domingo, 20 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O significado da República – Editorial | O Estado de S. Paulo

No próximo dia 15 de novembro, comemoram-se os 130 anos da Proclamação da República. Em homenagem à data, o Estado lançou na terça-feira passada no Twitter o projeto EstadãoRepública130. O objetivo é apresentar, por meio de tuítes de 14 personagens históricos – republicanos, monarquistas e militares –, o período que antecedeu à mudança de regime. Para reproduzir os comentários dos personagens históricos, foi feita uma ampla pesquisa na Biblioteca Nacional, no acervo do jornal e na bibliografia relativa ao período. O projeto está ancorado no perfil @_vivarepublica_ e as publicações podem ser acompanhadas também pela hashtag #ER130.

A história do jornal O Estado de S. Paulo está intimamente ligada à República. Inspirado nos valores do liberalismo clássico, este jornal foi fundado em 1875 – então se chamava A Província de São Paulo – com o objetivo de propugnar pela abolição da escravidão e pela instauração da República. Faz, portanto, todo o sentido o Estado reviver esse período tão especial da história do País, da qual tem sido personagem atuante, valendo-se de atuais ferramentas tecnológicas.

Acompanhar esse período histórico pode ajudar a dar uma dimensão mais precisa do que significou – e do que deve significar – a República. A luta pelo novo regime não consistiu apenas em destituir o Imperador d. Pedro II ou em instaurar um novo sistema decisório no poder público. Proclamar a República representava a inauguração de um marco jurídico completamente novo.

“Todos são iguais perante a lei”, diz o art. 72 da Constituição de 1891, a primeira republicana. Há aqui dois princípios basilares, dos quais decorrem todas as características de um regime republicano. A República baseia-se na fundamental igualdade de todos os cidadãos e, precisamente por isso, todos estão igualmente submetidos à lei.

O segundo princípio, intimamente ligado ao da igualdade, é o de que a República é o regime da lei. O exercício do poder na República é sempre uma decorrência da lei. No exercício da função pública, não há espaço para o arbítrio, o voluntarismo ou idiossincrasias. E a razão para tanto é muito clara: o respeito à liberdade individual. A liberdade de cada cidadão só pode ser limitada por meio da lei. Ninguém, seja quem ele for, seja qual for a sua origem, pode impor a outro uma obrigação fora dos limites legais.

Por isso, na República, não há mais reis, rainhas, príncipes ou princesas. E tampouco há nobres. Sendo todos iguais perante a lei, não há privilégios nem castas. Há cidadãos. “A República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza, e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho”, proclamou a Constituição de 1891.

Ser o regime da lei significa também que a República é o regime da liberdade. Exemplo de liberdade é a declaração do caráter laico da República do Brasil. “Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência, ou aliança com o Governo da União, ou o dos Estados”. Além disso, foi com a República que se reconheceu plenamente a liberdade religiosa, com direito ao exercício público do culto. “Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim, adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum”, fixou a Constituição de 1891.

A comemoração dos 130 anos da Proclamação da República é, portanto, muito mais do que mera recordação de acontecimentos pretéritos. É resgatar o profundo significado do que é ser republicano – a igualdade de todos e o regime da lei. Assim, fica evidente que a causa da República não terminou no dia 15 de novembro de 1889. Lá se deu um passo importante, mas esses dois princípios – da igualdade e do regime da lei – não se tornaram realidade por mera proclamação. Ainda há muito a fazer, a exigir, a retificar, a aperfeiçoar para que se possa aplicar ao Brasil, com inteireza, o qualificativo de republicano. Que o percurso continue a ser trilhado.

Jogo com regras – Editorial | Folha de S. Paulo

Pode-se admitir legalização mais ampla de apostas, com regulação rigorosa

Não são poucos os problemas sociais associados a cassinos e outras modalidades de aposta, e o jogo compulsivo constitui, sem dúvida, o mais grave deles. Os desequilíbrios mentais dos apostadores e seu constante flerte com a ruína econômica e familiar estão imortalizados nas páginas de “O Jogador”, de Fiódor Dostoiévski.

Revisões de estudos realizados principalmente na América do Norte, na Europa e na Ásia apontam que entre 0,7% e 6,5% dos indivíduos já viveram ao menos um episódio em que puderam ser classificados como jogadores patológicos.

O transtorno, que tende a ser crônico e progressivo, frequentemente aparece com outras moléstias psiquiátricas, como alcoolismo, depressão e até ideações suicidas.

Como se não bastasse, a concessão de licenças para a exploração da atividade por particulares muitas vezes se faz acompanhar do florescimento de ações criminosas como a lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas e de pessoas.

Por essas razões, a Folha se opunha em seus editoriais às recorrentes tentativas de ampliar as oportunidades de jogo legalizado no Brasil. Mas existem também argumentos no sentido contrário.

Avanços tecnológicos, que permitem a qualquer um instalar um cassino virtual em seu computador, além da crescente convicção de que direitos individuais não devem ser tolhidos pelo Estado, fazem com que o jornal mude de posição agora —e passe a admitir uma legalização mais ampla, fortemente taxada e bem regulada.

Com efeito, a proliferação de apostas por meio da internet faz com que o cidadão brasileiro se exponha aos riscos da ludomania, mas destina ao exterior todas as receitas do negócio e também os impostos que poderiam ajudar a reduzir seus impactos deletérios.

Uma boa regulação é a chave para que o país possa aproveitar os bônus da atividade sem amargar seus piores custos. Não se deve, por exemplo, pôr uma máquina de caça-níqueis em cada esquina. Cumpre limitar a abertura de cassinos a poucos locais que tenham vocação para atrair visitantes.

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), já apoia um plano para instalar um cassino na zona portuária da cidade. De fato, a empreitada tem o potencial de criar empregos e trazer estímulo à indústria do turismo, mas os números maiúsculos mencionados pelo lobby da legalização precisam ser vistos com boa dose de ceticismo.

Os graves problemas sociais vinculados ao jogo não podem ser eliminados, mas podem ser minorados —por exemplo, com maior oferta de serviços médicos para dependentes e mecanismos de autobanimento, pelo qual o jogador compulsivo, num momento de lucidez, veta a própria entrada nas casas de aposta.

No que diz respeito à lavagem de dinheiro, há tecnologia para que as autoridades acompanhem online as movimentações dos cassinos. A atividade deve estar cercada de total transparência, com a contabilidade aberta ao público.

Ao apostador deve ficar claro que suas chances de vencer são mínimas. Caberá a ele, alertado, a decisão de transferir ou não renda para cassinos e para o Estado.

Rever incentivos estimula aumento de produtividade – Editorial | O Globo

Há espaço para se impulsionar avanço em tecnologias de informação a partir de pesquisa, desenvolvimento e inovação

Governo e Congresso trabalham para editar uma nova política de incentivos fiscais à indústria eletroeletrônica até 31 de dezembro. É exigência da Organização Mundial do Comércio (OMC), que condenou o atual sistema de subsídios, criado há 28 anos na Lei de Informática e Automação (nº 8.248).

Trata-se de mudança com impacto num mercado onde atuam 540 empresas, com 235 mil empregados, e vendas anuais estimadas em US$ 40 bilhões (ou R$ 168 bilhões). Metade dos impostos pagos por essas indústrias na última década acabou revertida em estímulo fiscal ao setor.

É prática comum nos países industrializados a concessão de incentivos às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação em tecnologia de informação. Para a OMC, o problema está na forma como é feito e, no caso do Brasil, houve rejeição à opacidade nos subsídios.

A Lei de Informática e Automação viabilizou, em quase três décadas, a reconstrução de uma base industrial mínima em tecnologia de informação. Representa um alento, se comparada à destruição provocada pela reserva de mercado nacional para produtos de informática, nos anos 80, que privilegiou alguns grupos comerciais e deixou o país à margem da transição para a era digital.

Subsídios a esse setor, porém, deveriam ser percebidos como fase preparatória à reentrada do Brasil no mercado global de componentes, em especial o de semicondutores, que cresce à média de 13% ao ano, com vendas totais de US$ 469 bilhões (R$ 1,9 trilhão) em 2018. Hoje, a participação brasileira limita-se a uma fatia de 2% desse bolo, o que é incoerente com a dimensão da economia nacional, a necessidade de atualização tecnológica do parque industrial doméstico e o potencial de exportações. O país ainda importa US$ 60 de cada US$ 100 que consome em componentes básicos na indústria eletroeletrônica.

Há espaço para se impulsionar um real avanço em tecnologias de informação, a partir de pesquisa, desenvolvimento e inovação, de efeitos transformadores para todo o parque industrial brasileiro. Ocorre que empresas, governo e o Congresso demoraram a construir uma nova política — ou não quiseram fazê-lo. Agora, correm contra o relógio para redefinir regras de subsídios nas próximas dez semanas.

A inércia leva à mudança cosmética do que aí está. É contraditório porque, premido por aguda crise, o país precisa rever todo o sistema de incentivos fiscais cujo peso final é de 4,6% numa carga tributária de 33,6% do Produto Interno Bruto, com claro efeito indutor à concentração de renda. Felizmente proibiu-se a concessão ou ampliação dos subsídios existentes. Agora é necessário que governo e empresas se pautem pela ousadia capitalista na superação de desafios, como é o caso do atraso tecnológico brasileiro. Rever incentivos pode estimular o aumento de produtividade.

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