quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A sociedade e o Supremo – Editorial | O Estado de S. Paulo

Decisões judiciais não estão livres do escrutínio público, mas têm de ser respeitadas para nos livrar da barbárie

O julgamento do mensalão, em 2012, trouxe o Supremo Tribunal Federal (STF) para o cotidiano dos brasileiros. A partir de então, a notoriedade da Corte Suprema e dos 11 ministros que a compõem atingiu um patamar sem precedentes em sua história centenária. Acalorados debates acerca das decisões do STF, antes circunscritos ao meio jurídico, hoje são comuns nas ruas, escolas, universidades, empresas e, em especial, nas redes sociais. Não surpreenderá mais ninguém caso um cidadão seja capaz de citar os nomes dos 11 ministros do STF com a mesma desenvoltura com que cita os nomes dos jogadores do seu time de futebol.

Nada de mal há nessa aproximação da sociedade com o órgão que é a expressão máxima da Justiça no Brasil. Muito ao contrário, é uma proximidade institucionalmente saudável. Afinal, os mais graves temas nacionais, quase sempre, acabam no Plenário ou em uma das duas Turmas do STF. Decisões da Corte Suprema, colegiadas ou monocráticas, ditam a direção do País naquilo que tocam.

É compreensível, portanto, que a pressão da sociedade sobre os 11 ministros do Supremo tenha aumentado significativamente nos últimos anos, seja fruto da publicidade das sessões da Corte, proporcionada pela TV Justiça, seja motivada pelo pendor midiático de alguns de seus ministros. Fato é que, sempre que o STF se debruça sobre casos ou temas que aguçam o interesse público – quando não as paixões –, é natural que, dentro das regras democráticas e dos limites da civilidade, os cidadãos, individualmente ou em grupos organizados, manifestem-se ordeiramente, com a liberdade que a Lei Maior assegura a todos.

O que não seria natural é o STF se deixar levar por pressões outras que não o peso da Constituição e das leis. Sobretudo quando essa pressão é exercida por meio de ameaças, veladas ou explícitas, à Corte, aos ministros ou ao País.

Agora, o STF está às voltas com o julgamento de três ações que tratam da execução da pena após a condenação em segunda instância. O tema é um dos que despertam paixões, inclusive em virtude da notoriedade de alguns réus alcançados pela decisão, entre eles o ex-presidente Lula da Silva.

Um grupo de caminhoneiros partidários do presidente Jair Bolsonaro exacerbou essas “paixões” e divulgou uma série de vídeos ameaçando o País com novas paralisações caso o STF reveja sua jurisprudência sobre o tema e, assim, permita a soltura de Lula da Silva. Fará muito bem o presidente Bolsonaro se usar a influência que tem sobre o grupo, que tão útil lhe foi na eleição, para arrefecer os ânimos.

“Se vocês soltarem tudo que é ladrão (sic), principalmente o maior de todos eles, o Lula, vocês vão ver a maior paralisação que este país já teve. Fica esperto, Toffoli”, disse um caminhoneiro identificado como “Marcão”, dirigindo-se ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli. “Já viram caminhão subindo rampa? Isso não é um recado, não. É uma promessa”, ameaçou outro caminhoneiro.

Evidente que boa parte dessas mensagens não passa de bravatas. Por prudência, órgãos de segurança e inteligência dos Poderes Executivo e Judiciário já atuam para separar ameaças sérias de meros arroubos. De qualquer forma, o País conhece bem a truculência de alguns grupos de caminhoneiros. Impressiona o desembaraço com que ameaçam o País quando lhes convém.

Espera-se que os ministros do STF mantenham a jurisprudência da Corte no sentido de autorizar o início da execução da pena após condenação em segunda instância, mas pelas razões constitucionais que a consubstanciam, e não pela imposição truculenta da vontade de grupos que se julgam capazes de fazer reféns a Nação e os Poderes constituídos.

O Direito é o pacto por meio do qual os cidadãos vivem em harmonia, não necessariamente em concordância. Por meio do Direito, abolimos a força bruta como método de resolução de conflitos. As decisões judiciais não estão livres do escrutínio público, mas têm de ser respeitadas por todos para que esse pacto que nos livrou da barbárie se mantenha válido.

Águas turvas - Editorial | O Estado de S. Paulo 

A mancha de óleo se espalhou pelo litoral do Nordeste também como consequência da dificuldade do atual governo de tratar deste ou de qualquer outro tema de forma realista

O desastre ambiental causado pelo vazamento de óleo que atinge a costa do Nordeste desde o final de agosto vem sendo tratado pelo governo federal de maneira pouco transparente. A dimensão do problema exige o engajamento de um grande número de autoridades e especialistas, além de uma considerável mobilização de recursos, o que demanda o mais amplo compartilhamento de informações e uma liderança sólida no gerenciamento desse trabalho conjunto. Pouco disso se tem visto por parte da Presidência da República, do Ministério do Meio Ambiente e de outros órgãos federais envolvidos.

A Petrobrás e a Marinha mantêm em sigilo relatórios de investigação sobre o caso, ao mesmo tempo que o presidente da República, Jair Bolsonaro, reiteradas vezes vem lançando no ar suspeitas sobre a possível natureza criminosa do vazamento e insinuando que a Venezuela seria a responsável. Se o governo sabe de algo a esse respeito, deve dizer claramente, mostrando a íntegra dos documentos nos quais baseia suas conclusões. Do contrário, estaremos no terreno da fofoca, o que não condiz com a seriedade que se espera da administração federal, em especial diante de um grande desastre ambiental como esse.

Enquanto o governo parece mais empenhado em implicar a ditadura venezuelana no caso, o óleo se espalha – já atinge quase 140 pontos do litoral de nove Estados do Nordeste – e há uma clara descoordenação de esforços para enfrentar o problema.

Em primeiro lugar, o governo reagiu de forma tardia e atabalhoada. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, informa que desde o dia 2 de setembro está em ação um grupo de acompanhamento formado pela Marinha, pelo Ibama e pela Agência Nacional do Petróleo. No entanto, o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional, estabelecido por decreto em 2013 para casos como esse, só foi acionado no dia 11 de outubro passado, mais de um mês depois. É esse plano de contingência que distribui responsabilidades entre os diversos órgãos envolvidos e estabelece os procedimentos e as ações em cada etapa.

Ao que parece, o problema nesse caso é que o comitê executivo responsável por acionar o Plano de Contingência foi um dos comitês extintos por Bolsonaro no começo do ano com o objetivo, segundo o presidente, de “reduzir o poder de entidades aparelhadas politicamente”. A área técnica do Ministério do Meio Ambiente chegou a sugerir o restabelecimento do comitê, mas foi ignorada.

Assim, o governo parece ter optado pelo improviso, sem uma resposta organizada. A última providência a denotar esse despreparo foi a convocação do Exército para atuar no recolhimento do óleo.

Como tem acontecido com lamentável frequência, o Exército tem sido chamado para atuar em situações para as quais seus integrantes não foram treinados, seja para combater incêndios na Amazônia, seja para garantir a segurança pública em capitais com altos índices de criminalidade. Agora, por força mais uma vez da incapacidade dos governos de enfrentar de maneira eficiente os problemas que só a eles cabe resolver, o Exército é acionado para atuar numa área que lhe é estranha. A justificativa dada pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, foi explícita: o governo precisava mostrar serviço. “A gente faz o trabalho e não está tendo visibilidade. Então vamos botar mais visibilidade nisso aí”, disse Mourão. Enquanto o governo faz campanha para tentar melhorar sua imagem nesse caso, as autoridades dos municípios atingidos pela mancha de óleo queixam-se de que a administração federal está tomando decisões sem ouvi-las, de forma desordenada.

Em resumo, a mancha de óleo se espalhou como consequência não apenas da enormidade do vazamento, mas também da dificuldade do atual governo de tratar deste ou de qualquer outro tema de forma realista, preferindo quase sempre atribuir os problemas a criativas conspirações. Para o presidente Bolsonaro, por exemplo, é natural questionar se o vazamento “poderia ser uma ação criminosa para prejudicar o leilão” de áreas do pré-sal, previsto para novembro. Enquanto se tenta entender o que uma coisa tem a ver com a outra, o óleo se espalha.

Contas melhores – Editorial | Folha de S. Paulo

Receita atípica e juro baixo favorecem Tesouro, mas não permitem elevar gasto

Perto do final de um ano em que severas restrições orçamentárias se misturaram a conflitos políticos, o governo Jair Bolsonaro (PSL) pode apresentar progressos no ajuste das contas do Tesouro Nacional.

Nem de longe se eliminou o desequilíbrio entre as despesas da máquina pública e as receitas, como havia prometido, sem nenhum conhecimento de causa, o ministro Paulo Guedes, da Economia. Mas o déficit tende, de fato, a ficar substancialmente abaixo do previsto.

Em vez dos R$ 139 bilhões fixados como meta para a administração federal, trabalha-se agora com valores abaixo dos R$ 100 bilhões. De cerca de R$ 33 bilhões em gastos bloqueados por falta de arrecadação, quase a metade já foi liberada.

De imediato, a relativa melhora reduz pressões sobre o Executivo. Há mais recursos para as demandas de parlamentares; graças a remanejamentos, o MEC recompôs as verbas das universidades federais —cujo contingenciamento, acompanhado de declarações hostis, motivou protestos de rua contra a gestão Bolsonaro.

Entretanto os resultados menos ruins não asseguram alguma folga no caixa nos próximos anos. Eles se devem, basicamente, à expectativa de receitas extraordinárias com leilões de petróleo. Não será possível, portanto, contar com novos ganhos dessa natureza.
Há, de todo modo, uma perspectiva mais favorável para a evolução da dívida pública —quanto menor o déficit orçamentário, menor o crescimento da dívida, que se aproxima do equivalente a 80% do Produto Interno Bruto.

Mais importante, a queda dos juros vem reduzindo as despesas financeiras do governo, que andaram na casa de 7% do PIB e hoje estão pouco acima dos 4%.

Ainda assim, estabilizar o endividamento levará tempo. Nos cálculos da Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado, isso não acontecerá muito antes de meados da próxima década.

Até lá, os gastos devem permanecer sob rígido controle, até que o crescimento da economia e da arrecadação tributária equilibrem gradualmente as contas.

A melhor maneira de mitigar os sacrifícios no período será conter despesas obrigatórias, em especial com aposentadorias e salários elevados, de modo a abrir espaço para educação básica, saúde, assistência e outras prioridades.

Vexame boliviano – Editorial | Folha de S. Paulo

Condução do pleito em que Evo Morales busca 4º mandato mancha instituições

As manobras do presidente da Bolívia, Evo Morales, para disputar um quarto mandato já haviam maculado a eleição geral do país antes mesmo de sua realização, no último domingo (20). O anúncio da vitória do mandatário, em meio a uma apuração conturbada, terminou por desmoralizá-la.

Eleito pela primeira vez em 2005, Morales combinou nos últimos 14 anos uma liderança pragmática, que rendeu bons resultados na economia, com um apego ao cargo típico do caudilhismo.

Exemplo eloquente desse traço deplorável foi a maneira como logrou concorrer ao pleito do fim de semana —desrespeitando tanto a Constituição aprovada em 2009 como o resultado de consulta popular realizada há três anos.

Depois de promover uma interpretação particular da Carta, que permite uma única reeleição, para disputar a Presidência pela terceira vez, Morales articulou um referendo com vistas a modificar esse artigo constitucional.

Perdeu por 51,3% a 48,7%, mas não se deu por vencido. Valeu-se então de um expediente casuístico, recorrendo ao artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que assevera que todo cidadão tem o direito de concorrer a cargos públicos. O tribunal constitucional boliviano, subserviente, acatou a tese estrambólica.

O vexame da participação de Morales no pleito agravou-se com a maneira obscura com que se deu a divulgação de resultados.

Inicialmente, o órgão eleitoral utilizou um modo de contagem rápida, por meio de atas, mas suspendeu a transmissão dos dados na noite de domingo, após ter apurado 83% dos votos. Naquele momento, Morales vencia seu adversário, o ex-presidente Carlos Mesa, por 45,3% a 38,1%, diferença que levaria ao segundo turno.

Na manhã do dia seguinte, porém, o governo anunciou que esse método de contagem seria interrompido e valeria apenas o cômputo voto a voto. Horas mais tarde, porém, apuração rápida foi retomada e divulgou-se que o presidente vencera no primeiro turno.

Seguiram-se uma noite de protestos e uma crise de desfecho imprevisível. De garantido, apenas novas perdas para a credibilidade das instituições democráticas bolivianas.

Modernização da Previdência vence uma etapa – Editorial | O Globo
Reforma é avanço importante e precisa ser entendida como a primeira de algumas que virão

A aprovação final do texto-base da PEC da Previdência, ontem no Senado, representa uma etapa relevante na execução de reformas estruturais — além da previdenciária, a tributária e a do pacto federativo. São alterações estratégicas para atualizar legislações-chave relacionadas aos gastos públicos, à coleta de impostos, à forma como a receita tributária é distribuída na Federação, e também o peso do Erário sobre a sociedade.

É um trabalho extenso, mas que tem de ser feito para atualizar dispositivos e conceitos que vêm da Constituição de 88, ou inspirados nela, quando o mundo era outro.

Os números frios indicam uma frustração, porque o projeto original encaminhado pelo governo ao Legislativo era de uma economia de pouco mais de R$ 1 trilhão em dez anos, cifra podada para R$ 800 bilhões, depois da dita desidratação decorrente de negociações políticas feitas na Câmara e no Senado. Não há o que reclamar, pois se trata do jogo democrático. As falhas terão de ser consertadas à frente, quando o Congresso se convencer que errou.

Os R$ 800 bilhões, se estão aquém da “potência fiscal” desejada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo secretário Especial da Previdência, Rogério Marinho, encontram-se bem acima dos R$ 500 bilhões estimados como resultado final da proposta de reforma de Michel Temer, depois das inevitáveis desidratações. O número não foi confirmado, porque o projeto naufragou quando o presidente perdeu força política, devido à ética.

A reforma aprovada ontem tem, entre os méritos, o de haver incluído nas regras previdenciárias o conceito de idade mínima para o segurado se habilitar à aposentadoria. O parâmetro básico do tempo de contribuição para a obtenção do benefício, regra seguida por poucos países no mundo, causou a distorção de a idade média dos aposentados ser relativamente baixa no Brasil, na faixa dos 50 anos de idade. Como a sobrevida das pessoas a partir desta idade ultrapassa os 80 anos, mesmo em regiões menos desenvolvidas, os gastos crescentes com benefícios são financiados cada vez menos pelo que é arrecadado no INSS.

A reforma tem de ser encarada como a primeira de algumas. Pois a população continua a envelhecer enquanto diminui proporcionalmente a entrada de jovens no mercado formal de trabalho. O resultado negativo do confronto de gastos crescentes com receitas decrescentes vai continuar a aumentar. O déficit se alargará em velocidade mais baixa, o que já é um avanço.

As frustrações nesta reforma devem e podem ser revertidas nas próximas mudanças, nem que seja, como desta vez, sob pressão da vida real. Inclui-se neste caso a intenção de se reduzirem as disparidades entre os privilegiados servidores públicos e os assalariados que dependem do INSS. Estes têm como teto R$ 5,7 mil, enquanto no funcionalismo há aposentadorias de mais de R$ 20 mil. Fica para depois aprofundar a correção deste viés antissocial, rumo a um sistema previdenciário que atenda todos da mesma forma.

Falhas no modelo chileno abrem espaços à revolta – Editorial | Valor Econômico

O diagnóstico do insuspeito FMI é uma leitura sóbria das falhas no modelo econômico chileno

Pelos padrões seguidos pelos investidores, a violência que provocou 15 mortes, centenas de lojas saqueadas e destruição no Chile, provocados por um simples aumento de 3% no preço do transporte, seria algo tão improvável como problemas no paraíso. Os feitos econômicos chilenos são notáveis, quando comparados aos de seus vizinhos latino-americanos. O bem-estar dos cidadãos, porém, é um dado dos mais importantes. O Chile está distante de alcançar os países desenvolvidos, meta que aspira. Os chilenos convivem com uma enorme desigualdade, baixa mobilidade social e um sistema de aposentadorias que apenas espelha a má distribuição de renda, com um sistema de capitalização puro. Preços de bens públicos em alta, como o dos transportes, aumento dos imóveis, sucessivos reajustes de energia, foram, para famílias muito endividadas - débitos de 60% da renda disponível - e com salários que correm atrás da inflação, mesmo baixa (2,6%) o fermento de uma insatisfação acumulada, que culminou com a explosão nas ruas.

As estatísticas não contam tudo. O PIB per capita chileno é bem superior ao dos demais países da região - US$ 15,4 mil em preços correntes e US$ 26,3 mil em paridade de poder de compra, ante US$ 8,8 mil e US$ 16,4 mil no Brasil. O crescimento do PIB per capita, de 4% ao ano entre 1990 e 2013, estagnou para 1% nos últimos quatro anos, com a queda das cotações do cobre. Após manter a invejável média de 4% ao ano na primeira década do século, a economia avançou menos de 2% entre 2013 e 2016. A previsão para 2019 é de 2,5%.

O Estado parece enxuto, consumindo receitas de 21,7% do PIB, com gastos de 23,3% do PIB e um déficit fiscal estrutural de 1,8% do PIB. Tudo parece austero em relação ao Brasil, onde reina o descalabro fiscal. Mas pode haver outra explicação para isso. Os chilenos tem uma ínfima rede de proteção social do Estado. Pagam por um sistema de saúde público ineficiente - 7% do salários, e 13% para ter acesso a atendimento privado - e pela educação superior.

A educação universitária foi entregue ao setor privado na ditadura de Augusto Pinochet. Várias revoltas estudantis não conseguiram ampliar o acesso às faculdades. O gasto do Estado com o ensino superior do Chile é, assim, um dos menores do continente. Por isso, como ressalta estudo do FMI, o número de engenheiros formados, vital para o desenvolvimento de qualquer país, também está entre os menores da América Latina. Nos testes do Pisa, os chilenos vão melhor que seus parceiros latino-americanos, mas ainda estão bem abaixo dos demais países da OCDE.

O modelo de previdência social chileno é o da capitalização, sem contribuição patronal e até há pouco, sem aportes do Estado - a receita preferida do ministro da Economia, Paulo Guedes. Esse sistema levou grande parte dos aposentados a receber menos que o salário mínimo, de cerca de US$ 400, ou R$ 1.640. Os rendimentos médios dos aposentados como porcentagem dos salários dos últimos dez anos na ativa é de 34%, segundo números do FMI, e com viés de baixa. “A reforma da previdência permanece urgente”, diz o relatório anual sobre consultas do FMI com o governo chileno de 2018. Apesar de reduzir o risco fiscal e desenvolver o mercado de capitais, o sistema “não está oferecendo benefícios adequados a larga fatia dos aposentados”.

Para quem busca motivos de uma revolta, o diagnóstico do insuspeito FMI é uma leitura sóbria das falhas no modelo econômico chileno. “A falta de diversificação mantém a economia dependente da mineração”, aponta. “A desigualdade de renda é alta, políticas de redistribuição são limitadas, (com o índice de Gini 0,13 acima da média da OCDE), e a mobilidade social é baixa, em parte pela desigual distribuição de habilidades e do acesso à educação de alta qualidade”.

As manifestações levaram o presidente Sebastián Piñera, um bilionário de direita com fortuna estimada em US$ 2,7 bilhões, a convocar os partidos para um acordo sobre o que precisa ser feito. Há quase certeza sobre o que deve mais ser feito - como a reforma tributária em discussão, que reduziria impostos sobre os mais ricos.

Os 10% mais ricos tinham renda 39,1 vezes a dos 10% mais pobres, ante 30,8 vezes em 2006 (The Economist). A reforma da aposentadoria deve ganhar celeridade, com a contribuição de 4% dos empresários e o aumento substancial do complemento à previdência dos muito pobres com recursos do orçamento. Partidos de esquerda e de direita arrastaram a solução de problemas básicos. O protesto possível passou por fora deles, desorganizado e violento.

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