor e setor de atividade - é a maior diferença observada na comparação com 53 países. O número de servidores em relação à população, de 5,6%, é superior à média latino-americana (4,4%), mas inferior à OCDE (9,5%). Ainda assim o país gasta mais que eles como proporção do PIB. Em todos os níveis, são 10,1% do PIB com servidores ativos, mais 4,9% com inativos.

Se o salário inicial já é bem superior ao da iniciativa privada, sua evolução é mais rápida. A taxa de aumento real das despesas com pessoal entre 2008 e 2018 foi de 2,9% ao ano - 2,5% ao ano para os funcionários da União. Na União, a folha de pagamentos fica com uma fatia de 22% do total das despesas primárias. Dentre as categorias, as que mais avançaram ocupam a parte mais alta da pirâmide salarial. A fatia do Poder Judiciário, no total de gastos com a rubrica pulou de 7,3% para 13,8% do total. As carreiras jurídicas têm salário inicial de R$ 23 mil. Em 10 anos de serviço, 78% desses servidores já chegam ao topo salarial permitido.

Só 2,8% dos servidores da União recebem a grosso modo o equivalente da média salarial privada, de pouco mais de R$ 2,3 mil. Mas 44% deles ganham mais de R$ 10 mil e 33%, mais de R$ 15 mil (dados de 2019). O estudo aponta que, com base na Pnad 2015, dois terços dos servidores públicos federais estão entre os 10% com maior renda no país, 83%, entre os 20% mais ricos, e quase todos (94%), entre os 40% mais ricos.

Um labirinto de regras permite que os salários cresçam sempre, por tempo de serviço e também por desempenho, embora a avaliação seja, na maior parte dos casos, inexistente e pró-forma. Na babel de 299 carreiras (União), em 187 há pagamento por desempenho. Progride-se na carreira de 3 em 3 anos, após um concurso de seleção e um estágio probatório pequeno. “A principal característica dessa estrutura de carreiras é a sua rigidez, que acaba por produzir um sistema muito regulado, fragmentado e pouco orientado a resultados”, aponta o Banco Mundial.

A generosidade com o dinheiro público é estendida aos inativos, uma gorda jabuticaba brasileira. 75% dos aposentados e pensionistas da União receberam em 2017 um total de R$ 685,5 milhões em gratificações, a grande maioria decorrentes de avaliação por desempenho - dos ativos, claro.

O governo estuda várias sugestões que foram feitas pelo Banco Mundial para evitar tentar preservar o teto de gastos. Entre elas:

• Criar estrutura em que apenas uma proporção de servidores atinja os níveis salariais mais altos e com base na avaliação de desempenho.
• Aproximar os salários dos servidores públicos aos da iniciativa privada.
• Reduzir salários de entrada e relacionar ganhos salariais com desempenho.
• Reduzir a relação entre os que entram no serviço público e os aposentados à proporção de 1 para 2, quando hoje ela é de 1,29 para 1. O estudo vê uma janela de oportunidade para racionalização e economias aí, porque até 2022, 26% dos funcionários se aposentarão, e 40% até 2030.
• Reduzir drasticamente o número de carreiras. Pelo diagnóstico sobre a União, há proliferação de carreiras muito específicas, que tiram a flexibilidade do Estado a ponto de que “muitas vezes se torna necessária a criação de concursos para suprir uma demanda por mão de obra que poderia ser satisfeita com a realocação de servidores entre ministérios”. Com isso, condições de trabalho e remuneração variam muito, e, assim, certas áreas do governo têm dificuldades para trazer bons profissionais por oferecerem condições menos vantajosas.

Aos que minimizam economias com salários e reestruturações, os cálculos do Banco Mundial mostram que não é bem assim. O congelamento dos salários não sujeitos à progressão por 3 anos permitiria uma economia de R$ 187,9 bilhões até 2030. A correção pela inflação daí em diante elevaria essa economia a R$ 232 bilhões no período. Reduzir o salário inicial a R$ 8 mil e congelar os salários por 3 anos permitiria já em 2021 poupar R$ 30,3 bilhões, um ano de Bolsa-Família. Não é irrelevante.

Entra em pauta a reforma do funcionalismo – Editorial | O Globo

Estudo retrata distorções, como o fato de o servidor receber o dobro do salário pago no setor privado
Em uma crise financeira do Estado, sem espaço para a obtenção de mais receitas, é evidente que se devem examinar os maiores itens das despesas, para contê-las e cortá-las. O Brasil segue este caminho óbvio ao reformar a Previdência, projeto que necessita ser aprovado pela segunda vez no Senado para ser sancionado. Trata-se do mais robusto item do Orçamento da União, uma despesa este ano de mais de R$ 700 bilhões, um cenário que se repete no resto da Federação. Aposentadorias e pensões são despesas maiores que os gastos com educação e saúde, e não param de aumentar.

À medida que o problema previdenciário é equacionado — o que não quer dizer que não serão necessárias futuras reformas —, ganha peso na agenda do governo o segundo maior item de despesa da União, o gasto com o funcionalismo, mais de R$ 300 bilhões por ano. Também aumenta de forma vegetativa, movido por um aparato de normas corporativas que fazem subir salários apenas pelo tempo de carreira do funcionário. É o que a demografia provoca na Previdência.

Previdência e funcionalismo são uma conta de R$ 1 trilhão que cresce por força própria, independentemente da vontade de governos e da sociedade. Algo, é claro, que não pode dar certo. Eis por que as reformas são imprescindíveis. Estudo divulgado quarta-feira pelo Banco Mundial contribui para reforçar a importância da reforma administrativa, que inclui a folha de pessoal do poder público e a estrutura de cargos e salários. “Gestão de pessoas e folhas de pagamentos no setor público brasileiro: o que dizem os dados?” contribui para iluminar este universo obscuro da burocracia estatal.

Corporações do funcionalismo costumam se defender com o argumento de que o Brasil não chega a ter servidores em excesso — 1,1 milhão na área federal. Mas o problema maior é a falta de organicidade na administração de pessoal, que faz com que, de 2007 a 2017, a folha total do funcionalismo da Federação tenha crescido 48% acima da inflação e represente 10% do PIB. Deve refletir o ciclo de benesses distribuídas pelos governos do PT aos servidores, mas não só eles.

Mesmo que não houvesse uma crise fiscal, o universo do funcionalismo teria de ser reformado. Segundo o Banco Mundial, o servidor federal ganha quase o dobro do salário pago para função idêntica no setor privado; há 300 cargos na máquina pública federal brasileira, 14 na Inglaterra, 27 no Canadá e 18 em Portugal. São indicadores das desfunções na burocracia estatal.

Falta o prêmio ao mérito. Quando bônus são distribuídos, todos recebem. Em alguns casos, também os aposentados. Os salários iniciais dos servidores são muito elevados, o que os leva a atingir o topo em pouco tempo. Por isso, se os salários iniciais fossem reduzidos a no máximo R$ 5 mil, por hipótese, e houvesse uma redução no tempo de progressão das carreiras, o Banco Mundial calcula que seriam economizados R$ 104 bilhões até 2030. Esta é uma reforma com justificativa dupla: mais eficiência no atendimento à população e menos gastos.

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