sábado, 12 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Peça imprópria – Editorial | Folha de S. Paulo

Debate sobre pacote anticrime requer racionalidade, não propaganda apelativa

Desde que chegou ao Congresso, em fevereiro, o pacote anticrime elaborado pelo ministro Sergio Moro atravessa caminho acidentado.

Um grupo criado pela Câmara dos Deputados para discuti-lo já rejeitou várias medidas propostas pelo titular da Justiça, num sinal das dificuldades que ele terá se quiser insistir no texto original quando a discussão chegar ao plenário.

O colegiado repeliu itens que Moro e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) julgam prioritários, como o dispositivo que amplia o conceito de legítima defesa e as hipóteses em que policiais que matam em serviço podem ficar impunes.

Na terça-feira (8), o Tribunal de Contas da União desferiu novo golpe na propositura ao determinar a suspensão da campanha publicitária lançada para promovê-la.

A decisão foi acolhida no dia seguinte pela maioria dos integrantes do TCU. Para eles, os anúncios violam limites estabelecidos pela Constituição para a publicidade oficial, que deveria se restringir a peças de caráter informativo, educacional ou de orientação.

Quando se analisa a comunicação de governo, por vezes é difícil distinguir mensagens institucionais legítimas da propaganda de caráter partidário vetada expressamente pela lei. Por esse motivo, controvérsias nesse campo são frequentes e não raro acabam na Justiça.

Basta examinar a campanha em defesa do pacote anticrime para perceber que seu objetivo principal não é informar nem debater a proposta, mas intimidar o Legislativo, atiçando a opinião pública contra os críticos do projeto de lei.

De forte apelo emocional, os filmetes incluem depoimentos de parentes de vítimas de crimes violentos e sugerem que mortes e injustiças relatadas poderiam ter sido evitadas se as medidas defendidas pelo governo estivessem em vigor.

Casos individuais não são suficientes para demonstrar a eficácia das propostas de Moro. Ainda que o fossem, o lugar adequado para debatê-las de forma racional é o Congresso —e não os intervalos da programação da TV.

Deputados envolvidos com o exame do pacote têm dedicado tempo e esforço a sua análise. O Congresso está cumprindo seu papel ao submeter o projeto a escrutínio rigoroso, podando seus evidentes excessos e consultando especialistas em busca de aprimoramentos.

Nada impede o governo federal de defender seu ponto de vista e mobilizar seus aliados se a intenção for retomar a proposta original no plenário da Câmara.

Se Bolsonaro e Moro acham que a população também deveria ser consultada, a Constituição oferece o plebiscito e o referendo como opções —mas elas só podem ser usadas se houver apoio majoritário no Congresso a sua convocação.

O Brasil, os EUA e a OCDE – Editorial | O Estado de S. Paulo

Em março, o presidente Jair Bolsonaro retornou dos Estados Unidos trazendo na bagagem a declaração de apoio do presidente Donald Trump à entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), um pleito brasileiro desde maio de 2017. O apoio público de Trump ao ingresso do Brasil no chamado “clube dos ricos” foi importante, não resta dúvida, porém vago.

Naquela visita de Estado não foi assumido qualquer compromisso entre os dois países que implicasse a definição de prazos ou condições mais claras para que o Brasil, de fato, fosse aceito como membro da OCDE. Vale dizer, soube-se àquela ocasião que o interesse brasileiro tinha a simpatia dos Estados Unidos, somente isso.

A confusão gerada pela divulgação de uma correspondência recente entre o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, e o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, à qual a agência Bloomberg teve acesso, poderia ter sido evitada caso o governo brasileiro tivesse tratado o apoio dado por Trump ao pleito brasileiro com as devidas ressalvas.

Entretanto, o governo tratou um mero aceno positivo como um fato consumado. Mais do que isso, como uma “grande vitória diplomática”, um sinal inequívoco do que seria o “acerto” do presidente Jair Bolsonaro na condução da política externa brasileira, pautada primordialmente por seu relacionamento pessoal com Donald Trump – ou ao menos a proximidade que o brasileiro imagina ter com o seu contraparte norte-americano.

Na referida carta de Michael Pompeo a Angel Gurría, os Estados Unidos rejeitam uma proposta de cronograma feita pela OCDE para início das negociações com algumas nações candidatas ao ingresso na organização. De acordo com esse cronograma, as tratativas entre a OCDE e a Argentina começariam imediatamente. Com a Romênia, em dezembro deste ano. O pleito brasileiro seria analisado em maio de 2020. Já em dezembro do ano que vem, chegaria a vez da negociação com o Peru. Em maio de 2021, por fim, haveria a negociação com a Bulgária.

O que o governo dos Estados Unidos afirma claramente na carta ao secretário-geral da OCDE é que apoia agora apenas as tratativas com a Argentina e com a Romênia, os dois casos previstos para serem analisados neste ano. “Os Estados Unidos defendem a extensão do grupo, mas em ritmo gradual, levando em conta a necessidade de pressionar (os candidatos) pela adoção de regras de governança, planejamento e sucessão”, diz trecho da carta assinada por Pompeo.

Pelo que foi noticiado, não é correto afirmar que os Estados Unidos retiraram o apoio à candidatura brasileira para ingresso na OCDE. Tanto Michael Pompeo como Donald Trump vieram a público após a divulgação da carta para reassegurar o apoio oferecido durante a cúpula bilateral havida em março. Haverá, no entanto, uma nova proposta de prazo para que o caso brasileiro seja avaliado.

O imbróglio envolvendo o Brasil, os Estados Unidos e a OCDE serve de alerta para os espíritos com boa vontade para se aferrar aos fatos, não às versões. Isso tanto vale para os membros do governo como para os cidadãos em geral, aprisionados numa polarização acrítica que hoje interdita um debate mais matizado sobre as questões de interesse público.

Não se tratou propriamente de uma “traição” do governo dos Estados Unidos. O Brasil, formalmente, também ainda não abriu mão de sua condição especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC), uma contrapartida exigida pelos norte-americanos para ingresso na OCDE. Logo, no tabuleiro das relações diplomáticas, o jogo estaria empatado.

O episódio também deve servir de alerta para o presidente Jair Bolsonaro por sua adesão quase incondicional aos Estados Unidos na condução da política externa do País. Nas relações internacionais, os interesses de Estado sempre devem se sobrepor às amizades, sejam elas reais ou imaginárias.

Indexação do Orçamento deve ser enfrentada – Editorial | O Globo

Mecanismos de correção criarão uma conta no ano que vem maior que o gasto com o Bolsa Família

Nem sempre boas intenções geram bons resultados. Geralmente porque os benfeitores só ajustam o foco naquilo que querem beneficiar e se esquecem das implicações das bondades que patrocinam. Os efeitos colaterais. Por isso, na lista de problemas sérios da economia brasileira está o grande volume de recursos engessados no Orçamento, com destino fixo, e a indexação dessas despesas. Resulta que o governo de turno deixa de executar programas próprios de investimentos e que considera necessários, porque há uma legislação que o amarra.

Pode faltar dinheiro na saúde e sobrar na educação, por exemplo, que o gestor está impedido de transferir recursos de um lado para o outro. Uma aberração gerada por uma boa intenção: proteger atividades vitais em nome da defesa dos mais pobres. Preocupação meritória que gerou distorções monstruosas. Por exemplo, no ano que vem, 94% do Orçamento serão obrigatórios, ficando apenas 6% livres para o governo federal decidir o destino. O presidente da República, portanto, tem quase todo seu roteiro de despesas predefinido antes de tomar posse.

Recente reportagem do GLOBO abordou o tema da indexação de grande parcela das despesas públicas. Aposentadorias e pensões seguem o INPC ou o salário mínimo; verbas para educação e saúde, o piso dos salários; abono salarial e seguro-desemprego aumentam no ritmo do INPC e do salário mínimo. Até emendas parlamentares, individuais e de bancadas, têm seu indexador: IPCA e a Receita Corrente Líquida dos governos.

Grupos de pressão se bateram no Congresso com a finalidade de garantir verbas para as atividades que representam, preocupados também com a corrosão inflacionária. Mas o país está em um momento de índices de inflação baixos.

Portanto, sequer a desvalorização do poder aquisitivo da moeda serve para justificar o engessamento orçamentário. Os mecanismos de indexação, que incidem sobre R$ 1 trilhão dos gastos, a maior parcela, farão as despesas aumentarem R$ 36 bilhões, aproximadamente R$ 6 bilhões a mais que o orçamento anual do Bolsa Família. Com o Orçamento amarrado por verbas carimbadas, os investimentos do governo se retraem ano após ano.

A receita populista para o problema é revogar o teto constitucional dos gastos, abrindo as comportas das despesas, rumo a mais inflação. O melhor é o caminho inverso: menos vinculações e indexações. Foram os reajustes automáticos do Orçamento que fizeram o Brasil passar pela situação extrema, na recessão de 2015/16, de enfrentar grande queda na arrecadação tributária enquanto as despesas cresciam puxadas pela inflação. O déficit público explodiu.

A calmaria atual — inflação “ancorada” e economia em leve recuperação — deve ser aproveitada para mudanças como essas.

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