terça-feira, 5 de novembro de 2019

Fabio Graner - Sinais de vida no investimento privado?

- Valor Econômico

Investimento puxa alta de 2,2% do PIB privado, diz Secretaria de Política Econômica

O governo está reforçando seu arsenal para provar que a redução do Estado já estaria surtindo efeitos positivos para a economia. Depois de destacar a liderança do setor privado no atual ciclo, técnicos da área econômica fizeram uma análise mais profunda dos números, constatando que o processo de expansão é liderado pelos investimentos de famílias e empresas e disseminado entre os componentes do PIB.

Dados que serão divulgados nesta semana pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia e antecipados ao Valor apontam para uma aceleração na formação bruta de capital fixo (o nome técnico dos investimentos) privada. A área técnica acredita que esse movimento tende a se manter em um ambiente de juros mais baixos e consolidação fiscal.

No material, a SPE fez um exercício excluindo a variação de estoques nas contas nacionais. O resultado foi que o produto do setor privado cresceu 2,2% no segundo trimestre, mais do que o 1,7% apontado recentemente pela própria secretaria, no balanço sobre os nove meses de governo Jair Bolsonaro.

A abertura do dado mostrou que o investimento privado contribuiu com 1,3 ponto porcentual, com uma expansão de 7,02% no segundo trimestre. Em 12 meses, a alta do indicador foi de 4,87%, acelerando ante os 3,61% do acumulado até o primeiro trimestre.

O subsecretário de Política Macroeconômica, Vladimir Kuhl Teles, disse à coluna que há uma quebra estrutural na relação entre o PIB do setor público e o privado. Enquanto até 2016 ainda havia uma relação positiva entre os dois, desde 2017, primeiro ano de vigência do teto de gastos e com uma política clara de redução do Estado, a correlação passou a ser negativa, evidenciando, na visão dele, que menos Estado fomenta a expansão privada.

“[A redução do Estado] estimula o empreendedorismo. O investimento privado é benéfico para o país, pois a produtividade aumenta quando há maior crescimento privado”, afirmou Teles. “Quando o crescimento é guiado pelo setor público, cai a produtividade. Hoje a gente está vendo que a decisão de investimento está muito mais direcionada por expectativa de retorno mais alto, e não porque o governo está guiando”, completou.

Teles reconhece que esse movimento do setor privado ainda está aquém do desejável. Mas, avalia, a tendência é que se acentue, à medida que reformas estruturais para fortalecer o equilíbrio fiscal e o aumento da produtividade da economia tenham sequência, após a aprovação da nova Previdência.

Teles discorda da tese de que se, em vez de cair 1,6%, o setor público estivesse ao menos neutro, o crescimento econômico seria maior. Para ele, o processo de redução do PIB estatal, ainda que tenha algum limite, é necessário e tem efeitos positivos claros: queda estrutural nos juros e no risco-país, o que eleva os investimentos privados. Dada a situação de “calamidade fiscal”, aponta, qualquer outra direção seria contraproducente.

De acordo com o subsecretário, a credibilidade construída com a compressão do tamanho do Estado consolida a mudança estrutural no patamar de juros. E isso, diz, deve ter consequências favoráveis na oferta de crédito para as empresas e ajudar setores como a indústria, que há anos tem perdido espaço na economia.

O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) José Ricardo Roriz Coelho, concorda que é preferível e desejável um crescimento dos investimentos e da economia liderados pelo setor privado. Mas pondera que é necessário levar-se em conta que os recursos de empresas são direcionados para as operações de maior retorno e localizadas em regiões mais ricas.

Por isso, afirma, o setor público tem papel complementar que não pode ser negligenciado, em especial no desenvolvimento da infraestrutura em regiões mais pobres. “É preciso haver investimento público até para estimular o setor privado e a produtividade sistêmica”, disse.

Roriz aponta ainda que um crescimento de 2,2% do PIB privado ainda está aquém do desejável e a alta dos investimentos ocorre em poucos segmentos industriais, que haviam caído muito e precisavam retomar o nível de 2014. “O investimento só virá mesmo quando houver demanda e redução da ociosidade”, comenta.

O alerta do industrial deve ser levado em conta. O Brasil vive historicamente de exageros. Às vezes vai para Estado demais. Às vezes contrai muito. Encontrar a equação correta não é fácil. Mas o fato é que 2,2% de crescimento privado, ainda que seja bem melhor do que 1% do PIB geral, está longe do necessário para resolver os graves problemas de desemprego, desigualdade e pobreza. E, depois de uma das piores recessões da história, e no terceiro ano da agenda liberalizante, resultados melhores na economia naturalmente serão cobrados.

Guedes infeliz
O ministro Paulo Guedes fez um comentário infeliz em entrevista à “Folha de S.Paulo” ao dizer que o rico capitaliza seus recursos enquanto o pobre consome tudo. Ainda que se dê um desconto, a frase revela um distanciamento do chefe da área econômica para com a realidade da grande massa de famílias deste país.

É claro que os pobres gastam tudo. Com o pouco que recebem mensalmente no Brasil, a questão da maioria da população não é a renda que pode garantir para se aposentar. Mas sim a sobrevivência diária.

Guedes tem uma visão de mundo cuja implantação foi sancionada pelas urnas que elegeram Jair Bolsonaro. Reduzir o Estado, diminuir direitos para supostamente gerar mais empregos, conter gastos públicos, privatizar e por aí vai. Mas falta claramente uma percepção mais realista sobre a situação social do brasileiro médio, suas dificuldades e limitações financeiras.

Para entender melhor vale rever reportagem do Globo Esporte de maio sobre história do jogador Michael, do Goiás. A reportagem mostra que ele, antes de conseguir a proeza e a sorte de ir para um time da série A do futebol brasileiro, chegou a jogar cinco partidas da várzea goiana em um só dia para conseguir pagar uma conta de luz de R$ 150. Como esperar poupança de milhões de pessoas que passam suas vidas em situação de semelhante desespero e que nem sequer têm o bilhete premiado do talento com a bola nos pés?

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