domingo, 17 de novembro de 2019

Desafio é construir agenda que atenda aos anseios do país

Políticos e especialistas avaliam como o centro pode driblar a polarização, reforçada pela soltura de Lula e seu renovado embate com Bolsonaro. Não embarcar no discurso radical e apostar em uma agenda propositiva, que atenda aos reais anseios do país, são alguns dos caminhos apontados.

Os caminhos no debate político fora da polarização Lula-Bolsonaro

Silvia Amorim, Bruno Góes e Bernardo Mello | O Globo

A soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reacendeu o embate político da campanha de 2018 que resultou na eleição do presidente Jair Bolsonaro. O confronto entre petistas e bolsonaristas, que fez naufragar na disputa nomes que se apresentavam como opções mais moderadas, ganhou novos contornos quando, ainda no primeiro dia após sua liberdade, Lula já disparou seus primeiros ataques ao presidente.

A retomada da polarização volta a colocar representantes de partidos de centro diante do dilema: como evitar que o espaço político seja novamente duopolizado pelas forças políticas que chegaram ao segundo turno na última eleição? Há espaço para o centro com Bolsonaro e Lula dominando a cena política?

O GLOBO pediu que políticos e especialistas avaliassem o cenário. Foram ouvidos o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung e o cientista político Carlos Melo.

Um consenso inicial é que, apesar do ambiente polarizado, há espaço para um caminho moderado em relação aos estilos de Lula e Bolsonaro. Outra resultante geral é a avaliação de que, para as lideranças de centro, deve predominar uma agenda propositiva em vez de um discurso negativo — o centro não pode ser um mero meio-termo entre esquerda e direita nem achar que contundência é sair xingando todo mundo, resumiu Carlos Melo.

O ex-presidente Fernando Henrique defende que se busque um discurso voltado a interesses concretos da população. Maia acredita que apoiadores de Lula e de Bolsonaro pouco ouvem fora das próprias bolhas, mas que fora delas há um grande contingente de pessoas em busca de diálogo. Já Hartung considera que é cedo para antecipar a disputa eleitoral e espera que a polarização arrefeça em breve.

Mauro Paulino lembra que, em 2018, uma parcela dos eleitores se movimentou como pêndulo, indo na direção oposta do candidato que não queria. Para ele, há espaço na próxima eleição para candidaturas que se apresentem contrárias à radicalização.

E AGORA, CENTRO?

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX-PRESIDENTE ‘Não se trata de atrair eleitores de centro, mas todo o eleitorado’

Não se trata de atrair “eleitores do centro”, mas de atrair os eleitores em geral. É preciso que o candidato tome posição e diga com clareza o que pensa fazer no país como um todo, mas sem esquecer que as “pessoas” têm aspirações e demandas concretas, e é em função dessas expectativas que agem.

A polarização atual está centrada na política e o presidente foi eleito em um momento no qual cabia uma agenda negativa (dizer não ao PT, não à criminalidade e não à corrupção). É se de esperar que em 2022 o eleitorado queira uma agenda positiva.

Centrada em seus interesses concretos. Decência política e retomada do crescimento para gerar emprego devem ser a pauta do centro. Eficiência na segurança pública. Melhor educação, saúde e mobilidade urbana. “Brasil em primeiro lugar”, sem um governo que fragmente a sociedade e polarize a vida política.

Eleições não são o melhor momento para pactos. Os candidatos, isso sim, devem se comprometer com as instituições, mesmo sabendo que nossa cultura política tradicional é personalística e clientelista. Bom candidato tem convicções e lidera: imprime sua marca, não repete o que supõe que todos querem.

O candidato deve, ao mesmo tempo, criticar a fragmentação partidária e prestigiar as instituições da democracia, como o Judiciário e o próprio Congresso. A Constituição é o pacto básico. Há que cumpri-la; a lei vale para todos. Não é preciso inventar a pólvora...

RODRIGO MAIA, PRESIDENTE DA CÂMARA ‘A radicalização distorce os interesses da sociedade’

Meu sentimento é que o clima é eleitoral, apesar da distância da eleição. Mostra que esse ciclo de renovação, de mudança da política brasileira, ainda não se fechou.

E isso mostra também que há procura por um outro ambiente fora da radicalização. A própria colocação do nome do Luciano Huck por alguns atores mostra isso: que ainda tem uma sinalização das pessoas de que o clico de mudança não acabou. Uma parte da sociedade fica com Bolsonaro e outra fica com o PT, mas outra procura um cenário menos polarizado.

Se por um lado essa polarização, em tese, pode reduzir o espaço do centro, eu prefiro outra tese: já que se antecipou demais a eleição, há um universo que representa 40% da sociedade procurando mais diálogo, mais construção de consenso ainda nesse cenário de mudança.

Quanto mais radical ficar a polarização, mais forte vai ficar o ambiente no centro para procurar interlocutores que possam representar esse cenário no qual a sociedade possa ficar discutindo. Porque os ambientes radicais criam monopólios sobre teses.

Cada um só conversa sobre suas teses na esquerda e na direita. Entre si, (eles) se bastam porque não precisam discutir com outros grupos os temas, e o interesse da sociedade acaba distorcido. Por isso, esse ambiente do centro, diferente do que alguns acham, vai ficar mais fortalecido ainda.

MAURO PAULINO, DIRETOR DO DATAFOLHA ‘Eleitorado no Brasil está dividido em três terços’

O clima de polarização divide o eleitorado brasileiro em três terços diante das duas principais lideranças políticas: os pró-Lula, os pró- Bolsonaro e os eleitores-pêndulo, que não são tão fiéis a esses personagens quanto seus entusiastas, mas também não os rejeitam como seus detratores.

O número de eleitores-pêndulo tende a crescer quando a luta entre os extremos se intensifica. Buscam alternativas mais situadas ao centro e, quando não as encontram, escolhem um dos extremos por exclusão. Na última eleição penderam para Bolsonaro e decidiram a disputa.

Uma estratégia para atrair esse segmento é evitar a radicalização do discurso, tão explícito nos extremos. É fundamental também que surja um representante que incorpore essa mensagem a ponto de rivalizar com os dois atuais protagonistas da política nacional.

PAULO HARTUNG, EX-GOVERNADOR DO ES ‘Há uma avenida para o campo moderado como nunca houve’

Somos um campo progressista e operamos com forças políticas que vão dos liberais reformistas a militantes de centro-esquerda, como é o meu caso. Qual o nosso papel num quadro como esse (polarização)?

Fazendo um trocadilho, porque somos moderados, mas precisamos ser radicais na defesa das reformas que modernizem o país. Essas mudanças é que abrem espaço para que a gente transforme o Brasil num país de oportunidades. É hora de disputar eleição? Não é.

Não está na hora de pegar energia boa e colocar em algo improdutivo e inútil. É hora de ajudar a fazer avançar propostas para modernização da economia, do Estado e das políticas sociais. Enxergo uma avenida para o campo moderado aí.

Desde que entrei na política eu não via a política com espaço tão aberto e um ambiente na sociedade tão tranquilo para debater o que precisa ser debatido em termos de reformas e fazer mudanças estruturais no país. Essa polarização entre esquerda e direita vai diminuir daqui a pouco. Tem pessoas (no movimento do centro) que não pensam assim. Mas não vejo que haja um vácuo (de atuação de lideranças de centro).

Há pessoas extraordinárias nesse campo político com ideias, propósitos e espírito público. Cada um que acha que pode liderar o Brasil num futuro próximo coloque o nome, apresente suas ideias. A hora de convergir é lá na frente. Tem uma eternidade até lá.

CARLOS MELO, CIENTISTA POLÍTICO ‘Centro não pode ser só meio-termo entre esquerda e direita’

Em 2018, o centro foi visto como fisiológico e acabou pulverizado em candidaturas pequenas. Em um momento como o atual, este centro não pode simplesmente ser um meio-termo entre direita e esquerda. É preciso firmar uma tese original e, mais do que isso, ter expressão política.

Diante de dois atores com personalidade tão forte como Bolsonaro e Lula, o centro também precisa de alguém que seja contundente, o que não significa sair xingando todo mundo. É preciso um rosto que deixe muito claro a que veio. Apenas abraçar uma agenda reformista não transformará um candidato em um nome de centro.

Além do lado programático, é uma questão de forma também: se apresentar como alguém que não é populista, que respeita a Constituição, que não opera com maniqueísmos do tipo “nós contra eles”. Se o tal do centro não assumir o que ele é, nem disser o que não aceita de jeito nenhum, não vai se colocar como alternativa.

O antibolsonarismo e o antipetismo são maiores, hoje, do que o PT e o Bolsonaro. Quem disse que não é possível, para um candidato que se apresenta como centro, que consiga votos nos terços do eleitorado mais fiéis a Lula e a Bolsonaro? No entanto, sem uma crítica muito clara a ambos e sem um rosto que sirva de referência, o centro ficará esmagado entre os dois lados.

Uma estratégia para atrair segmento dos eleitores moderados é evitar radicalização do discurso

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