sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Rogério L. Furquim Werneck* - Quanto tempo desperdiçado

- O Estado de S.Paulo | O Globo

Reformas pendentes em meio à mobilização do Congresso com as eleições municipais do ano que vem

Margaret Atwood – a consagrada romancista canadense, recém-agraciada com o Booker Prize e popularizada como autora do livro em que se baseia a série The Handmaid’s Tale – tem uma frase inspirada sobre o tempo que dá o que pensar sobre o avanço do programa de reformas do governo Bolsonaro: “As areias do tempo são movediças... quanto nelas pode desaparecer sem deixar vestígio”. (The sands of time are quicksands... so much can sink into them without a trace.)

Tendo se recusado a montar uma base parlamentar sólida, o Planalto descobre aos poucos quão problemática tem se mostrado essa impensada decisão. Além de ter de enfrentar dificuldades óbvias, relativas à aprovação de projetos de seu interesse e ao bloqueio de iniciativas parlamentares a que se opõe, o governo vem sendo obrigado a se conformar com prazos de tramitação excessivamente dilatados, ao sabor das prioridades e dos caprichos do Congresso.

A reforma da Previdência, que parecia praticamente aprovada em meados do ano, continua a se arrastar no Senado. Com sorte, será aprovada, afinal, na semana que vem, já a dois meses do recesso parlamentar de final de ano. E não houve só morosidade. Houve desfiguração. Mudanças perfeitamente defensáveis no abono salarial, já aprovadas na Câmara, foram alteradas no Senado. 

Num momento em que o Planalto parecia menos preocupado com a tramitação da reforma previdenciária que com que a aprovação do nome do novo embaixador do Brasil em Washington, a articulação política do governo nem zelou para que todos os senadores contrários às alterações participassem da votação em que a questão foi decidida. A incúria decepou nada menos que 1/10 do valor da melhora fiscal que a reforma poderá propiciar, em dez anos.

O pior é que a tramitação da reforma no Senado só foi possível mediante pagamento de vultoso pedágio, na forma de aprovação prévia de participações generosas de Estados e municípios nos recursos que advirão do leilão de excedentes da área de cessão onerosa do pré-sal. Como se temia, a ideia de que o acesso a tais recursos ficaria vinculado à aprovação de reformas fiscais nos governos subnacionais não subsistiu. Tendo acenado, desavisadamente, com a possibilidade de farta distribuição desses recursos aos Estados e municípios, o governo, sem capacidade de bloqueio no Congresso, não teve como resistir às pressões por distribuição imediata e incondicional dos resultados do leilão aos governos subnacionais.

É, pois, de mãos vazias, sem os recursos fiscais oriundos do pré-sal para oferecer, que o governo se prepara para desencadear reformas pendentes que deverão afetar em grande medida Estados e municípios. O que agora se noticia é que a reforma tributária ficaria para 2020. Por ora, a prioridade teria passado a ser o esforço de flexibilização dos orçamentos dos três níveis de governo, sob o lema “desvincular, desindexar e desobrigar”, que o Ministério da Economia insiste em rotular de Novo Pacto Federativo.

A prioridade pode até fazer sentido. O problema, mais uma vez, é o timing. Com base no que se viu nos últimos meses, é difícil que uma reforma de tamanha complexidade possa ser concluída, ou ao menos aprovada, em uma das Casas do Congresso até o recesso parlamentar. Isso significa que a fase mais crítica do esforço de flexibilização dos orçamentos dos três níveis de governo terá lugar a partir de fevereiro de 2020, quando a mobilização do Congresso com as eleições municipais já terá tornado bem mais difícil a aprovação das medidas requeridas.

Sobram evidências de que a mobilização do Congresso com as eleições do ano que vem deverá ser especialmente precoce. Basta ter em mente a batalha campal que já vem sendo travada entre a família Bolsonaro e o presidente do PSL, Luciano Bivar, pelo controle dos R$ 350 milhões de recursos públicos com que contará o partido na eleição de 2020. Um embate que poderá deixar o apoio do governo no Congresso ainda mais precário.

* Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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