sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Sergio Amaral* - A nova rota da China

- O Estado de S.Paulo

Oportunidades para o Brasil são consideráveis, na infraestrutura e no agronegócio em especial

A visita a Washington, em março, e a atual a Beijing serão provavelmente as duas viagens internacionais mais importantes do governo Bolsonaro. Estados Unidos e China, além de serem as duas principais economias mundiais, são também, como bem assinala Henry Kissinger, os dois polos de poder que deverão plasmar – pela via da cooperação ou do conflito – a ordem internacional do século 21. Não obstante a relevância de ambas as potências, a relação do Brasil com cada uma delas é de natureza diferente.

Brasil e Estados Unidos são parte da mesma família e compartilham ideais e valores que foram buscar num passado distante, mais particularmente no século V a.C., em Atenas. De lá vieram o compromisso com a democracia e com a liberdade e as noções elementares que conformaram nossa visão de mundo, de sociedade e de estado. Nossa cooperação é tradicional, intensa, e tornou-se ainda mais estreita após a visita do presidente Jair Bolsonaro a Washington.

Nosso relacionamento com a China é recente, mas expandiu-se em ritmo vertiginoso. Em pouco mais de uma década o comércio cresceu cerca de dez vezes e os investimentos, em termos de fluxo, passaram todos os demais países. O dinamismo do intercâmbio Brasil-China vem, sobretudo, da complementaridade das nossas economias. O Brasil tem em abundância terras e água, de que a China carece para poder atender à demanda de uma população de 1,4 bilhão de pessoas.

A entrada da China no Brasil foi progressiva. De início, as empresas chinesas buscavam assegurar o suprimento de commodities, como soja, de que sua população necessita para se alimentar; ou metais, como o minério de ferro, que a economia demandava para sustentar taxas de crescimento da ordem de 10% ao ano durante um período de três décadas, sem precedentes na História. A seguir os investimentos chineses se dirigiram à infraestrutura, em linhas de transmissão ou redes de energia e de telecomunicação. Mais recentemente a presença chinesa se reorientou para produção de bens de consumo durável, como automóveis, que já começam a circular em nossas ruas. Por fim, alguns entre os principais bancos chineses se instalaram no País, para financiar as joint ventures entre as empresas dos dois países.

Em poucos anos a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, assim como da maioria dos países latino-americanos, e o estoque de investimentos ultrapassou o patamar dos US$ 70 bilhões. De um lado, essa progressão evidenciava a rapidez da expansão global das empresas chineses; de outro, refletia o apetite voraz de governos e de empresas brasileiros por investimentos da China e exportações para o seu mercado.

Se voltarmos os olhos para o futuro, as oportunidades continuam a ser consideráveis, especialmente na infraestrutura. Nos últimos dez anos a China construiu em seu território mais trens de alta velocidade do que todos os que estão em funcionamento em todos os demais países, em conjunto. Por ocasião de viagem recente que fiz à China, avistei-me com várias empresas da província de Jiangsu, interessadas em fazer negócios com o Brasil. A China Railway, por exemplo, realiza atualmente 56 obras de ferrovias e metrô em várias partes do mundo e está avaliando a sua participação no programa brasileiro de transportes. A Asiastar produz 25 mil ônibus elétricos por ano e está em busca de um parceiro brasileiro para se instalar em nosso país. A Risheng Energia Renovável produz placas para geração de energia solar, segundo assegura, pela metade do preço do mercado internacional. Tem planos para instalar uma fábrica no Brasil para a produção de energia elétrica. Sem falar no possível interesse da China Telecom em participar da recuperação da Oi, no setor de telecomunicações.

No agronegócio residem oportunidades ainda mais promissoras. Além do volume crescente de exportações brasileiras para a China, está na hora de estimular parcerias concretas entre os grandes importadores e processadores chineses de alimentos e os gigantes da produção de proteína animal de nosso país, no âmbito de um processo mutuamente proveitoso de agregação de valor. A recente autorização do governo chinês para adição de até 10% de etanol à gasolina cria um gigantesco mercado potencial para as exportações de álcool combustível para a China, hipótese que merece cuidadosa avaliação.

O desenvolvimento acelerado dos últimos anos explicitou desafios e falhas no sistema político chinês, que a imprensa tem noticiado com frequência. Do lado da economia, no entanto, há sinais positivos. Observa-se a olho nu uma expansão sem precedentes do consumo e da proliferação de modernos supermercados e shopping centers nas principais cidades chinesas. Vale registrar a emergência de uma nova geração de dirigentes políticos e empresários jovens, bem formados, preocupados com eficiência, produtividade e aplicação das novas tecnologias na gestão pública e na produção. Por fim, é provável que o Brasil venha a receber nos próximos anos uma nova onda de investimentos, desta vez integrada por pequenas e médias empresas, inclusive privadas, em busca de parcerias com empresários brasileiros.

É preciso estarmos preparados para esse novo momento das relações Brasil-China e, sobretudo, aprimorarmos nossa capacidade de negociar, mediante maior coordenação entre governo e setor privado.

As oportunidades para o intercâmbio bilateral continuam, assim, relevantes. Num mundo crescentemente multipolar, o Brasil desfruta uma posição privilegiada. Tem boas relações com os principais polos da política e da economia globais. Preserva assim a capacidade de promover um intercâmbio proveitoso com todos, sem que a aproximação com alguns seja feita em detrimento da parceria com outros.

*Presidente emérito do Conselho Empresarial Brasil-China, foi Embaixador do Brasil em Washington

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