quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Ribamar Oliveira - A euforia do governo com os juros baixos

- Valor Econômico

Custo da dívida pública será fortemente reduzido

Os integrantes da equipe econômica do governo estão eufóricos com o atual ciclo de queda de juros no Brasil. “Se, há três anos, alguém tivesse me dito que hoje o Tesouro estaria vendendo títulos com juros reais de 2,5% ao ano, eu teria falado que ele estava delirando”, observou um graduado assessor do ministro da Economia, Paulo Guedes, em conversa com o Valor. “Em dois ou três anos, com esse cenário benigno de juros, o perfil da dívida pública vai mudar muito”, disse.

Em outubro de 2016, a taxa básica de juros (Selic) estava em 14% ao ano. Hoje, está em 5,5% ao ano, com todo o mercado acreditando que ela cairá para 4,5% até o fim deste ano e podendo chegar a 4% em 2020. Na mesma data, o Tesouro emitia títulos corrigidos pelo IPCA (NTNB principal) com prazo de quatro anos e taxa de juro real de 5,95% ao ano. Em janeiro daquele ano, os juros reais do mesmo papel chegaram a 7,27% ao ano. Ontem, a NTNB com prazo de cinco anos estava pagando juros reais de 2,41%.

Os últimos dados do Tesouro mostram que 53,2% da dívida pública mobiliária federal vence nos próximos três anos. São aqueles papéis emitidos, em grande medida, durante o auge da crise econômica brasileira (2015/2016), com taxas de juros elevadíssimas. Eles serão substituídos por papéis que terão taxas de juros reais bem mais baixas e, possivelmente, com prazo médio de vencimento maior.

O atual movimento de queda dos juros deve alterar consideravelmente a dinâmica do endividamento público, permitindo que o esforço fiscal necessário para estabilizar a relação da dívida bruta com o Produto Interno Bruto (PIB) seja menor. Claro que, para isso, é preciso que o governo continue reduzindo as suas despesas para obter um resultado primário positivo.

As questões que estão sendo discutidas no governo e no mercado, neste momento, são: até que patamar o juro real vai cair? Por quanto tempo ficará tão baixo? E, quando fechar o hiato do produto (diferença entre o PIB potencial e o observado), qual será o juro real neutro, ou seja, a taxa que mantém um ritmo de crescimento que não gera inflação? Alguns bancos trabalham com uma Selic de 4% no fim do próximo ano e com inflação de 3,7%. Ou seja, com juro real de 0,3%, muito próximo de zero.

Como explicar essa queda contínua da taxa real de juros em um cenário fiscal dramático, com elevados déficits primários sendo registrados nas contas públicas desde 2014? A avaliação de um integrante da área econômica é que o juro real está caindo no Brasil por uma péssima razão. Por causa da forte recessão registrada no país e por uma recuperação anêmica da economia, que estão mantendo por um prazo muito longo um alto índice de desemprego e de capacidade ociosa da indústria. Essa anemia produtiva explica a baixa inflação que, neste ano, ficará muito próxima do piso da meta perseguida pelo BC.

Há também uma razão externa. A economia mundial dá sinais preocupantes de desaquecimento, em meio a uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Em consequência, as taxas de juros reais estão baixas em todos os lugares, sendo que, em alguns países desenvolvidos, estão negativas. “Neste momento, há mais de US$ 15 trilhões em busca de alguma rentabilidade”, observou a fonte.

Já há uma discussão sobre a possibilidade de juros negativos no Brasil. Se a taxa real ficar muito baixa, a equipe econômica não vê dificuldade para a rolagem da dívida pública, com o argumento de que a queda de retorno nas aplicações será generalizada, atingindo também os títulos privados. Desta forma, o investidor terá que correr mais riscos ou se contentar com uma menor rentabilidade de suas aplicações, pois não haverá alternativa.

O cenário de juro real muito baixo pode durar, projeta a fonte, cerca de dois anos - prazo que parece ser uma unanimidade no mercado. Com um crescimento mais dinâmico da economia, a capacidade ociosa da indústria será reduzida, assim como o desemprego. O aquecimento econômico fará a inflação subir e, em algum momento, o Banco Central voltará a aumentar a Selic. A questão é saber qual será a taxa real neutra que resultará desse movimento. Parece haver um consenso de que ela não voltará ao nível anterior ao atual ciclo de queda.

Em conversa com a jornalista Claudia Safatle, do Valor Econômico, o ministro Paulo Guedes disse que trabalha com uma taxa de juro real neutra abaixo de 2% ao ano. A Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade do Senado, estima que ela ficará em torno de 3,5% ao ano. A resposta a esta questão é fundamental para estimar a dinâmica da dívida pública daqui para frente.

Como está ficando claro que, com a queda acentuada dos juros reais, caiu o superávit primário necessário para estabilizar a dívida/PIB, a questão passou a ser definir o ritmo de redução da dívida/PIB. A atual equipe econômica considera que o nível de endividamento de 80% do PIB, como está neste momento, é demasiado elevado.

Para o governo, o endividamento público brasileiro é muito alto na comparação com os outros países em desenvolvimento. O ideal, para a equipe econômica, seria reduzi-lo para algo em torno de 50% ou 60% do PIB, pois, nesse patamar, o governo poderia, em futura crise econômica, executar uma política fiscal expansionista.

Contingenciamento
Surgiu uma dúvida sobre o que a equipe econômica fez no relatório extemporâneo de avaliação de receitas e despesas de outubro, divulgado na segunda-feira. Ela incluiu na programação financeira do Tesouro uma receita de R$ 52,5 bilhões a ser obtida no megaleilão do excedente de petróleo da cessão onerosa, marcado para o próximo dia 6 de novembro, mas não liberou todas as dotações do Executivo que estão contingenciadas. Ainda estão bloqueados cerca de R$ 18 bilhões em despesas do Orçamento deste ano.

Se há receita, se há espaço no teto de gastos e se gastar mais não afetará a meta fiscal, qual é a razão de não executar a programação orçamentária? Principalmente diante da determinação da emenda constitucional 100, que diz que “a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias”.

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