sexta-feira, 22 de novembro de 2019

César Felício - Da correção para a mudança de rumo

- Valor Econômico

Combate à corrupção perde fôlego no Brasil

Em seu livro de memórias, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot relata uma conversa que manteve no Departamento de Estado dos Estados Unidos, em julho de 2017. “O senhor tem ideia da extensão do trabalho de vocês no Brasil? “, perguntou um funcionário americano. “Vocês viraram modelo de combate à corrupção, e isso terá efeitos duradouros no continente, porque todos os países vão querer replicar esse modelo a partir de agora. Todos estão de olho no trabalho de vocês”.

A previsão de Washington deu mais ou menos certo. A Lava-Jato brasileira influenciou os países vizinhos, mas de forma irregular. Foi disruptiva no Peru, bem menos efetiva na Argentina e na Colômbia e virtualmente nula no México.

É nítido para qualquer um que queira ver que houve uma mudança de clima no Brasil em relação ao combate à corrupção este ano. O declínio coincide, ainda que não se deva a essa razão, com a ascensão ao Ministério da Justiça de Sergio Moro e tem nas limitações criadas ao trabalho do Coaf e da Receita Federal, tema do julgamento que transcorre no Supremo Tribunal Federal, um de seus eixos principais.

Também contribuíram para a mudança de clima certos aspectos da Lei de Abuso de Autoridade recentemente aprovada pelo Congresso, os tropeços do pacote anticrime de Moro na Câmara, as substituições pouco explicadas em postos chave da Polícia Federal e a constatação de que os responsáveis pela mais ambiciosa investigação contra a corrupção no mundo cometeram excessos.

Abriram o flanco para finalmente conseguirem estancar a sangria. “Muitas vezes se confunde a correção de rumo com a mudança de rumo”, lamentou há alguns dias um especialista internacional no tema, o holandês Geert Aalbers, sócio da Control Risks, uma consultoria global de análises de riscos.

Para Aalbers, há um paradoxo na América Latina. Em situações de prosperidade, a pressão social para o combate à corrupção é maior e os controles funcionam de forma mais ajustada. Quando a pauta da revitalização econômica ganha prioridade sobre qualquer outra coisa, o combate aos descaminhos fica fragilizado. O que se quer é deixar a economia rodar.

A mudança de rumo no Brasil tende novamente a impactar exemplos no exterior. Para Aalbers, o Brasil está longe de ser o caso mais complexo de corrupção no continente. A situação mexicana assemelha-se ao que se convenciona chamar de caixa preta. Estado forte, economia oligopolizada, o poder na mão de poucos há décadas e órgãos de controle com independência mínima.

Janot relata em seu livro que o procurador-geral do México, Raúl Cervantes Andrade, era também senador do PRI, o partido do então presidente Enrique Peña Nieto. Chamou a atenção do brasileiro o desinteresse do mexicano em obter dados no âmbito da cooperação internacional entre as duas instituições.

A situação só começou a mudar no México com a posse de Andrés Manoel López Obrador, que mudou o desenho institucional da Procuradoria. Por ora, o presidente mexicano lida com os efeitos políticos de um escândalo em curso no país, agitado pela divulgação de áudios que sugerem desvios da estatal petroleira Pemex na administração de seu antecessor. Uma ONG divulgou recentemente um estudo que indica que o Ministério Público mexicano só resolve 7,6% das investigações que dá início. A da Pemex é uma delas. Há o receio que uma desaceleração do ritmo brasileiro encoraje um cavalo de pau no México.

Novo
O Partido Novo tem um encontro marcado com a crise de seu crescimento. Ela já está se desenvolvendo desde que a sigla teve desempenho acima do esperado no ano passado ao conquistar o governo de Minas Gerais, com quem o partido vive uma relativa tensão, e está próximo de perder a filiação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. É seguro que o Novo terá desempenho significativo na eleição municipal de 2020, sobretudo nas eleições proporcionais. Em um cenário de fragmentação extrema, poderá se tornar a maior bancada em câmaras de vereadores mesmo em cidades em que provavelmente não vai governar. Pode ser o caso de São Paulo, por exemplo, onde o líder da sigla na Assembleia Legislativa, Heni Ozi Cukier, calcula que poderão ser eleitos sete vereadores. Hoje o partido conta com somente um.

A governança do Novo como uma espécie de “start up” ficará cada vez mais complexa. Opções que deram uma marca ao partido, como o uso de head hunter para a escolha de candidatos ou a decisão de não usar o fundo partidário serão cada vez mais questionadas. O Novo terá que se politizar, no sentido de ter correntes, alas, divergências internas, conchavos, pactuações e dissensos, viradas de mesa e puxadas de tapete como todos os demais. João Amoêdo foi um ganhador das eleições do ano passado, ainda que a tenha perdido, mas sua permanência bem sucedida no cenário dependerá de uma forma de fazer política ainda não experimentada por aquelas plagas.

São Paulo
N a legislatura passada da Assembleia Legislativa de São Paulo, havia dez parlamentares que não representavam nenhuma região específica do Estado. Hoje são 26 assim. Diminuiu a força do voto regionalizado, cresceu o peso do voto de opinião, na realidade de opiniões extremas, ou que representam fortemente uma corporação, com votação espalhada no Estado inteiro. A eleição de 2018 para deputado estadual em São Paulo foi significativamente nacionalizada, como indica o fato de PSL e PT terem ficado com as duas maiores bancadas. A polarização ideológica é uma marca desta legislatura paulista, em que o Palácio 9 de Julho ganhou ares de mini-Brasília. É frequente o parlamentar paulista dedicar tempo a assuntos que não lhe dizem respeito e a esdrúxula tentativa do estadual Frederico d’Avila (PSL) de realizar uma homenagem ao antigo ditador chileno Augusto Pinochet é apenas o exemplo mais recente. Em meio à gritaria entre petistas e bolsonaristas, a tarefa do governador João Doria de garantir a própria governabilidade fica facilitada.

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